3.3.22

 CATORZE ANOS DEPOIS...


Faz hoje catorze anos que a Maria Gabriela nos deixou, e a um mundo que conhecia bem, como um «jardim devastado» a que não recusava um «perfil de esperança». Para este momento em que o mundo assiste à insânia ditatorial de um novo «czar de todas as Rússias», aqui deixamos uma página dos seus cadernos que não podia ser mais actual – e esperançosa. Porque também sobre o mundo dos poderes e suas perversões ela pensou e escreveu – ultrapassando-o. Sobre o mundo às avessas lemos num caderno de 1996:

«Não vos declaro a guerra, pois sois inexistentes. Mas para esta paisagem onde o ar das borboletas ainda é possível no princípio das palavras que vão jorrar a limpo – não passareis sem corpo são, visível, responsável e sonoro».

Mais tarde, ao ler o poeta Manuel Gusmão e a sua linha «Contra todas as evidências em contrário, a alegria» (no livro Teatros do Tempo), a Maria Gabriela volta a oferecer-nos um horizonte de esperança de que nunca abdicou, ao anotar na margem de um outro livro desse autor (Migrações de Fogo): «a alegria, que é o reverso ou a dobra de uma dor». Esperemos que do reverso deste mundo insano nos continue a acenar alguma alegria...