28.7.07


HISTÓRIA DE UM SÍMBOLO



Foi pouco depois da partida definitiva de alguém que era o centro de um grupo de legentes, grande inventor de formas de vida, como disse Llansol, e o legente por excelência do seu Texto. Eixo que sustentava o feixe de leitores, afim e diverso, que à sua volta se congregara e formava já um ser de pensamento e de afecto, múltiplo e de vários corpos. Uma inflorescência humana.
Num passeio ao Cabo da Roca com uma amiga brasileira, em finais de 2003, lá estava ela, sozinha, seca e confiante, no meio das ervas e dos chorões verde-pálidos e invernais. Abandonada, mas bela e inteira, respirando aquela aura de belo-mais-belo que envolve as coisas que esperam o olhar que as faça viver. Exemplar único, com a configuração de uma
flor umbelada.
Um olhar a descobriu, já no momento da retirada. Uma boca a nomeou e arvorou em símbolo: flor umbelada, emblema de um tronco de muitos ramos, todos igualmente importantes. E foi acolhida por um grupo que procurava entender o que significa ler o mundo e «evoluir para pobre», feito de matéria humana comum, como, afinal, comum era aquela flor que não identificámos logo. O tempo e os ventos ásperos haviam-lhe dado outro aspecto e consistência.


«Cravo romano» (armeria pseudoarmeria)

Só mais tarde, este ano, noutra visita ao mesmo lugar, lhe descobrimos o nome, o comum e o científico, a condição e as cores: é o «cravo romano», armeria pseudoarmeria, endémica na península de Lisboa. No seu novo estado de floração primaveril é uma inflorescência rasteira, corrente no litoral norte, planta humilde, mas que pode atingir o porte de um arbusto médio. De repente, começou a aparecer por todo o lado, modesta e exuberante, em gradações de cor que vão do branco ao verde-pálido e do rosa ao castanho claro.

A solitária

Colhemos mais algumas. Mas é a primeira, a solitária, achado fortuito em estado de beleza austera e forte, que nos acompanha até hoje em todos os eventos acontecidos desde 2004. Evoluiu, com o cão Jade, para ícone identificativo dos Cadernos Llansolianos, e acabaria por se transformar na estrela que guiará os destinos do Espaço Llansol. Sofreu alguma coisa com o tempo, algumas hastes perderam-se, mas continua aí, resistente, a precisar de mais cuidados, mas ainda e sempre emblemática.


Como o selo de reis e imperadores, tem uma guardiã, mas não é insígnia de poder. Assume-se como imagem de igualdade e despossessão, rosa sustentável de um projecto de escrita, de vida, de leitura: «a rosa da inflorescência – o que a faz rodar – é o elo da cura e da beleza» (Amigo e Amiga, 159). Rosa de um jardim que o pensamento permite. Flor pobre de um bosque que a despossessão habita. Bela flor umbelada.
J. B.