3.11.13

LLANSOL EDITADA
EM FRANÇA E NO BRASIL

Mais dois livros de Llansol acabam de sair dos prelos, um em França – o terceiro diário, escrito para e com Vergílio Ferreira, com o título Enquête aux quatre confidences, na editora Pagine d'arte, em tradução de Cristina Isabel de Melo –, o outro no Brasil, o premiado Um beijo dado mais tarde, agora com posfácio do ensaísta Jorge Fernandes da Silveira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na editora 7Letras, do Rio de Janeiro, onde deverão continuar a sair outros livros de M. G. Llansol.
A edição e tradução de Llansol não pára, de facto, desde que ela partiu em 2008. Como já destacámos a propósito das últimas Jornadas Llansolianas, onde estiveram presentes seis tradutores de vários países, entrámos há pouco tempo num novo ciclo de edição e divulgação, em que vão alternando momentos de revelação (de um espólio invulgar) e de expansão do seu texto nas mais desvairadas línguas e lugares.

Enquête aux quatre confidences (que será apresentado em Paris em 14 de Novembro), traz um prefácio de Carolina Leite, intitulado «Sob o olhar do funâmbulo - Audácia, singularidade, maravilhamento», e dedicado à memória de um dos mais entusiásticos legentes de Llansol, que nos deixou há pouco tempo, José Augusto Mourão. Aí podemos ler, numa conclusão explicativa do título, o que a seguir se traduz:
O funâmbulo, imagem poética do incerto, lembra o equilíbrio que incessantemente temos de inventar. Sem medo. A audácia e o gosto do risco são a base desse deslocamento que permite pôr em jogo aquilo a que chamamos identidade. Este Diário III convida, sob formas múltiplas, a esse exercício de abandono dos lugares-comuns, das verdades, dos consensos, à imagem da rapariga que sai do texto. Quatro confidências que anunciam uma conjectura, verdadeiro fio de sustentação deste Diário III e de toda a obra da escritora. Um itinerário em direcção às zonas de murmúrio do nosso desconhecido, não isento de desconforto. De passagem, deixa entrever imagens acentradas, linhas e figuras oblíquas, desequilíbrios imprevistos, quedas... desse fio que serve de fundamento ao olhar e ao espanto. E também ao maravilhamento. A única via possível para chegar à singularidade? Que sabemos nós disso? Certamente o caminho possível para «perserevar no seu ser», como diria Spinoza.


Um beijo dado mais tarde, uma edição adiada no Brasil desde o tempo de Llansol, surge finalmente, vinte e dois anos depois da edição portuguesa nas Edições Rolim, quando a Autora recebeu pela primeira vez o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores. Sobre este livro, tão llansoliano, escreve Jorge Fernandes da Silveira no seu texto posfacial, intitulado (a partir de Pessoa), «O beijo merecido da verdade», e dirigido ao público leitor do Brasil, num apelo informativo e inteligente à leitura de M. G. Llansol: 
À medida que avanço em considerações sobre um texto de Llansol, tenho de deixar claro que a sua leitura exige um «esforço ininterrupto de ler»; ler é um onde ir indo num curso que não tem fim, «ler, lendo» – e continuo a citá-la nas páginas do livro – «antes de ler, a ler, depois de ler, lembrando que estava a ler, lembrando a leitura, lembrando o pequeno tapete, ou quadro, em que pousamos os pés.» Ler é, pois, memória cultural em contínuo vaivém intra e intertextual. Visto que a leitura está em processo de conhecimento, a exigir a interação entre dois sujeitos de formação sociocultural – o escritor e o leitor –, ler é uma praxis revolucionária. Ler dá trabalho.
Insistir, no início, em certas questões de cultura do nosso tempo implica atenção a um duplo compromisso: primeiro, o de dar notícia de uma das obras mais surpreendentes da Literatura Portuguesa contemporânea a hipotéticos leitores brasileiros (sobretudo) de diferentes interesses e expectativas; e, segundo, o de atentar para a ideia particularmente llansoliana do conceito de textualidade. Particular porque está para além de noções um dia inovadoras como, por exemplo, poesia e prosa e prosa poética.
 
E ainda: 
«Os beijos merecidos da Verdade» é o último verso de «Horizonte», poema da Mensagem de Fernando Pessoa. O mais belo, a meu ver. Singular, no título do Posfácio a Um beijo dado mais tarde, menos que particularizar a história de uma edição adiada, mais subjetiva o que em mim excede o ensaísta e professor de Literatura Portuguesa: o desejo de que uma obra-prima da nossa língua seja objeto do prazer de ler de um número não finito de (para usar uma figura llansoliana) legentes.