23.10.19

«O COMEÇO DE UM LIVRO...» GANHA VOZ E IMAGEM

Tivémos ontem uma manhã muito especial no Espaço Llansol. Um grupo de trinta alunas/os da Escola Superior de Teatro e Cinema veio conhecer melhor Maria Gabriela Llansol e o seu mundo, com duas professoras dessa Escola: a actriz Maria Duarte (grande incentivadora do «Projecto Teatral») e a escritora Patrícia Portela, que já esteve connosco antes, ambas leitoras de longa data da Obra de Llansol.

O pretexto e a motivação maiores da visita foram os do trabalho dos estudantes neste semestre, em torno de um dos livros desta nossa autora – O Começo de um Livro É Precioso –, a partir do qual trabalharão questões de dramatização de textos não dramáticos, de dicção e imagem. Por isso se falou muito dos modos de trazer à voz e dar a ver o texto de Maria Gabriela Llansol. 

Projecto singular, como singular é o percurso e a Obra destas duas professoras-criadoras. Comentámos o livro, a sua construção particular (um texto ou «estância» para cada dia do ano), a natureza única da forma dos fragmentos (poemas?); falámos do lugar do corpo e das afecções (com frequente recurso a Spinoza), da importância e dos sentidos da «imagem nua» nestes textos, de figuras recorrentes que conferem um discreto fio narrativo ao livro, do que significam os começos (que servem sempre só para continuar por caminhos imprevisíveis) e dos fins (que não há, nesta escrita da metamorfose), enfim, percebemos melhor como cada frase é aqui «uma base de meditação», cada estância traz uma situação, um pensamento, uma cena fulgor novos, e todo o livro é uma espécie de breviário aberto, sem lições nem moralidade...

De um dos cadernos de escrita do livro, em 2003

 Anotação no Bloco de notas B06

... Tudo gira à volta de «O Começo de um livro é precioso» e dos
casos perdidos na leitura... (Caderno 1.65, 26 de Janeiro de 2003)

O interesse – e o espanto – dos estudantes era evidente, a casa e o espólio de Llansol foram claramenre uma revelação, prometendo novas visitas.

14.10.19

«A COSTURA CULTURAL PORTUGUESA»
OU «O LITORAL DO MUNDO»


As XI Jornadas Llansolianas que neste fim-de-semana dedicámos à análise da «costura cultural portuguesa», deste «Litoral do mundo», tal como nos são dados a ver e a ler pelo crivo do olhar e pela mão de escrita de Maria Gabriela Llansol, trouxeram-nos fragmentos da narrativa de uma História (e das mais diversas estórias dentro dela) – história de um país, de uma cultura, de alguma da sua literatura – quase sempre lidas por Llansol «a contrapêlo». Ou também, como logo a abrir salientou António Guerreiro, em chave anti-épica e anti-heróica, em grandes visões alegóricas textualizadas, ou cosmogonias laicas, projecções desejantes e alternativas de outros mundos (em Llansol, os da «comunidade» e da «Restante Vida»). Neste território de uma História que sempre pretendeu «dar passos para a frente», a escrita de Maria Gabriela sobre ela prefere – e é esse o seu selo inconfundível – «dar passos para o lado». É o que acontece, entre outros, com o livro agora reeditado com inéditos, Da Sebe ao Ser, que constituiu uma referência central na intervenção de António Guerreiro sobre «Os potenciais da História».
 António Guerreiro
O espectro das intervenções cobriu depois o campo vasto desta matéria portuguesa na Obra de Llansol, com incursões pelos universos de figuras maiores dessa Obra, como D. Sebastião/Dom Arbusto (da qual se falou, apesar da ausência da nossa amiga Ilse Pollack, que por razões de força maior não pôde deslocar-se da Áustria até às margens de Tejo-rio); de Camões/Comuns/o Pobre, pela Profª Isabel de Lima e Almeida, que, com o seu profundo conhecimento do Camões histórico, seguiu atentamente as deambulações e metamorfoses de Luís M. e da sua Obra pelos livros de Llansol; ou de Pessoa-Aossê por Maria Etelvina Santos, que, no seu já longo périplo pelos trilhos de Aossê na escrita de M. G. Llansol, partiu da Gare do Oriente para explorar outros Orientes desse Oriente, não os caminhos pátrios da água, mas os do sonho criador que faz conhecer, os do dom poético como alquimia ou os de formas várias de paganismo, com um regresso (de ecos hölderlinianos) de deuses por vir, em Pessoa e Llansol, a partir da leitura paralela da nossa autora e do Pessoa da Mensagem e dos heterónimos (ou nem tanto!) António Mora, Bernardo Soares ou Alberto Caeiro.
 Isabel Almeida (com João Barrento)

 Maria Etelvina Santos (com Pedro Proença e J. Barrento)

Na mesma mesa, o artista-escritor e escritor-artista Pedro Proença (que expôs na sala dois desenhos de grande formato que, de forma explícita e com motivos subtilmente disseminados, desfiam mais uma narrativa sobre o tema destas Jornadas) ofereceu-nos um texto escrito numa voz con-sonante com a de Llansol, uma tecitura de imagens e motivos que evocavam «Paraísos resgatados», fábulas de corpos em relação sensualética de «amor ímpar», num gesto de leitura que é dádiva, entrega e eco irónico que faz soar, de perto e de longe, o que há de mais fundo no objecto de leitura – algo que só os grandes leitores, como Pedro Proença, sabem fazer.
 Pedro Proença

 Os desenhos de Pedro Proença

Depois entrámos, com as Profas. Paula Morão e Maria de Lourdes Soares (vinda do Rio de Janeiro), nas linhas cruzadas que ligaram Maria Gabriela Llansol a Vergílio Ferreira e a Jorge de Sena. No primeiro caso, por uma relação mais próxima, de criador com criador, entre escritores diferentes e afins, aproximando-se e divergindo em «encontros de confrontação» em que o espírito crítico e os afectos se confundiam. No caso de Sena, Maria de Lourdes Soares levou-nos por praças e jardins, autos-de-fé e terrenos de exílio, pelos cenários múltiplos em que Llansol põe em cena um Sena trans-figurado em Jorge Anés, o que lhe confere outra liberdade na relação com esse ícone maior do estrangeirado nunca reconciliado com este «reino da estupidez», permitindo-lhe outros voos para além da relação pessoal que neste caso nunca existiu.
 Maria de Lourdes Soares e Paula Morão (com Ma. Etelvina Santos)

E houve ainda lugar para a revelação de um núcleo desconhecido da escrita de Maria Gabriela Llansol, os seus primeiros contos, ainda inéditos (alguns deles agora disponíveis no caderno «O timbre da estrela» - Contos juvenis de Llansol), que João Barrento comentou sob o pano de fundo do Portugal salazarento dos anos quarenta e cinquenta, quando Llansol transforma já em escrita uma «vida contingente sem amplitude em que eu pudesse mover-me», com vista, já então, «a libertar na escrita seres perenes».
 João Barrento (com Ma. Etelvina Santos e António Guerreiro)

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  Os temas e as figuras das XI Jornadas Llansolianas

Da Sebe ao Ser, ou «O movimento do mar»

Os heróis apeados, e aparentemente pouco felizes, da História de Portugal
(Camões, Afonso de Albuquerque, Cabral, o Gama, D. Sebastião),
descobertos por Cristiana Vasconcelos Rodrigues no Jardim de
S. Pedro de Alcântara, em Lisboa, Outubro de 2019

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Como sempre, tivemos o comentário do livro das Jornadas anteriores – «Eu leio assim este Texto» - Escritores lêem Llansol –, numa original e atenta leitura de uma outra escritora, Paola d'Agostino (que recentemente traduziu para italiano a antologia de textos de Llansol All' ombra del chiaro di luna).
 
 
Paola d'Agostino (com Helena Vieira e J. Barrento)

E por fim, como também já vem acontecendo desde as nossas primeiras Jornadas em 2009, o momento final de leitura. Este ano com António Poppe, também poeta e artista, diseur singular que nos trouxe poemas de Camões e Pessoa ditos de cor (ou seja com a voz do coração), fragmentos de M. G. Llansol que espelham a sua visão deste país de portugal que escreve com minúscula «para não ter nunca de estar a braços com uma ideia preconcebida» dele; e por fim um dos contos juvenis: Rapariga Inquieta, a história da rapariga que «crescia naquele meio» (o do Portugal cinzento da «tristeza contentinha»), «mas sabia que não lhe pertencia».
 António Poppe diz Camões

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Estas XI Jornadas Llansolianas trouxeram ainda consigo, como sempre acontece, algumas novas publicações:
- Da Sebe ao Ser (Assírio & Alvim), há muito esgotado, e agora reeditado com um substancial anexo de inéditos relacionados com a escrita desse livro;
- «Eu leio assim este Texto»: Escritores lêem Llansol (Mariposa Azual/Epaço Llansol), o livro que documenta as X Jornadas, de 2018;
- Os cadernos com inéditos que ilustram o tema destas Jornadas: O Litoral do Mundo: O «caminho da água» e a matéria portuguesa na Obra de Llansol; e «O timbre da estrela»: Contos juvenis de Maria Gabriela Llansol.

E o público acorreu, e a sala animou-se...