23.1.17

ONDE VAIS, DRAMA-POESIA?
lido pelo grupo «Fósforo»

A leitura em voz alta ainda pode ser uma forma de embalar o ouvido e incendiar os espíritos. Ainda há gente diferente do padrão mais comum, até entre a juventude (ou precisamente aí?). Um grupo de estudantes, em parte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, resolveu formar um círculo de leitura a que deu o nome incendiário de «Fósforo-Leituras». Fazem sempre leituras integrais do livro escolhido, e lêem as obras nos mais diversos lugares, fechados e abertos, da cidade.
A sessão de leitura de ontem foi a quadragésima. À tarde, a partir das 14 horas, num andar da Avenida de Berna, em frente dos jardins da Fundação Gulbenkian, lançaram-se à leitura integral de um dos mais extensos e densos livros de Maria Gabriela Llansol, Onde Vais, Drama-Poesia?. Ficam algumas imagens da leitura, e o nosso agradecimento pela escolha deste livro à Catarina Real e ao André Tavares Marçal [vd. www.facebook.com/fosfotoleituras].

9.1.17

VIAGEM A FARO
ou
UMA POÉTICA

A viagem sempre foi para Llansol lugar e tempo de escrita. Viagens longas, no espaço, não fez muitas. Documentadas, com cadernos próprios ou em registo disperso, conhecemos: um cruzeiro no Mediterrâneo em 1953, uma viagem por Espanha em 1957, andanças pelo Sul de França com a irmã e uma amiga, e as deslocações entre a Bélgica e Portugal nos últimos anos do exílio. Mas o texto é para Llansol, por natureza, «lugar que viaja», com o texto viajava sempre, e o comboio foi muitas vezes lugar de escrita, como no excerto que se ouve no vídeo, nascido de uma viagem a Faro em 15 de Maio de 1997, para falar do terceiro diário, Inquérito às Quatro Confidências. Como também acontece com textos de vária natureza nascidos no comboio entre Sintra e Lisboa, nos anos das visitas regulares aos lugares de Campo de Ourique que a viram nascer e crescer. Do outro lado da janela, a paisagem, mesmo a mais desolada, anima-se com as palavras (que conseguem operar nas coisas do Ser uma deslocação da esfera do simples atributo para a da substância), e reconfigura-se nas figuras da linhagem. Em viagem, e não só, o olhar é o órgão fundamental da escrita, «o movimento_____ é a passagem obrigatória para a pupila» (lemos num dossier dactiloscrito de 1987). A escrita em movimento, que – isso percebe-se uma vez mais claramente a certa altura do fragmento da viagem a Faro – não é literatura, mas o «exterior do meu interior», é escrita do movimento, e da viagem nasce toda uma arte poética e uma visão do mundo.


4.1.17


AS LINHAS DO MUNDO DE LLANSOL

O trabalho permanente no espólio de Maria Gabriela Llansol reserva-nos constantemente surpresas e descobertas. Como a de ontem, num texto (aqui reproduzido em parte) escrito para o catálogo da Europália de Bruxelas, dedicada a Portugal em 1991. O texto acompanha nessa publicação desenhos de Julião Sarmento (muitos deles estão na edição de O Raio Sobre o Lápis, que saiu nessa ocasião em livro de artista), e o poema de Hölderlin referido é «Os carvalhos», de que aqui damos uma tradução de João Barrento. Dois anos mais tarde sairia esse pequeno e intenso livro-carta de Llansol que é Hölder, de Hölderlin, e logo a seguir a recolha de poemas intitulada Diotima, em versão de Maria Clara Salgueiro, id est Maria Gabriela Llansol.
O texto, transcrito sobre imagens desses anos no pinhal de Colares, remete para as deambulações de Llansol nessa época, entre a casa de Toki Alai e a Praia das Maçãs ou o Mucifal, e mostra-a entre os caminhos do sentir e do pensar, buscando encontrar o corpo de afectos, o pensamento em corpo, e as linhas do mundo por onde se derrama a sua escrita.
A página de abertura do texto da Europália/1991



2.1.17



A fotógrafa e designer (e tantas outras coisas) Fátima Rolo Duarte, que vive há eternidades na Bélgica, descobriu o Espaço Llansol na hora do seu nascimento, em 2006, mas já lia Llansol muito antes, ainda em Colares, por onde a via andar. Trocámos muitas mensagens a partir dessa altura, e um dia escrevi-lhe com comentários ao seu excelente blog (f-world) e a uma fabulosa leitura sua de Bouvard e Pécuchet, de Flaubert, que ela aí tinha colocado. A Fátima andou depois pela Bélgica percorrendo e fotografando os lugares llansolianos (alguns deles na montagem abaixo: Lovaina, Jodoigne, Herbais), e enviou-nos mais tarde, num fim de ano, um precioso caderninho com algumas dessas fotos, entrecortadas por textos da Maria Gabriela.
Reproduzo abaixo o e-mail de há dez anos, porque ele traz a marca de um entusiasmo raro, ainda por cima em relação a um dos livros menos curiais e ditos «estranhos» de Llansol. É mais uma boa maneira de iniciar o ano.
J. B.