28.4.19

A «MAGNIFICAÇÃO DO FEMININO»
As beguinas na Casa de Julho e Agosto

A tarde de ontem no Espaço Llansol foi dedicada à «Magnificação do Feminino» (Finita, p. 193). De beguinas se falou, na história e nos livros de Maria Gabriela Llansol (que as vê como «as outras de mim mesma»), da sua piedade e das suas heresias, das suas muitas artes, todas presentes nos livros de Llansol, entre A Restante Vida (1983) e O Senhor de Herbais (2002): as do livro, da costura e do bordado, as da escrita e da leitura, as da horta e da cozinha, as da atenção ao outro e aos animais...
 
 
Estas figuras de movimentos femininos à margem do poder e da Igreja, mas não do mundo, são mulheres múltiplas, nómadas e transformadoras, de si próprias e sobretudo de figuras masculinas, que no universo de Llansol descem dos pedestais da glória para a condição simplesmente humana, ou natural, de seres da des-possessão (tal como faz essa contenporânea das beguinas históricas, a Beatrice da Vita Nuova de Dante, figura do amor completo também ela, contraposta à Meretrice, a Igreja como instituição). Movendo-se continuamente entre o Brabante, Lisboa, o Cabo Espichel e «as fontes do Tigre e do Eufrates», as Margaridas, Eleonoras, Úrsulas, Claras e Odílias dos primeiros livros chegarão, na Obra de Llansol e já neste século, nos anos de escrita de Parasceve. Puzzles e ironias, a um novo e inaudito beguinato, a «cidade-árvore» de Parasceve, implantada no lugar imaginário e imaginante do «Grande Maior», árvore interlocutora da Volta do Duche, em Sintra, lugar de todas as promessas para a mulher-narradora do livro, e morada das novas beguinas, agora designadas de «parascevianas». «Agora» – escreve a Maria Gabriela num caderno do ano 2000 –, «as beguinas, cobertas por um murmúrio de resposta, intitulam-se, no novo espaço abobadado aberto, parascevianas...»
João Barrento falou da história e do «engenho» destas mulheres singulares dos séculos XIII e XIV (Hadewiijch de Antuérpia, Marguerite Porete, Béatrice de Nazareth, Hildegarda de Bingen, Mechthilde de Magdeburgo e milhares de outras, anónimas), das suas ligações aos vários movimentos heréticos da Idade Média (os Fiéis do Amor, os Irmãos do Livre Espírito, as doutrinas joaquimitas, o franciscanismo herético, cátaros e Albigenses...). E passou mesmo por uma carta do nosso Manuel Severim de Faria, de 1637, em que se dá voz ao desejo de que tais mulheres descessem da Europa do Norte para se instalarem também neste nosso «Litoral do mundo», o que nunca aconteceu (a revelação deve-se à nossa amiga Isabel de Lima e Almeida, ilustre camonista da Faculdade de Letras de Lisboa).
E finalmente fomos dar às duas trilogias de Llansol, onde tantas dessas mulheres, agora com nome figural, têm lugar de destaque. Mostrámos dois videos que fizemos, como Daniel (Ribeiro Duarte) na Bélgica, no béguinage de Bruges e na tipografia de Plantin-Moretus, em Antuérpia. E a Maria Poppe leu alguns textos de M. G. Llansol sobre o tema, e poemas de Hadewijch em tradução portuguesa.
E a tarde acabou em grande festa de convívio na nossa sala da lareira.