26.9.07


AD LOCA LLANSOLIANA (1)

O meu país não é a minha língua,
mas levá-la-ei para aquele que encontrar.

M. G. Llansol,
Um Falcão no Punho,
Herbais, 13 de Agosto de 1981)


Fátima Rolo Duarte, uma portuguesa inteligente emigrada/ exilada/ retirada na Bélgica (como Llansol entre 1965 e 1985), fez há dias o périplo dos lugares llansolianos nessas paragens – a cidade de Lovaina, a vila de Jodoigne, a aldeia de Herbais. Assim, por esta ordem, do grande para o pequeno, do urbano para o rural, do deserto social para o jardim selvagem que o pensamento permite, e que permitiu que aí se escrevesse uma parte substancial da Obra insituável de M. G. Llansol.


A Fátima, que se interessa por tudo (quem navegar por este sítio facilmente constatará que assim é), mas é uma leitora desinteressada e sensível de Llansol (com isto quero dizer: que não persegue nenhum interesse particular, nem crítico, nem académico, nem de capela ou de culto, e se deixa apenas guiar na leitura por uma intuição certeira), colocou
online uma sequência fotográfica daqueles três lugares, «entre Leuven e Herbais (...), seguindo pelas palavras dela [MGL] o rasto do silêncio que continua a ser silêncio. Tal e qual. Herbais parado num dia de sol e céu muito azul, português.»


Vi as fotos – o
link segue dentro de momentos – e recordei o meu próprio périplo, a peregrinatio ad loca llansoliana de há três anos, sob um céu menos luminoso, num frio mês de Dezembro. Nas fotos da Fátima apercebo-me de pormenores que o olho da máquina foi captando e que reconstituem bem o olhar de Llansol sobre a Bélgica, fixado nos Diários e em O Senhor de Herbais: as sombras e os pormenores das casas, o hibridismo de espaços rurais já com tintas urbanas, os campos e a terra fria e plana, o recorte da meia dúzia de casas de Herbais no horizonte, uma ilha cheia de histórias mesquinhas que se repetem há séculos, a mancha do bosque (sombrio, como a alma de Llansol em alguns desses anos de desterro, e que só a escrita obsessiva e a dobra para dentro pôde iluminar), as empenas cegas ou em escada, e o tijolo, muito tijolo, quase só tijolo com ar sólido a prometer eternidade àquelas casas, pequenas e grandes, de campo e vila e cidade, e todas burguesas, dessa Bèlgica de ontem e de hoje, de que Llansol manteve sempre distância e que lhe serviu quase só de mata-borrão que ia absorvendo a «sobreimpressão» de uma língua levada de cá e de estranhas figuras descobertas lá, nesse pequeno mundo aparentemente tranquilo, mas dominado por ressentimentos. Com muito silêncio em volta.


Da distância, a Fátima fala desta perseguição de imagens e põe, como Llansol antes, o dedo sobre essa ferida dos estrangeirados e exilados, que não é saudade de «pátria» nenhuma, mas uma tristeza e um mal-estar pintados de indiferença e alguma ira: «... adorei andar à caça dos passos da escritora. Apanhei um dia de sol lindo, e conforme ia recordando
O Senhor de Herbais, partes que sei quase de cor, ia olhando e vendo para crer. Um filme e um mind map. Muito bonita a descida para o silêncio em Herbais, e depois isso de que me fala. As sombras e o contraste com a escrita da Llansol que, a meus olhos, vibra e é luminosa, tão densa como leve, as palavras bailam, não é fácil de ler mas não se pode dizer que seja difícil. Para dizer a verdade, sempre a achei inqualificável. Não a sei arrumar na estante: está à parte.
(...) Lembrei-me, enquanto ia por ali fora, como seria interessante e útil ter um documentário cuja
répérage fiz parcialmente. Mas aí em Portugal é difícil aceitarem coisas vindas de ninguém, como eu me sinto ninguém quando tenho de falar com Portugal. Mais facilmente vendo a ideia ao canal Arte. Portugal desertifica-se e daqui vejo o meu país eufórico com nada.»


Há textos de Maria Gabriela Llansol que dizem coisas parecidas. Vários, espalhados por livros publicados (escolheremos alguns para acompanhar uma próxima
peregrinatio fotográfica a estes e outros lugares do Brabante que viram nascer a escrita de Llansol) e pelas muitas dezenas de cadernos manuscritos que um dia talvez possam ver a luz do dia em letra impressa. Como o fragmento que publicámos em Agosto aqui.
E agora a ligação às fotos da Fátima Rolo Duarte, que podem ser vistas aqui.

J. B. (com F.R.D.)