SINTRA REVISITADA
O dia de ontem foi de regresso a Sintra, com a apresentação do livro de inéditos de Maria Garbriela Llansol Sintra, em Passo de Pensamento, numa edição da Feitoria dos Livros, chancela da Colares Editora, na colecção «Viagens e Literatura», que conta já com catorze títulos, entre outros de Eça de Queiroz, Stefan Zweig, Verlaine, Virginia Woolf, Rilke, Ramalho Ortigão ou Teixeira-Gomes.
A editora, Maria Rolim, levou-nos, depois de uma breve apresentação do tema e da colecção por João Barrento (que prefaciou o livro), por uma viagem no tempo, evocando com sensibilidade o percurso comum de editora e autora desde o regresso de Llansol da Bélgica e da edição do primeiro livro nas Edições Rolim, Um Falcão no Punho, em 1985, até aos dois volumes de Lisboaleipzig (1994), com que culminaria uma relação editorial e pessoal de dez anos. Entre as duas datas nasceram dez livros de M. G. Llansol e muitas traduções suas, para as colecções da Colares Editora. Maria Rolim lembrou ainda as primeiras traduções francesas de Llansol, na sequência do evento das «Belles Étrangères» em Paris (1988), em grande parte devidas ao empenho da editora portuguesa, na prestigiada Gallimard parisiense. E, last not least, relembrou as andanças comuns pelos lugares de Colares, Sintra, Azenhas-do-Mar (aqui, muitas vezes com Vergílio Ferreira), ou o Cabo da Roca, o Cabo Espichel (lugar central em Causa Amante), o Alentejo e Paris – o que daria matéria para mais um volume da colecção da Feitoria dos Livros!
O livro foi depois mais particularmente comentado por Maria Etelvina Santos, de cuja intervenção deixamos aqui duas passagens:
As três partes em que se subdivide o livro são viagens independentes que, no entanto, cruzam os seus caminhos. O texto inicial, o pórtico, abre para toda a Obra de
Llansol, enquanto nas outras duas partes, em
«Sintra, a Montanhesa» e na «Geografia de Colares», encontraremos o testemunho de
cada uma das paisagens recriadas e vividas por Llansol nesses lugares.
Colares é, sobretudo, o desenho dos caminhos percorridos a partir da casa – Toki Alai, o «refúgio» –, é a «serenidade» e «o espaço das ondas esculturais do silêncio» (p.72). É também as árvores, o chão de caruma e areia, o pinhal, as luzes acesas nos beirais das casas, à noite; é o lugar onde surgem, a espreitar a escrita, figuras como o poeta Hölderlin. Mas Colares é também o caminho para a Praia das Maçãs e o mar, a «profunda liberdade» que tudo isso inspira e, como diz Llansol, «a consolação de poder repetir tudo isso no dia seguinte» (p.74).
Se não foi fácil para Llansol abandonar essa «intensidade estimulante de Colares e do seu mundo» (p.80), a casa de Sintra, a velha Estalagem da Raposa, parecia empenhada em fazer esquecer aquele outro lugar de encruzilhadas. A partir de Abril de 1994, na primeira manhã em Sintra, Llansol anota: «Esta manhã – de movimentos quebrados – senti que podia entrar na profunda nostalgia de Toki Alai. (...) Ouço passar as caleches, mas o que me desperta desta modorra descritiva é o ruído das patas dos cavalos. Um animal passou, trouxe-me a alegria de um animal presente na rua – mesmo de passagem. (...) O meu quarto aqui está de azul (...). Sinto-me na casa de um Poeta – eu própria – que está a escrever fora de mim, de si». (13 de Abril 1994, Caderno 1.40). E a casa de Sintra foi a escolha certa. A partir dessa casa sucedem-se os encontros diários com a serra e com as árvores, como se fossem figuras ou «lugares de troca» (p.39).
Colares é, sobretudo, o desenho dos caminhos percorridos a partir da casa – Toki Alai, o «refúgio» –, é a «serenidade» e «o espaço das ondas esculturais do silêncio» (p.72). É também as árvores, o chão de caruma e areia, o pinhal, as luzes acesas nos beirais das casas, à noite; é o lugar onde surgem, a espreitar a escrita, figuras como o poeta Hölderlin. Mas Colares é também o caminho para a Praia das Maçãs e o mar, a «profunda liberdade» que tudo isso inspira e, como diz Llansol, «a consolação de poder repetir tudo isso no dia seguinte» (p.74).
Se não foi fácil para Llansol abandonar essa «intensidade estimulante de Colares e do seu mundo» (p.80), a casa de Sintra, a velha Estalagem da Raposa, parecia empenhada em fazer esquecer aquele outro lugar de encruzilhadas. A partir de Abril de 1994, na primeira manhã em Sintra, Llansol anota: «Esta manhã – de movimentos quebrados – senti que podia entrar na profunda nostalgia de Toki Alai. (...) Ouço passar as caleches, mas o que me desperta desta modorra descritiva é o ruído das patas dos cavalos. Um animal passou, trouxe-me a alegria de um animal presente na rua – mesmo de passagem. (...) O meu quarto aqui está de azul (...). Sinto-me na casa de um Poeta – eu própria – que está a escrever fora de mim, de si». (13 de Abril 1994, Caderno 1.40). E a casa de Sintra foi a escolha certa. A partir dessa casa sucedem-se os encontros diários com a serra e com as árvores, como se fossem figuras ou «lugares de troca» (p.39).
[...]
Como ontem ouvi dizer a
uma voz sábia, «em todos nós existe pó das estrelas». Ou, como leio hoje neste
livro, «qualquer paisagem são restos antigos» (p. 56). Num corpo que
escreve, como num corpo que lê, vibram muitas experiências de outros. Por isso,
como diz Llansol, «texto que não me faça vibrar não é escrita, não há nele
nenhuma companhia invisível que venha testemunhar que esse corpo existe. (...)
Mas por que será que somos tão poucos a concluir o evidente?»
A presença de Llansol veio, mais viva, no final da tarde, com a actriz Margarida Carpinteiro a emprestar a sua voz aos seus textos de Colares e Sintra, a que o video mostrado (e que se pode rever aqui) deu corpo de imagem e de som.
E do público chegou ainda outra voz – a de Adriana Jones, Presidente da Associação de Defesa do Património de Sintra –, que lembrou o papel decisivo de Maria Gabriela Llansol, da sua presença e da sua escrita, nas movimentações que em 2001 impediram a destruição dos «Estudos Gerais das Árvores», a Volta do Duche em Sintra, pelos poderes locais de então.