24.11.11

OS DIAS DE NOVEMBRO
Nos oitenta anos de Maria Gabriela Llansol

Hoje «faria anos de viva...», como a avó Maria, também nascida em Novembro. Quase nunca escreveu nos cadernos no dia do seu nascimento para a vida, 24 desse mês. A não ser para os livros que iam nascendo, nascendo de si à distância de si. Mas no ano dos cinquenta anos, 1981, o caderno 1.11 dá-nos a ler, em «fins de Novembro», esta passagem que seria acolhida, com variantes, em Um Falcão no Punho:

A minha vida modificou-se, e o meu texto também. Creio que vou passar a escrever sem esmorecimento, do ponto de vista de Herbais. Há um segundo, um terceiro, um quarto, um quinto mundo, que poderá traduzir o mundo luzente, o mundo fulgurante, o mundo desconhecido, o mundo tenaz, o mundo tonitroante. Mas agora parece-me que deslizo para dentro do mundo mais simples, aquele em que eu própria me vejo como figura nesta época e, no entanto, como figurante. O tempo é o actual e a realidade não tem espessura, foi abandonada pelas cenas fulgor que eram o seu volume; esta é a vida quotidiana dos deuses, de quem falo com conhecimento de causa, sem já ter qualquer razão para abandoná-los. Ainda bem que ninguém me chama, me louva, corresponde ao desejo primário com que eu teria vivido, identificando-me a um pássaro de plumas. Neste aquário de silêncio, eu, tecido de peixe vermelho, sigo a corrente que me propõe mudar de quotidiano.

Morte, desolação dos homens, compaixão, parece-me que vejo continuamente a parte padecente do mundo, e um fio de alegria distante...  (Caderno 1.11, pp. 233-234, Novembro de 1981).

Herbais, anos 80


Neste ano em que se assinalam os seus oitenta anos recolhemos, como dádiva do dia para quem nos leia, uma outra página, mais tardia, de um dos dossiers dactiloscritos. Nela se concentra o que de essencial há na escrita e no pensamento de M. G. Llansol: o fulgor da Ideia, a serenidade da sensualidade e o esbater das fronteiras entre o sensível e o inteligível:

Se eu tivesse uma única expressão, com sentido perfeito, para dizer a H., dir-lhe-ia: traz-me apenas o pó dourado de tudo o que se concebe; e se eu tivesse apenas uma outra, sem precedentes, para dizer a A., dir-lhe-ia: a sensualidade a que aspiramos tem a sua parte de contemplação e de repouso; e se eu estivesse face ao homem, terceiro e último elo, e o mais forte, dir-lhe-ia: a sensibilidade não se pensa, embora faça parte do pensamento. (Dossier dactiloscrito nº 8, p. 812, 1988?).
E deixamos algumas imagens e sons que Llansol gostaria de ver e ouvir, uma vez mais: