17.8.10

«O MEU GUIA É O FALCOEIRO...»

A dada altura do longo período da génese dos dois volumes de Lisboaleipzig (publicado em 1994), corria o ano de 1987, Maria Gabriela Llansol começa a anotar num dos cadernos (o número 1.25) o resultado das suas pesquisas sobre falcões. O falcão, que já dera título ao primeiro dos Diários – Um Falcão no Punho, de 1985 –, sem que, no entanto, esta ave de reis aí desempenhasse algum papel particular, haveria de tornar-se figura de relevo em Lisboaleipzig:
– na figuração metafórica da relação entre escrevente e texto, entre o punho que lança o voo e o pulso de onde nasce a escrita: «Nevava em Lovaina, de encontro aos cafés que eu abrangia como comunidades de peregrinos, e suspeitei que um falcão voava para o meu trabalho — com uma aura de terra, e vindo de uma coutada. Não pousou no meu pulso, entrou no meu pulso. E são-me entregues os seus olhos redondos, duas vezes maiores, entre mim e a neve. Aossê
era a transparência excessiva que chegava finalmente...» (Lisboaleipzig 2, 101).
– e sobretudo na ligação explícita ao renascimento de F. Pessoa/Aossê, transmutado em matéria «bi-humana» e em «homem livre – o que nunca foi em vida». (Lisboaleipzig 2, 70), e ganhando novo corpo a partir do ovo de falcão que lhe é trazido por Elisabeth, filha de Bach, e que ele próprio choca:
«Aossê
nu
sobre o chão
chocava no calor do seu ventre
o ovo do falcão que a fêmea lhe trouxera.
Ninguém podia entrar
no quarto fechado do horizonte que continha o poeta, e que o ia guardar naquele primeiro momento da novíssima arquitectura.» (Lisboaleipzig 2, 122).
E naquele caderno preparatório, em 1987, lê-se já: «Voou o falcão, ou Aossê feito ave» (Cad. 1.25, p. 34).
Tendo em vista projectos que hão-de concretizar-se em 2011, fomos recentemente, alguns dos colaboradores do Espaço Llansol, filmar e fotografar na falcoaria da Coudelaria de Alter do Chão. Centrámo-nos em particular num falcão peregrino (falco peregrinus) e num falcão branco (falco rusticolus), também conhecido por «gerifalte» ou «falcão letrado» (devido ao padrão da suas penas). E percebemos melhor, no convívio com estas aves extraordinárias, de vontade forte e soberanas, o fascínio de Llansol por elas.
Na sua biblioteca encontram-se livros e algumas outras fontes de informação sobre falcões, nomeadamente a sua representação na arte. Algumas das suas anotações sobre o falcão em 1987, e imagens da nossa breve expedição, podem ver-se no documento que se segue.