O SOPRO DA CRIAÇÃO... E DA MORTE
A sessão de sábado, 20 de Setembro, trouxe ao Espaço Llansol uma artista singular – Juju Bento – que, com as suas duas últimas obras (que a seguir damos a ver), encetou um projecto de ligação ao universo de M. G. Llansol que a leva a partilhar o respirar do «Texto Vivo», nome do Prémio que ganhou no Festival FOLIO de 2024, no seu trabalho que se desenvolve entre Portugal, a Dinamarca e a Suécia. Apresentamos aqui os dois projectos realizados até hoje, que a artista comentou na sessão: «A Baía do Ar» (instalação em Óbidos) e «Sopra um modo de morrer», início de um projecto mais amplo, a partir do livro Amigo e Amiga. Curso de silêncio de 2004, em torno do luto, da transmutação da dor e da perda.
A história da instalação «A Baía do Ar» está documentada no caderno que fizemos para esta sessão, de cuja introdução transcrevemos parte do texto de João Barrento que dá conta das razões pelas quais o Júri atribuiu o Prémio a esta obra.
De facto, ambas as obras não se limitam a ser mera forma ou construção, linguística ou plástica/visual, mas algo de vivo, que respira; não um mero espaço (de leitura ou de fruição contemplativa), mas aquilo a que Llansol chama um Lugar: um envolvimento com uma atmosfera e uma vibração muito singulares, capazes de proporcionar a transformação de quem lê ou vê. O Texto vivo, a obra viva, é então aquele Lugar em que as palavras, ou os elementos que compõem uma instalação, respiram – porque sabemos desde os Gregos antigos que as palavras, as linhas, os volumes, respiram (ou não) numa atmosfera muito própria (e ainda Herberto Helder falava também do «ar em que respiram as palavras» da poesia). É isso que faz a diferença em alguns Textos/obras como os de Maria Gabriela, ou agora de Juju Bento.
É por aí que vai claramente este projecto «pneumatológico», como a artista também o designa, com um título – «A Baía do Ar» – que parte de um jogo de palavras de Maria Gabriela Llansol, no livro Lisboaleipzig-O Encontro Inesperado do Diverso, em que transforma o nome da última localidade onde viveu num exílio de vinte anos na Bélgica – Herbais –, que ela vê como uma cápsula de silêncio e de criatividade, em Air Baie: A Baía do Ar, na versão portuguesa da artista, que, com a imagem da baía, propõe precisamente a entrada num espaço interior mais amplo, onde «o belo comunica com o silêncio», como também queria Llansol.
Estamos perante um original projecto, em que se sente a possível «condição aérea» da existência, com esse envolvimento do silêncio (aqui sugerido por headphones que dão acesso a um mundo, não de ruído, mas de subtis sonoridades, ou do silêncio absoluto, ambos «falantes», como do silêncio da poesia diz o grande poeta Hölderlin, também ele figura dos livros de Llansol).
O Júri sentiu que a ideia de fundo e a sua transposição visual faz todo o sentido neste projecto, e tem uma ligação clara e pertinente com o «Texto vivo» da escritora. A artista leu (e apreendeu) muito bem a sua Llansol, formula as ideias do projecto sem perder de vista esta referência, e fá-lo também, na memória descritiva que apresentou, com uma capacidade de escrita invulgar hoje. E reflecte igualmente uma experiência, hoje cada vez mais rara, voltada para a interioridade, também ela marcadamente llansoliana. Como a escrevente diz, trata-se de «ouvir a minha própria respiração numa melodia privada e única». A artista ouviu essa melodia do silêncio, esperando também que quem olhe a sua obra a ouça.
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A nova instalação apresentada pela artista no Espaço Llansol – «Sopra um modo de morrer» – parte do livro de Llansol Amigo e Amiga e sugere o trabalho de luto feito pela autora ao longo desse livro da transmutação progressiva do negro do luto em tonalidades de azul que evoluem até à luz final. Deixamos a seguir algumas imagens da obra que pudemos ver no Espaço Llansol.