30.4.08

7.4.08

DEPOIS DA PARTIDA
Balanço do primeiro mês




Passou um mês e alguns dias sobre a deslocação da Maria Gabriela para um lugar onde haverá Cantores de Leitura, e do qual com certeza poderá confirmar que a sua ausência foi preenchida por um forte sentimento de Presença em todos nós, e sobretudo naqueles que diariamente conviveram e convivem com a casa, os objectos, os papéis, as fotos, os livros.


A casa de Sintra entrou em processo acelerado de mudança, e sentimos que tudo o que foi está sendo de novo, sob nova forma e com novos sentidos. Lembramo-nos da página de
Finita que nos conforta e confirma no sentimento de que houve uma passagem de testemunho que temos de merecer: «Sim, as coisas são veículo de conhecimento, à medida que se dispõem experimentam o nosso pensamento e submetem à prova a nossa maneira de agir; disponho-as de certa maneira e já outras percepções surgem, mudo-as de lugar, estabeleço entre elas outras recíprocas relações, e já novos seres estão presentes e começam a exprimir-se (a mim) para que eu não os abandone, os descreva, os mantenha, os reforce na sua realidade nascente; quando tudo por mim for abandonando (penso na morte), haverá objectos que, em outras casas que os herdarem, chamarão alguém a seu destino» (2ª ed., p. 220).


Essse chamamento foi ouvido. Durante este primeiro mês o Texto não deixou de estar em movimento, os eventos, as evocações, as entrevistas, os esforços para o manter vivo não pararam de acontecer. Houve um eco enorme, na comunicação social, na blogosfera e a nível oficial e privado, que repercutiu o desaparecimento da Maria Gabriela com uma chuva de manifestações de afecto e de reconhecimento de que já demos notícia aqui. No dia 14 de Março falámos dos
Desenhos a Lápis com Fala, o último livro, com as colagens do Augusto e o texto de Amar um Cão, na livraria Byblos, em Lisboa, com a presença de muitos leitores e legentes que a lembraram e falaram da sua obra. No dia 16, Maria Gabriela Llansol teve presença significativa na televisão, pela voz de João Barrento (no programa Câmara Clara, ainda visonável aqui). No dia 31 a Rádio Clube de Sintra dedicou uma hora de programação à figura de Llansol, que foi evocada e lida por Maria Etelvina Santos e João Barrento, com a participação da activista sintrense Adriana Jones, da Associação de Defesa do Património de Sintra (disponível aqui). No trigésimo dia da passagem, em 3 de Abril, João Barrento voltou a falar de Maria Gabriela Llansol no programa da Antena 2 «O império dos sentidos», de Paulo Alves Guerra, com audição de dois excertos da música de João Madureira para a ópera Metanoite.
A editora Mariposa Azual (actualmente dirigida por Helena Vieira), que vai renascer das cinzas na próxima Feira do Livro (22 de Maio a 10 de Junho), publicará nessa ocasião dois livros sobre a Obra de Llansol:
Na Dobra do Mundo. Escritos llansolianos, de João Barrento, e Maria Gabriela Llansol: O improvável da leitura, de Maria Etelvina Santos.


A grande prioridade neste momento é a da organização do imenso espólio deixado pela Maria Gabriela, indissociável do nosso grande desejo de manter a casa onde viveu como sede do Espaço Llansol e lugar de trabalho e acolhimento. Neste sentido fizémos várias diligências junto da Câmara Municipal de Sintra, mas o vento que sopra destas paragens é muito desencorajante: apresentámos em 26 de Março uma moção à Assembleia Municipal, lembrando a necessidade de um espaço para preservar e tratar o espólio, e tivémos uma entrevista com o vereador da Cultura no dia 3 de Abril, da qual pudémos concluir que não existe em Sintra nem «vontade política» nem a mínima percepção da importância desta autora e desta obra, o que não nos permite ter grandes esperanças de sermos ouvidos.
Há, no entanto, alguma esperança na sequência de outras diligências feitas junto do Ministro da Cultura.


Entretanto, continua o trabalho de arrumação, limpeza e metamorfose da casa da Maria Gabriela em Sintra. Ficaram para trás os difíceis tempos da doença, e uma nova era começa a despontar aí com a luz extraordinária, vinda de fora e de dentro, que invade aquela casa nos nossos fins de tarde de trabalho. O fotógrafo Duarte Belo (que antes já esteve presente no Colóquio da Arrábida e fez as fotos que acompanham a segunda edição de
Finita) passou lá connosco um dia e fixou, em quase mil fotografias, os ambientes, os objectos e os lugares de escrita e de vida da Maria Gabriela.


Nós próprios fomos registando a transformação por que passa a casa em fotografias que documentam o nosso trabalho de descoberta e ordenação do infindável espólio de textos e objectos. E durante este processo percebemos definitivamente que o único lugar com sentido para a associação-comunidade que deles se irá ocupar é esta casa, e que temos de fazer os possíveis e os impossíveis para que este sonho se possa concretizar.


De facto, o volume de textos manuscritos e dactilografados que encontrámos, em cadernos, agendas, dossiers, blocos, folhas soltas, é absolutamente esmagador. A correspondência e o arquivo fotográfico, que cobre mais de um século, vão exigir um longo período de classificação e eventual digitalização. Só agora começamos verdadeiramente a tomar consciência do que foi uma vida-de-escrita vertiginosa e obsessiva, desde as primeiras redacções escolares, em contos, poesia e teatro juvenis, nos diários inéditos dos anos 50, 60 e 80, nas variantes e versões múltiplas de livros editados, e sobretudo no repositório imenso de cadernos manuscritos e papéis soltos, que já começámos a digitalizar.


Acabámos de fazer um primeiro inventário, ainda provisório e pouco pormenorizado, mas que deixamos já aqui para que se possa fazer uma ideia, ainda que pálida, deste mar de escrita e da grande responsabilidade que recaiu sobre nós, uma tarefa que acolhemos e aceitamos com determinação e alegria.



ESPÓLIO LITERÁRIO DE MARIA GABRIELA LLANSOL

Inventário preliminar



1. Cadernos de escrita

a) Núcleo principal (numerado pela Autora):
74 cadernos, de formato A5 ou próximo, cobrindo o período de 1974 a 2006, e contendo o essencial do pensamento, do processo genético da maior parte dos livros editados, sonhos e vivência diária da Autora.
Total estimado de cerca de vinte mil páginas.


b) Segundo núcleo de cadernos (não numerados):
73 cadernos de formatos diversos (de pequenos cadernos de bolso a formato A5) e com preenchimento irregular (de apenas algumas páginas ou do caderno completo). Cobrem o período de 1969 a 2007.


2. Agendas

50 agendas de formatos diversos, de 1963 a 2006 (vários anos com mais do que uma agenda), todas com textos da Autora.

3. Blocos de notas

12 blocos de notas, de 1968 a 2005, com anotações.


4. Dossiers

a) Dactiloscritos (por vezes também provas tipográficas) com os originais de todos os livros editados, alguns em mais do que uma versão e incluindo textos que não entraram nas versões finais. Total de 81 dossiers de formato A4.

b) Dossiers que documentam fases intermédias da escrita de alguns livros: total de 17 dossiers de formato A4.


5. Diários

a) Diários dos anos oitenta: 5 dossiers A4 com diários dactilografados, entre 1981 e 1989.

b) Primeiros diários: 5 cadernos ou dossiers, manuscritos e dactilografados, com diários de 1953, 1958, 1960, 1965 (dois).

6. Textos soltos

a) 8 pastas (A4) com textos soltos inéditos.

b) Uma caixa com textos soltos inéditos (algumas centenas papéis de vária natureza).


7. Primeiras obras (infantis, juvenis e anteriores ao primeiro livro publicado)

a) Contos:
- «Destinos ciganos» (1942: 11 anos), manuscrito
- Conto sem título (1944 ou 1945), manuscrito
- Histórias ao Acaso (1951-52): conjunto de 19 contos, manuscrito
- Prelúdio (1952): conjunto de 27 contos manuscritos (em parte incluídos já em Histórias ao
Acaso
)
- 5 contos de 1962 («O Deus novo», «O conferencista», «A mãe», «O doido», «O prego»),

b) Teatro:
- Duas pequenas peças manuscritas: «Os candeeiros, o gato, a Velha e o Natal» e «Parábola do
moderno Filho Pródigo»
- Os Quatro Pobres de Natal, peça em 1 acto (1952)
- O Absurdo. Teatro radiofónico com 3 personagens (1959)
- A Cordeira. Fantasia em 1 acto e 2 quadros (1959?)

c) Poesia:
- 24 poemas manuscritos (1948-50)


8. Cadernos escolares

- Caderno de caligrafia, 4ª classe
- Caderninho de orações, feito à mão e ilustrado, de 1939 (8 anos). referido e parcialmente
transcrito no início de Finita.
- Cadernos de várias disciplinas, do Liceu Pedro Nunes:
- Português (1945-48)
- Inglês (1945-48)
- História (1945-48)
- Literatura Portuguesa (1948-49)
- Caderneta escolar do Liceu Pedro Nunes
- Caderno de apontamentos da cadeira de História da Educação (Prof. Delfim Santos),
Faculdade de Letras de Lisboa, 1955-56.

9. Correspondência

Milhares de cartas e postais (não inventariado).

10. Arquivo fotográfico

Milhares de fotografias, negativos e slides, incluindo álbuns familiares muito completos, desde inícios do século XX, todo o período de exílio na Bélgica (1965-1985) e o período posterior, em Colares-Sintra (não inventariado).

11. Arquivo de imagens

Reproduções de pintura e outras imagens coleccionadas por M. G. Llansol, em 2 caixas.

12. Documentos pessoais e de família

Muita documentação pessoal e familiar, do lado paterno e materno, importante para reconstituir momentos de escrita dos diários e dos próprios livros da Autora (não inventariado).


13. Objectos

Todos os objectos literariamente relevantes, com ligações explícitas aos livros, para além de muitos outros do ambiente de escrita e de vida da Autora.

14. Biblioteca

Todos os livros de Maria Gabriela Llansol (e também os de Augusto Joaquim), com particular destaque para as obras das figuras históricas dos seus livros, ou sobre elas, que contêm importante marginalia e anotações soltas (não inventariado).

15. Espólio de Augusto Joaquim

O espólio deixado por A. J., em papel e suportes digitais, contém muitos textos inéditos importantes para o estudo da Obra de Llansol, para além de outras matérias (não inventariado).

Neste primeiro levantamento, o espólio estritamente literário corresponde a um total inventariado de cerca de 350 objectos.

_________________________________