5.11.18

NOS ESTUDOS GERAIS DAS ÁRVORES

Na tarde de sábado passado fomos aos «Estudos Gerais das Árvores», essa espécie de «escola livre» que Llansol frequentava em Sintra de cada vez que ia à Vila Velha pela Volta do Duche, ou deambulava pela Serra e pelo pinhal de Colares.

Nesta escola do verde (e de tantas outras cores que animam as árvores) ouvimos no sábado três mulheres que de árvores nos falaram, também elas em vários tons – o da arte que as representa, o do amor que as trata, o do saber que as observa, descreve e defende. E ainda ecoou, como sempre, a voz de Maria Gabriela Llansol, que se deu a ouvir no final, através da leitura de fragmentos seus sobre árvores, e sobre as suas árvores (as de Jodoigne e Herbais, as de Colares e Sintra, as de Lisboa...), feita por Maria Etelvina Santos e João Barrento a partir do caderno «A Escola das Árvores», que fizemos para esta ocasião.

As três mulheres que preencheram, com entusiasmo e entrega, a sessão de sábado na Casa de Julho e Agosto, foram
– A Natércia, que nos motivou a fazer esta sessão sobre árvores quando um dia, por sugestão de uma amiga comum (a Graça Batista, bibliotecária em Vila Velha de Ródão), nos veio mostrar algumas das suas extraordinárias obras sobre o tema – aguarelas, desenhos, gravuras, colagens que estão patentes nas salas do Espaço Llansol. A Natércia é uma artista autodidacta cuja vida e obra se confundem em grande parte com este ser arbóreo que ela representa de maneiras tão diversas como as que a sua exposição mostra.



– A Susana Neves, uma mulher dos sete ofícios – fotografia, pintura, escrita, jornalismo, investigação... – que às árvores dedicou anos do seu fazer, fotográfico, de estudo e de andanças pelo mundo, para que pudesse nascer o belo livro que nos levou a pensar imediatamente nela para nos vir falar de árvores: Histórias que Fugiram das Árvores - Um arboretum português (edição By the Book, 2012). É um livro que, no seu modo de tratar a árvore, combina de forma original o amor (ao objecto-árvore em si), o rigor (no tratamento das raízes e das características científicas de cada árvore) e o humor e o fulgor literário que consegue descobrir em cada árvore quando sobre ela escreve (nos títulos ou nas histórias que nos chegam de cada uma delas: o sobreiro, «a árvore que escreve», ou o llansoliano metrosideros, «a árvore que se ouve de longe», etc...).

João Barrento  | A sala  |  Susana Neves
 
Last not least, a Helena Alves, nossa incansável colaboradora e curadora atenta de árvores e plantas, nesta Casa de Julho e Agosto, no belo jardim da sua casa ou nos campos de Barrancos, e que desse mundo muito sabe, deixando-nos sempre espantados, pelo pouco que conhecemos da vida de seivas, troncos e folhas. A Helena conduziu a conversa com a Natércia e a Susana, sempre com Llansol em fundo e com grande sensibilidade e saber.

Helena Alves  |  Maria Etelvina Santos  | Natércia
 
E a abrir a sessão João Barrento evocou o género da árvore nas várias línguas, um substantivo que, curiosamente, só em português é feminino, e parece condizer perfeitamente com a «magnificação do feminino» (termo de Llansol em Finita) que esta sessão demonstrou. 


E falou ainda do lugar da árvore como voz dissonante, e até subversiva, em tempos sombrios como os que hoje novamente se perfilam no horizonte. Do lugar da árvore nas folhas dos livros de alguns poetas, e também de Llansol, quando nos vêm dizer que simples conversas sobre árvores voltaram a ser perigosas em tempos desvairados como o nosso, «tempos de trevas», como já Brecht dizia dos seus, alertando os vindouros:

            Aos que vão nascer

            ... Que tempos são estes, em que
            Uma conversa sobre árvores é quase um crime...
            Porque traz em si um silêncio
            Sobre tanta monstruosidade?

Ou também um outro, que veio depois e lhe presta homenagem, Paul Celan, o poeta do holocausto, que lembrava que é preciso trazer de novo as árvores para as conversas, para o debate de ideias, para que com elas e as suas folhas outras coisas possam ser ditas, que ultrapassem a conversa banal, a desconversa aparentemente sem consequências que hoje ocupa as vidas das pessoas – com consequências gravíssimas, como mostram os acontecimentos recentes em vários países da Europa e das Américas! Celan responde assim a Brecht:

            Uma folha, sem árvore,
            para Bertolt Brecht:

            Que tempos são estes
            em que uma conversa
            é quase um crime,
            porque contém
            tanta coisa dita?

E também Llansol recorre à árvore como arma pacífica, no contraponto exacto das outras, num mundo que as abate e as desconhece, enquanto para ela elas foram sempre quase um «destino» que a acompanha do princípio ao fim da sua escrita e da sua vida.