31.3.22

 O TERRITÓRIO DOS GATOS

No sábado, dia 9 de Abril, pelas 17 horas, trataremos em mais uma sessão do Espaço Llansol, com comentários da escritora Hélia Correia, de um tema aparentemente marginal, mas de facto com um lugar importante em alguns livros e sobretudo nos cadernos de escrita de Maria Gabriela Llansol desde os tempos do exílio da Bélgica, até aos últimos anos, em Colares e Sintra: os muitos gatos que acompanham os seus dias, com identidade e histórias próprias, numa troca de afectos permanente.

O caderno que fizemos para a ocasião documenta bem o tema. Alguns dos textos que aí figuram serão lidos por três frequentadoras do Espaço Llansol, também elas amantes dos felinos: Teresa Cadete, Helena Roldão e Michelle Nobre Dias

28.3.22

OS PLÁTANOS DE SINTRA/COLARES... E O DE LLANSOL

Devido à intervenção persistente da Associação de Defesa do Património de Sintra, da associação Alagamares, de Colares, e de outras instituições e cidadãos de Sintra, foram recentemente classificados como árvores de interesse público 33 plátanos em Colares. O facto foi assinalado pela Alagamares com uma placa que contém duas frases, uma de Platão e outra de Maria Gabriela Llansol.

Em 2009 a Câmara Municipal de Sintra reconhecera já o interesse público de um plátano particular da «Volta do Duche», que tem lugar de destaque no livro de Llansol Parasceve. Puzzles e ironias, e mereceu uma placa especial, que ainda se encontra aos pés desta árvore, com uma citação deste livro. Reproduzimos aqui a placa original do «Grande Maior» e o cartaz que fizemos na altura.



13.3.22

OS DESENHOS DE LLANSOL

Na sessão do último sábado, em que mostrámos e comentámos os milhares de desenhos de todos os tipos que povoam os cadernos de escrita de Maria Gabriela Llansol, pudemos contar com a colaboração do pintor Pedro Proença, que fez uma abordagem múltipla e contextualizada dessa prática de escrita visual paralela, com referências à tradição do desenho e às várias possibilidades de leitura dessa «grande figuração» de ausências presentes que é o desenho desde as origens. Origens essas, desde os hieróglifos e as escritas orientais, em que escrita e desenho se entrecruzam – como acontece em Llansol.

A abrir, para dar ao público que enchia a sala uma primeira entrada neste universo, passámos o video que se pode ver clicando neste link: https://vimeo.com/687614258

                                             Pedro Proença medita e comenta...

Pedro Proença interrogou-se sobre o modo como nascem estes desenhos, as ambiguidades ou polaridades que a própria autora neles vê, quase sempre em diálogo com a escrita – ela própria, para Llansol, uma forma de desenho –, para acentuar a importância da linha e dos seus gestos nas formas essencialmente «vitalistas» dos desenhos de Maria Gabriela (o que não exclui a presença de outros registos, conceptuais, narrativos, construtivistas, expressionistas, minimalistas...). Mas será, segundo Proença, esse lado vitalista o dominante, pelo claro predomínio das formas circulares e espiraladas, dos motivos florais ou dos corpos. O desenho, salientou Pedro Proença, é assim uma forma de agir, mais sensível do que a da própria escrita, uma «meditação ou tensão amorosa» prolongada (isso é visível, por exemplo, quer nas ligações frequentes entre desenho e escrita, quer nas muitas páginas de desenhos que, nos cadernos de Llansol, nascem durante reuniões e colóquios que não acabam!).

O desenho, conclui Pedro Proença, é aqui uma forma de vibração particular, semelhante à do tactear da criança no processo de aprendizagem da escrita, nesse caso com os inevitáveis desvios dos erros ortográficos. A pulsão de escrever é também, na Llansol adulta, uma forma de desenho, e vice-versa, e ela própria destaca esta interacção nos textos que incluímos nos cadernos feitos para esta sessão. Algo que os presentes puderam ver claramente nos muitos cadernos e papéis avulsos com os desenhos originais, que seleccionámos do espólio de Maria Gabriela Llansol.



Desses cadernos leu, no final, o actor Diogo Dória alguns fragmentos de Llansol sobre desenho e arte, que a seguir se transcrevem.


Diogo Dória lê


1



«OS PEQUENOS DESENHOS DÃO PRAZER ÀS LETRAS»

Fragmentos sobre escrita e desenho


O sonho

apresentou-se-me numa sucessão de cenas. Professor de desenho deitado numa cama. Folhas espalhadas. Ensina a vários alunos que se vão sucedendo. Chega a minha vez. Explico-lhe que nem sequer tenho a noção do espaço, que nem sei desenhar. E escrever? Escrevo menos mal, respondo, com um sorriso.



Escrever é menos ácido do que desenhar.


Não sei desenhar, mas, escrevendo, sei desenho. Olho, primeiramente, e acima de tudo, para o desenho do que escrevo. Rasurar não é escrever, o texto interrompe-se quando se rasura, quebra o curso que liga a mão a qualquer coisa totalmente inexpressiva enquanto não se exprime nesse movimento. A firmeza deste caderno liga-me à matéria do que sinto ser o mais vibrátil material.   



Apetece-me desenhar substâncias puras, e permito-me pensar que, desenhando, poderia escrever palavras à vontade, com sublimes erros de ortografia.



Não desenho, mas capto as linhas do desenho.

Sei qual é a carne da cor e da imagem________       



O que comanda a minha mão – escrevendo – é o prazer do desenho. Encaracola as letras, dá-lhes um movimento de cavalo, ora em paseio, ora em corrida. Geralmente em corrida.

Só sei desenhar letras, dar-lhes contornos de garupas em movimento.



Florzinha de desenho: 

não deixou de desenhar 

colorir-se toda a noite; 

estava alvoroçada, com o lápis na mão. 

Sua espécie anterior 

seu epicentro era o silêncio,

agora desenhava,

tinha um corpo.



... Sinto-me diferente do que sou – subtracção e soma que prossegue acertando contas. As letras seduzem-me como pequenos desenhos livres e acerados. São diminutivos do meu pensamento.



Eu nunca tinha reparado na beleza de «uma página caligráfica» – vê-la como desenho, obra de beleza, fonte de procura. Nunca tinha reparado – não –, tal era o alvoroço de escrever, de escrever canto, na sua perturbação quente, mas calma.



Desenho com as letras o que está oculto no meu pensamento e que, sem elas trepidando, ficaria para sempre oculto, pelo menos de vós.

Desenho, com prazer, os contornos, e arrisco-me a voltar a ler a frase depois de escrita. Com prazer.



Descubro a pergunta: desenhar é melhor do que escrever?

Descubro a resposta: Há uma coincidência feliz entre as duas partes de um todo azul...



2



O ELOGIO DO FULGOR

Fragmentos sobre arte e artistas



a arte obsidia-me. Compreendo mal a sua natureza. Vejo-a intimamente tão perto que o que ela é________________ eu sou. É uma atmosfera de louvor à consciência, ao sentimento de a ver pensar inabalável. Porque ela está no olhar quando ele, atento, se envolve_____________ e enfrenta. O que ela vê nesse olhar, fica unificado consigo. Há uma intimidade entre a memória do olhar e a memória da consciência. Memória de um olhar que é espelho de energia. Energia-fulgor que passa num lampejo.


e pouco a pouco,

o texto apodera-se do fulgor e desdobra-o em imagem sobre o papel. Tornam-se a única realidade palpável e coerente. Esta é a realidade possível que me obsidia.



O artista não é uma testemunha sem o saber, é o personagem principal da sua obra. Se viver ao nível da vida, não viverá ao nível da transformação da vida.



Compreendo agora que a arte se transforma em quem nós somos claramente.



A arte só pode ter origem num centro rigorosamente anónimo.

    A arte é uma física experimental.



O «cálculo» do estatuto da obra de arte. Pode-se assim ler duas vezes uma obra de arte: segundo as impressões produzidas, segundo a desmontagem e [o] funcionamento. 



Psicologia é para os actos medíocres (medidos) da vida. O artista, ou encontra a forma, ou não existe.



Para o artista, amar é «prodigalizar formas». 



O modo mais eficaz, e menos perigoso, de atingir as zonas interditas do pensamento________ é com os instrumentos da arte. Sem  a arte mais se fechariam à nossa volta os círculos normativos. 



Nada_____ a não ser um traço, indicia a beleza.

Só progridem os grupos ou seres humanos em que opera a contradição.

O percurso através das imagens da visão artística_______ o artístico como expressão de formas espirituais em evolução. 



Ao contrário de Nabokov, eu não digo que a arte é volúpia,

a arte desfaz-se

e o seu modo de entrar em mim nunca é igual. 



_________ Gosto da pintura porque ela estende o olhar, antes da compreensão – tal como um sonho.



Os quadros________

Primeiro está a parede, branca, sombreada ou luminosa, e o rectângulo, ou o quadrado, ou o círculo, desce sobre ela. Não é um livro, mas vê-se. Eu tenho por hábito pensar os quadros, abrangê-los com a ilusão de ler — estando simplesmente a olhar. O quadro é estático — parece. Mas se eu deixar meu coração zumbir por cima do olhar, concentrar nele a abertura maior da minha consciência — o quadro evade-se, adquire para si toda a liberdade do meu espírito. Logo me apetece relembrá-lo, ou escrevê-lo, se estou ausente; é compacto de tintas, ou lápis, ou óleo ou aguarelas, mas o que está a perturbar-me agora tem uma árvore sobre uma mancha figural rosa. Delas nasce uma frase: para bem compreender que o problema de criar é insolúvel, é necessário estar no acto de criar. 




3.3.22

 CATORZE ANOS DEPOIS...


Faz hoje catorze anos que a Maria Gabriela nos deixou, e a um mundo que conhecia bem, como um «jardim devastado» a que não recusava um «perfil de esperança». Para este momento em que o mundo assiste à insânia ditatorial de um novo «czar de todas as Rússias», aqui deixamos uma página dos seus cadernos que não podia ser mais actual – e esperançosa. Porque também sobre o mundo dos poderes e suas perversões ela pensou e escreveu – ultrapassando-o. Sobre o mundo às avessas lemos num caderno de 1996:

«Não vos declaro a guerra, pois sois inexistentes. Mas para esta paisagem onde o ar das borboletas ainda é possível no princípio das palavras que vão jorrar a limpo – não passareis sem corpo são, visível, responsável e sonoro».

Mais tarde, ao ler o poeta Manuel Gusmão e a sua linha «Contra todas as evidências em contrário, a alegria» (no livro Teatros do Tempo), a Maria Gabriela volta a oferecer-nos um horizonte de esperança de que nunca abdicou, ao anotar na margem de um outro livro desse autor (Migrações de Fogo): «a alegria, que é o reverso ou a dobra de uma dor». Esperemos que do reverso deste mundo insano nos continue a acenar alguma alegria...

2.3.22

 LLANSOL, O DESENHO E A ARTE


No próximo sábado, dia 12 de Março, voltaremos às nossas sessões públicas, desta vez com a presença de um especial intérprete da Obra de Maria Gabriela Llansol, o pintor Pedro Proença, que connosco tem colaborado desde há anos. Pedro Proença falará de um aspecto muito particular e pouco usual em espólios literários: os desenhos que enchem os cadernos manuscritos de M. G. Llansol, e que evidenciam uma articulação deliberada entre escrita e desenho, e uma tipologia muito variada. Paralelamente ao caderno que documenta este tema («A carne da cor e da imagem: Os desenhos de M. G. Llansol») apresentaremos nesse dia um outro que documenta todas as obras de arte originais que temos no Espaço Llansol, uma parte das quais faz parte do acervo deixado pela autora («A arte é uma física experimental»: Artistas na Casa de Llansol).

Nesta sessão o actor Diogo Dória lerá fragmentos de Llansol sobre o desenho e a arte.