27.9.07


Como noticiámos aqui anteriormente, realizou-se no dia 5 de Setembro um Colóquio na Universidade de Liverpool, com a finalidade de assinalar os trinta anos da publicação de O Livro das Comunidades. Recebemos hoje o relatório-síntese dos trabalhos desse dia, que nos foi gentilmente enviado por Raquel Ribeiro, doutoranda naquela Universidade e, com Claire Williams, organizadora do Encontro.


LLANSOLLIVERPOOL:
GUIA DE QUESTÕES PARA DISCUTIR O LIVRO DAS COMUNIDADES


Como as figuras Llansolianas, disse Claire Williams (U. Liverpool) no início do encontro, “todos nós vimos de diferentes cidades e diferentes países (apesar de estarmos todos no mesmo século), falamos diferentes línguas e trazemos diferente bagagem connosco”. No encontro em Liverpool que, no dia 5 de Setembro, comemorou os trinta anos da publicação de O Livro das Comunidades, cada participante falou na língua em que se sentia mais confortável, o que fez do encontro de legentes uma pequena babel num sótão da Blackburne House.
Houve uma série de coincidências: tal como Ana de Peñalosa escrevia no topo da casa, também todos nos reunimos num sótão de um antigo colégio e hoje uma instituição para o ensino de mulheres. Além disso, a Universidade de Liverpool foi durante mais de trinta anos a “casa” do Professor Doutor E. Allison Peers, pioneiro de estudos Espanhóis no Reino Unido e tradutor de Teresa de Ávila e San Juan de La Cruz.

O desafio era ler O Livro das Comunidades trinta anos depois da sua publicação e tentar responder a uma série de perguntas. Talvez as respostas não tenham surgido como definitivas, mas o encontro proporcionou um guia de questões sobre a obra Llansoliana que todos os participantes empenhadamente se voluntariaram a responder.
“Este livro vai deixá-lo desconfortavel. Vai fazê-lo pensar outra vez sobre como a linguagem funciona, como se interpreta. Não é fácil de ler. Sofre mutações cada vez que se lê. Desintegra-se e reformula-se a si mesmo”, disse Claire Williams.
Paulo de Medeiros (U. Utrecht) foi o primeiro a fazer perguntas: Será O Livro das Comunidades uma “tentativa de escrita contra um vazio ou um paradoxo?”, perguntou, para depois afirmar que este livro é um “texto temporário sobre o que ainda está por vir; não é um programa ou texto embrionário: é um livro-questão, que levanta muitas questões e que nos deixa a fazer perguntas”.

Maria de Lourdes Soares (U. Federal do Rio de Janeiro) falou de uma obra “fonte da escrita e do lugar no mundo” e de Ana de Peñalosa, como “fonte-matricial”, “a maternidade de várias espécies”. Esse “medo florido da viagem”, de que Llansol fala no Lugar 26, é “impulsionador de novos textos”, e esse texto “acolhe o dom da generosidade, gerando novas configurações e desviando o fio da história”. “Ana — o seu nome começa e acaba num princípio: “a” amor porque se abre ao terceiro sexo em que a linguagem está separada do masculino e do feminino”, disse.
No texto, Llansol proporciona o encontro e, para Maria Carolina Fenati (U. Nova de Lisboa) “a comunidade é o mecanismo, a dinâmica do texto”. Segundo Fenati, “o texto avança por paradoxos num processo de desaceleração que desafia todos os hábitos”. O leitor terá de se confrontar com os seus códigos, com as comunidades em que está inserido, com o seu papel de cidadão ou de leitor.
Por isso, ler O Livro das Comunidades é como jogar um jogo. Mas Pedro Eiras (U. Porto) disse que não é possível fazer um “jogo das comunidades”. O texto llansoliano, disse Eiras, “não segue as regras de um jogo de linguagem, mas sim as regras incontáveis de inúmeros jogos, sempre surpreendentes. Esta escrita não é, portanto, estocástica, caótica, ela é simplesmente muito complexa: sobrepõe diversas linguagens, reconhecíveis ou não noutros textos de outros autores, e trabalha menos objectos do que um devir.”
A leitura do capítulo sobre O Livro das Comunidades em O Senhor de Herbais, por Francisco Serra-Lopes (U. Barcelona), trouxe alguma polémica ao encontro. O Livro das Comunidades confirma Llansol “na filiação mística”, mas as suas “consequências políticas não são apreciáveis”. Assim, “a congregação simbólica em torno a uma experiência-fulgor parcialmente traduzida na revolução de 1974 parece converter-se, na primeira obra publicada após o 11 de Setembro de 2001 — em certo sentido diabólica — num voto de isolamento e pessimismo.”
Raquel Ribeiro (U. Liverpool) fez uma leitura do Lugar 26 de O Livro das Comunidades, reflectindo sobre o modo como a geração de um monstro, no final deste primeiro capítulo da trilogia, despoletará uma série de novos seres.

Finalmente, a mesa-redonda sobre “Será Maria Gabriela Llansol traduzível?” juntou todos os participantes do encontro, mais os tradutores espanhóis Mercedes Cuesta e Mario Grande (tradutores para castelhano de O Livro das Comunidades) e Claire Williams (que está a ultimar a tradução para inglês). Depois de se discutirem diferentes excertos das primeiras páginas deste livro, e alguns conceitos que Llansol vai enunciando em toda a sua obra, concluiu-se que, para traduzir Llansol, é preciso chegar a um consenso entre intuição e exactidão.