31.1.16

AS SINTRAS DE LLANSOL:
«Em passo de pensamento»

Tivémos ontem a primeira sessão da nova fase da «Letra E», em que começámos por evocar a «Carta de princípios» deste nosso espaço público, agora distribuído por vários lugares de acolhimento, para lembrar como a «comunidade na diáspora» mantém os princípios que desde sempre a orientaram.
Voltámos ao MU.SA-Museu das Artes de Sintra, com um tema perfeitamente ajustado ao local. Maria Etelvina Santos e João Barrento contextualizaram o tema – «As Sintras de Llansol» – esclarecendo algumas das noções-chave de M. G. Llansol importantes para compreender a sua relação com os lugares da experiência e a sua transformação em lugares-do-Texto: noções como as de «Lugar», «Paisagem», «Memória», «Figura» ou «Encontro».


Passámos um vídeo que dá a ver os lugares da deambulação pensante de Llansol, entre Colares/Praia das Maçãs/Mucifal/Penedo, e vários percursos na Vila de Sintra, com particular destaque para a Volta do Duche e de uma figura magna nela implantada, o «Grande Maior». O vídeo pode ver-se aqui:

Finalmente, e antes de uma viva conversa com o público, quatro alunas da Escola Secundária de Santa Maria (orientadas pela professora Maria Fernanda Peixoto, a quem muito agradecemos) leram durante meia hora alguns dos textos sobre esses lugares, que figuram no caderno feito para este dia: M. G. Llansol: Sintra em passo de pensamento.


Para os que não puderam ir a Sintra, transcrevemos ainda do Caderno a introdução de João Barrento:

As Sintras de Llansol
De regresso ao «país português» após vinte anos de exílio na Bélgica, Maria Gabriela Llansol parece a princípio sentir-se perdida no seu novo-velho habitat, que lhe surge «como um dado esbatido a decifrar». Estamos em 1985, a princípio, por poucos meses apenas, no Mucifal, depois em Colares, nessa primeira verdadeira casa-abrigo que recebe o nome basco de «Toki Alai», lugar onde, como nas casas da Bélgica, «se faziam ouvir os primórdios do que estava para ser». E muito foi o que nasceu nos espaços de Sintra, que o olhar de quem os escreve, no seu «passo de pensamento», transforma em verdadeiros lugares – não cenários ou objectos de descrição, mas pretextos de visões e vislumbres, de gestação de figuras e de escrita livre.
Por isso a velha questão dos lugares e da sua relação, directa ou indirecta, com o que neles, ou a partir deles, se escreve, assume no caso de Llansol contornos radicalmente diferentes dos mais habituais. Como os fragmentos deste caderno mostrarão, os lugares de Sintra (incluindo aí a experiência dos dez anos de Colares) que para ela apelam não são os mais óbvios e expectáveis. Longe disso, trata-se quase sempre de uma geografia muito pessoal, em consonância com um universo de escrita singular e um modo de estar no mundo a contrapêlo dos lugares-comuns que o cristalizam. São muitas vezes lugares em que ninguém repara (se este texto não alertar para eles), lugares sem nome que desencadeiam torrentes de escrita, encontros insólitos, micronarrativas inesperadas – o «Pinhal» em Colares, as ruas, as pessoas, os gatos anónimos, o plátano nomeado de «Grande Maior» ou a «Vivenda Anna» em ruínas, em Sintra.
Mas outras vezes a Vila e os seus lugares emblemáticos – a Volta do Duche, a Vila Velha (e aí o adro da igreja de S. Martinho), a Serra ou simplesmente a casa da Estalagem da Raposa – libertam a imaginação e as mais inesperadas associações, produzindo peças de escrita visionária, no sentido literal do termo: antecipatória, criadora de mundos alternativos, intensamente imagética – como sempre o fez a escrita de M. G. Llansol. Em qualquer lugar pode «brotar a imagem», e esse lugar, de todos conhecido, transfigura-se a ponto de se tornar inassimilável à sua imagem mais comum e trivial. Um passeio à Vila Velha para meter uma carta no correio, uma manhã na Sapa ou uma visita ao antigo Museu Berardo convocam figuras e encontros (a mulher do quadro de Balthus, Marguerite Yourcenar, a mulher do campo que conhece os «Estudos Gerais das Árvores» sintrenses) e resultam em paisagens textuais únicas, nascidas de um território que é o de todos.
Essas paisagens, a própria escritora as foi criando nos lugares onde viveu: em Colares, elas desenrolam-se entre a casa, o pinhal e o mar; em Sintra, entre a Estalagem da Raposa e os lugares circundantes, da Estefânea à Vila, muitas vezes com a Serra (a sua, a de «Sintra, a montanhesa») em fundo. Mas talvez se deva dizer que a grande e decisiva paisagem foi sempre, para Llansol, a das casas, como muitos registos neste caderno deixam perceber. Daí parte-se para o mundo, ou simplesmente vê-se o mundo para o reinventar.
Nunca Llansol escreveu sobre os lugares onde viveu: cria os seus próprios, escrevendo com eles, com as energias que neles pulsam. Assim, como seria de esperar, não há aqui a mínima ilustração ou representação literária dos lugares – que por isso nem «cenário» são, como em tantos outros autores que por Sintra passaram, dos Românticos a Eça ou a Vergílio Ferreira. A Sintra escrita por Llansol (a Sintra de Llansol) corre, assim, o risco de muitas vezes (aparentemente) se distanciar do seu objecto, em vez de, como quase sempre acontece, o reflectir, idealizar ou sacralizar. Mas este é o processo de deslocamento do olhar, e de estranhamento criativo, comum a toda a escrita de Maria Gabriela Llansol.




6.1.16

A «LETRA E» CONTINUA…
Programa para Janeiro e Fevereiro

Mudam os lugares, mas mantém-se o espírito. As sessões da Letra E do Espaço Llansol continuarão, em Sintra e Lisboa, e temos já pronto o programa das sessões de Janeiro e Fevereiro.
Em 30 de Janeiro, no MU.SA-Museu das Artes de Sintra (na Sala da Clarabóia, às 16 horas), falaremos da Sintra de Maria Gabriela Llansol, dos seus percursos, do seu modo de ver, reinventar e sonhar os lugares, entre a Praia das Maçãs e a Praia Grande, a Várzea de Colares e a Serra, a Volta do Duche e a Vila Velha, os cafés de Sintra e os «Estudos Gerais das Árvores». Apresentaremos um video feito a partir do arquivo fotográfico do Espaço Llansol, e alunas e alunos da Escola Secundária de Santa Maria, em Sintra, lerão excertos dos cadernos de Llansol sobre lugares de Sintra


No sábado seguinte, 6 de Fevereiro, a partir das 16 horas, estaremos em Lisboa, na Galeria Diferença (Rua de S. Filipe Nery, 42, ao Rato), com mais uma exposição da fotógrafa Teresa Huertas (Aparições, Desaparecimentos), em que exploraremos as surpreendentes e fascinantes ligações entre este projecto de re-figuração de rostos a partir de uma fotografia antiga e o lugar do rosto e do olhar, ou as noção de figura e de retrato na escrita de Llansol. 


Para cada uma das sessões, como já vem sendo hábito, teremos um Caderno da Letra E, numa segunda série que agora se inicia.