9.12.24

 COMUNIDADES, FULGURAÇÕES E... «O ABSURDO»

Deixamos aqui o resumo da última sessão pública, centrada no livro que documenta o Colóquio evocativo dos sessenta anos do primeiro livro de Maria Gabriela Llansol, Os Pregos na Erva, organizado por um dos Centros da Faculdade de Letras de Lisboa, o CLEPUL. Com dois momentos distintos. No primeiro, a Profª Teresa Cadete apresentou o livro (Edições Colibri, 2024), comentando as múltiplas perspectivas de abordagem do Texto de Llansol que este volume documenta. Num segundo momento, e a propósito desse primeiro livro de contos, João Barrento revelou e comentou um texto ainda desconhecido do espólio, que constitui a versão original, em forma de «teatro radiofónico»,  de um dos contos de Os Pregos na Erva (versão lida no final da sessão por Diogo Dória, Anita Ribeiro e Eva Dória).


Da apresentação de Teresa Cadete destacamos:

==== Com prefácio de Patrícia Soares Martins e Golgona Anghel, este volume reúne as versões escritas de textos apresentados num colóquio realizado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e dedicado à obra de Maria Gabriela Llansol (doravante MG).
A mesma obra é assumida como enigma aberto. Daí que ao longo dos treze textos que compõem o livro (catorze com o prefácio), o leitor se depare com numerosas formulações que podem equivaler a interrogações e hipóteses, por assim dizer enquanto portas abertas ao sentido e aos sentidos, portas suscitadas por uma obra que inibe toda a escrita sobre ela, mas convida à leitura e à escrita com elaLogo na primeira página do prefácio, surge o que pode ser lido como dúvida acerca de uma alegada “paralisia de acção” (p. 7), manifestada na obra de MG desde o estranhamento causado no meio literário dos anos 1960 pelo livro de contos Os Pregos na Erva. Mas será “paralisia” a recusa de linearidade narrativa, recusa talvez como prenúncio de uma fragmentação que se veio depois acentuando ao longo da sua obra e que poderá (deverá? terá de?) ser lida como rejeição da invasividade de todos os paradigmas de progresso? E as questões não ficam por aqui: será a “sobreimpressão” llansoliana uma forma de “auto-referencialidade” (8), como afirmam as autoras, ou antes – e de certo modo em sentido inverso - de abertura a um leque de horizontes? Haverá uma “ausência de referências culturais” (9) ou estarão estas apenas encriptadas? Terá a leitura de “construir o sentido de imagem em imagem” (9)? Penso que pelo menos esta última questão poderá ser respondida afirmativamente sem hesitações. 
Em “’O poder absoluto  de estar só’. Paradoxos criativos nas comunidades llansolianas”, João Barrento realça o sentido político da oposição llansoliana entre os poderes do Livro e o poder dos Príncipes, o que permite entender as motivações subjacentes a comunidades sem hierarquia mas com coordenação (15). Essa “dialéctica de uma incompletude completa”, composta por figuras que bem conhecem e amorosamente cultivam o “mistério da solidão” (16), segue um traçar a que poderíamos chamar antropológico de uma cultura que rejeita o tribalismo comunitário, fazendo-o porventura numa dupla herança judaico-cristã e clássica promotora da individuação, nunca nomeada mas sempre presente. A História incumprida fantasmagoriza-se na escrita de MG e talvez possamos ler as suas formas de fulgorização, ucronia, inconforto (18), em constante vibração e metamorfose (19) como nostalgia de algo que parece não querer ver-se cumprido, apenas registado em escrita. Os textos de MG remetem-nos assim para uma herança de singularidade, culturalmente acentuada desde o dealbar da Idade Moderna e que talvez não tenha sido seguida como merece na acutilância crítica deixada entrever por aquela “comunidade visionária, discreta, itinerante” (21), com que MG desafia o leitor a seguir os seus fios. 
Com “Llansol: uma poética da experiência sensível”, Maria Etelvina Santos chama a atenção para os caminhos da escrita abertos pela experiência do exílio (24), como vias  de acesso a numerosas espécies. Podemos assim ler o desfazer da cápsula do antropocentrismo enquanto substituição do “sempre-drama”, preso nas alturas do olhar humano, por um difuso “drama-poesia”, enquanto “sistema conceptual metafórico” uma vez que cada conceito teria um “percurso nómada e transformável” (25). Tal des-hierarquização é radical mas não isenta de compromisso, nomeadamente no seu “contrato com o Vivo” (28), que retoma os caminhos de leitura numa “gramática do sensível” (29), presente também no minucioso trabalho com o arquivo de MG e na preservação de um espólio de mais de 30 000 páginas (29). 
Para Amândio Reis, Os Pregos na Erva teriam por assim dizer uma espécie de efeito de ricochete, na medida em que essa prosa poderia ter sido entendida como irreal no seu tempo, porém como “demasiado realista” (41) à luz da obra posterior. 
Em “Uma dança sem par”, Golgona Anghel explora uma escrita desregulada, tanto face ao que se lhe aproxima como ao que dela se dissocia, deixando entrever como o mundo é “matéria de puras passagens” (51). Tudo isto resultaria em formas de “coreografia de signos e sentidos” (53), por assim dizer em constante tensão (des)orbitante, devido à pluralidade de estratégias de organização e disposição da matéria textual por MG. 
Com efeito, MG incita a pensar para além dos registos do provável. É o que faz Francisco Fino em “Diálogos (Im)prováveis entre Maria Gabriela Llansol e Daniel Faria”, imaginando os fios através dos quais ambos os autores poderiam comunicar na vasta “geografia dos mundos” (72). Se para Daniel Faria “cada um é um lugar para os outros” (65), MG parece ecoar os apelos do poeta em Ardente Texto Joshua (p. 73), mesmo quando afirma que “a dor e o medo não vêm de estarmos sós mas de não haver texto”. 
Em “Tempo histórico e tempo pessoal: uma grandiosa condensação”, António Guerreiro resgata os escritores tidos por “imperdoáveis”. Estes, mantendo-se “estranhos ao contexto” (75), acolhem no tempo da vida o tempo do mundo, para logo dele se libertarem no espaço. Daí que os seus textos instituam “uma regra de simultaneidade” (76). Serão por isso os textos de MG isentos de historicidade? Para António Guerreiro, tal historicidade surge através de “constelações” (76), o que permite elevar a História a uma “potência ficcional” (76). Mas é a ficção que permite à História fulgorizar-se como soma de acontecimentos e actores, sem o espartilho da cronologia (77). Por esse motivo, os livros de MG são para A. Guerreiro “metonímias da História” (78) que vivem em permanente condição de expatriamento (78). Para os ler, talvez seja necessário seguir a indicação benjaminiana de “escovar a História a contrapêlo” (79) e criar aquilo a que Hans Blumenberg chamou de “campos originários” (Urfelder), para onde convergem experiência, nomeação, predicação e teoria (H. Blumenberg, Lebenszeit und Weltzeit, Frankfurt am Main: Suhrkamp 1986, p. 12). 
Esse tempo pessoal adquire uma vida inusitada, porque pouco conhecida, no texto “Enigma e saber – uma pedagogia do indeterminado” de Rita Anuar, que se debruça sobre a criação e a prática de uma escola em Lovaina, a partir de 1975 como Cooperativa de Produção e Ensino.  Nela, MG teve um papel pioneiro, com Augusto Joaquim. Aí onde “o jogo estava aberto a todas as possibilidades” (82), o saber era “vivido e experimentado, não sendo adquirido” (83). Nela predominavam actividades que para além de ler, escrever e contar ensinavam a habitar o mundo (83), uma vez que tão pouco se descuravam os afectos, esses “lugares mais humildes do que o poder” (84). Seria aliás num jogo de repetição, porém de modo livre e fora do tempo, que o impulso vital reencontraria o princípio do prazer para avançar (85). O exercício da cópia surge assim não como uma imposição enfadonha mas como uma forma de “abertura e conhecimento dinâmico”, deixando espaços em aberto (87). Desse modo, “a conversão de uma letra em imagem passa pelo artesanato implicado nas mãos do que escreve, e [pela] letra tornada artefacto, qualquer coisa única e irrepetível”, ou seja, “experimentada” (89) – com intersecções entre desenho e escrita (91) e com isso estimulando “sem restrição” o exercício da escrita e da leitura (92). Daí resultaria “um mapa experimentado a céu aberto, sem fronteiras” (92) e por aí se atingiria “um saber” contendo em si “uma centelha de ‘não imaginado’”, para assim conviver com o enigma (93). 
Com uma misteriosa relação especular com o texto anterior, as considerações de Maria Brás Ferreira concentram-se nos primórdios da escrita de MG: “Apontamentos para uma sementeira – das redacções escolares de Gabi”. A autora destaca três termos julgados fundamentais, de certo modo como grelha de leitura: o móbil agitador da vida psicológica, a devolução de emoções, ideias e factos e um trabalho constante (95). Daí resulta uma tendência de exteriorização, corporizada na questão “Quem me chama?” em lugar do solipsista “Quem sou?”, como lemos em Um Falcão no Punho (96). As redacções analisadas concentram-se assim sobre um “rosto de infância” aberto às metamorfoses entre figuras, e aberto também a momentos que deixam entrever a sua irreversibilidade, com a subsequente permeabilidade a todos os riscos, sendo porventura o risco maior a “impostura da língua” (104). A metamorfose prolonga assim todos os começos, inclusive o da escrita, que também evidencia a sua mudança de pele, com que “o texto se vai fazendo e refazendo” (105). 
Em “Comunidades llansolianas”, Simone Zanon Moschen recorda um estado que perdura, quase cinquenta anos depois de Finita: “Por enquanto estamos soltos mas ainda não livres. As instituições, as categorias, os poderes, o saber e a ignorância epidémicos continuam a mediatizar as relações entre as pessoas; não há qualquer sinal de criação de ecossistemas” (texto de 26.8.1975: Finita, Edições Rolim 1987, p. 52-3). Como já tínhamos visto anteriormente com João Barrento, o impulso da comunidade llansoliana implica não submissão, mas travessia voluntária, “do sucessivo ao simultâneo” (114). Por assim dizer, são comunidades que se tecem na textualidade, articulando na mesma “uma colecção de lugares dispostos num espaço textual que abdica do centro ou de hierarquias definidas” (119). Nelas pode o vivo pulsar “sua força sexual” (121). 
Sem pretender “explicar Llansol” (123), Silvina Rodrigues Lopes revela saber que tal se trataria de qualquer modo de uma missão impossível. Através do seu texto “O gesto pensativo”, entendemos a leitura como “um instante de um passeio em que se pensa com outros respondendo por si” (123). As suas reflexões são suscitadas por um livrinho a que nem sempre se dá atenção, O Raio Sobre o Lápis, com uma primeira edição em 1991 (no âmbito da Europália) e uma segunda de 2004 . Escreve Silvina Rodrigues Lopes, sempre interrogando-se: “Pode dizer-se que há um drama dito, redito e não dito, que é a impossibilidade de viver ingenuamente num mundo que se deseja cheio de deuses, mas cuja ausência Hölderlin viu ser sem remédio” (126). Trata-se por isso de uma confissão? Não sabemos ao certo. Continua Silvina Rodrigues Lopes: “Escrever em eco é escrever sobre (no sentido de vir depois e sobrepor-se) a ruína do gesto de escrever” (127). Assim como os desenhos de Julião Sarmento, que também podem ser lidos como fulgor ou como ofuscação (131), toda a leitura principia por ser “leitura do mundo” (134). A proposta de Silvina Rodriques Lopes vem acrescentar, à leitura e escrita com MG, possibilidades de leitura em torno da mesma. Assim, “aquilo que está em causa é o testemunho de uma ligação única aos outros habitantes do mundo e às coisas observadas, que, como tal, se não inclui em nenhuma generalidade, é isso que é feito na escrita de Llansol e faz com que cada livro seu seja não finito” (138). Uma incitação, portanto, à cultura de uma dúvida jubilosa. 
Na secção “Outros Contributos”, temos neste livro dois textos e um poema. 
Em “Llansol: uma poética do fulgor”, Elisabete Marques recorda a feliz expressão acerca da força da “escrita orgânica”, como a escrita do ”mundo vivo e vivificado”, como exercício de procura de fulguração, vibração e intensidade (145). Isto porque segundo esta autora, existe uma compreensão (partilhada por MG e seus legentes) de que “o mundo que nos rodeia é fundamentalmente heterogéneo, desconhecido, inapropriável” (146), porém abordável se for evocada a relação aristoteliana entre “alma, vitalidade e transmutação” (148). 
Fernando Guerreiro concentra-se na “Imagem de um texto”, em torno da capa de Ardente Texto Joshua (1998). Esse quadro, “A infância” de Jean-Baptiste Greuze, abre uma tensão entre imagem e textualidade, que porventura teria um ponto culminante na cena do “garoto do Porto” do texto de MG, garoto esse cuja marginalidade o torna indiferente às debilidades de uma classe capaz não só de satisfazer, mas igualmente de vomitar, os seus desejos materiais (Ardente Texto Joshua, Lisboa: Relógio d’Água 1998, pp 39-44). O texto de MG teria assim uma dimensão “transmorfa e meta-orgânica”, espalhando-se num “sentido-rizoma de ‘vegetalização’” (153), por aí dissolvente, a par da narrativa sequencial, também  de toda a visão antropocêntrica. 
Do poema de Regina Guimarães (“Haters Will hate dizem que ao que dizem”), incluído no final do volume, transcrevemos as linhas seguintes: “sabendo umas poucas migalhas do que tu sabias / umas quantas que guardavas para todos e não só / para ti / semeei-as no caminho para aqui / sempre que um certo dali para um incerto aqui / me desnudou de todos os lugares / excepto os de vontade e vocação” (158). 
Em conclusão: sendo este livro um lugar para habitar, um companheiro na leitura sempre inquieta de MG, é a ela que gostaria de dar a palavra final no seu último livro publicado em vida: “A escriturária anotou que os cantores de leitura eram também caçadores de leituras implacáveis” (Os Cantores de Leitura, Lisboa: Assírio & Alvim 2007, p. 270). =====


Regressamos aos anos de Os Pregos na Erva, que a habitual exposição sobre o tema documentou com diversas peças do espólio, a partir de algumas das observações de João Barrento, que enquadram os contos desse primeiro livro, em particular um deles – «A pedra que não caiu», o único publicado num jornal de referência, A Capital –, com a sua génese num esboço dramático de M. G. Llansol que poderia ser visto como um ensaio de escrita de «teatro do absurdo».



1. Depois da apresentação do livro, e para relembrar a motivação original do Colóquio de há dois anos, completaremos a sessão com uma evocação desse primeiro livro, bastante mais esquecido do que todos os que se seguiram ao «livro-fonte», como Lansol a certa altura designará O Livro das Comunidades 

Há, no livro que foi apresentado, duas intervenções que recuam explicitamente até esses anos de Os Pregos na Erva, e mesmo aos primórdios absolutos da escrita, então ainda mais convencionalmente «ficcional», de Maria Gabriela: o de Amândio Reis, que se ocupa especificamente de Os Pregos na Erva, que refere como «um livro que tem sido pouco lido e ainda menos discutido criticamente» (p. 34). Esta intervenção destaca a originalidade dos primeiros contos, do ponto de vista genológico (o que é ou não é um «conto»), da recepção crítica e da sua inserção num tempo histórico e social, que nos permite falar já de «comunidade» a propósito destes contos: a comunidade, ainda désoeuvrée (i. é, não estruturada), mas inavouable (inevitável e inconfessável) nesses tempos, que é a das figuras dominantes: pobres, sem voz, das margens, desajustadas do mundo. E há ainda, recuando até à «cena primitiva» da escrita da «Gabi», o texto de Maria Brás Ferreira sobre as primeiras redacções escolares, de que já falámos aqui com a autora, ao comentar esses primeiros ensaios de escrita narrativa. Algumas dessas primeiras redacções – que de facto já são «contos» – figuram num dos nossos últimos livros (M. G. Llansol, «O Timbre da Estrela». Contos juvenis, 1942-1957), onde reunimos redacções e contos anteriores a Os Pregos na Erva, em que já se anunciam muitos dos «pregos» espalhados pelos poderes sobre a «erva« do acto libertador da escrita e de possíveis vidas-outras.

Nos cadernos e textos dactiloscritos hoje expostos Llansol explicita bem o sentido  dos «Pregos na Erva», ao responder a perguntas de uma jornalista sobre esses primeiros contos. Ficam aqui dois desses excertos dos cadernos manuscritos:




2) Pensei que faria então sentido evocar Os Pregos na Erva propriamente ditos, dando a conhecer materiais do espólio directamente ligados a esse primeiro livro meio esquecido: referências elucidativas nos cadernos e dossiers de escrita, ecos da imprensa da época (que foram bastantes, dos mais significativos jornais de Lisboa à imprensa de província: Jornal do Fundãodo Ribatejo...), de várias antologias com contos desse livro, cá e no Brasil, de traduções de alguns desses primeiros contos, etc.). Tudo isto esteve presente na habitual exposição sobre o tema:



E ainda o revelador, e desconhecido, original de um dos contos, «A pedra que não caiu». Acontece que esse original não é um conto, mas uma breve peça de «teatro radiofónico», de 1959, que, para além de revelar o conhecimento, e a prática de difusão, de uma forma então ainda muito em voga (desde os começos, nos anos vinte alemães!), o teatro radiofónico, me pareceu também interessante dar a conhecer, como eco, em Llansol, de uma tendência teatral que nos anos 50 começava a dar os primeiros passos: o chamado «teatro do absurdo». E o conto depois incluído em Os Pregos na Erva tem, nesta versão dramática, precisamente o título «O Absurdo». Lembro-me de, no mesmo ano de 1959, ter assistido a uma representação da peça que deverá ter sido a entrada do teatro do absurdo em Portugal: À Espera de Godot, de Samuel Beckett, com uma encenação histórica de «Ribeirinho» (Francisco Lopes Ribeiro) no Teatro da Trindade (por acaso, ou não, um teatro frequentado por Maria Gabriela: vd. Diário de 1959, 23 de Dezembro).

Penso que será uma revelação para todos, este breve texto teatral da Maria Gabriela, que depois não voltou a este género. Sabemos, no entanto, pelos primeiros diários destes anos (1959-1961), que ela lia e via também muito teatro – Lorca, Tenesse Williams, Arthur Miller, Sartre, Eugene O'Neill... –, embora não mencione Beckett ou Ionesco (provavelmente porque não estavam ainda muito presentes cá).

 

3. Ouviremos, a finalizar, a leitura deste caso de «teatro radiofónico».

Antes da leitura situarei um pouco melhor, para vossa orientação, o assunto deste ensaio dramático.

A peça expõe o absurdo da existência, agora não só, como nos contos, centrado em personagens isoladas (ou de «classe», em tempos de chumbo), mas com um sentido mais universal, «de qualquer um», da condição humana em geral, como em Beckett ou Ionesco. A indicação cénica que abre o texto é clara sobre isto: a acção situa-se «Em qualquer parte onde possa acontecer, num mundo pelo menos temporalmente próximo». O sentido da peça é já existencial, não social (isto é claro sobretudo na personagem Inês).

Trata-se de duas irmãs (na peça Inês e Joana, no conto Inês e Cristina) que herdam a casa e a quinta dos pais, e se sentem perdidas nas suas vidas, tal como a terceira personagem, o prisioneiro de guerra que se evade do Campo próximo.

O título posterior do conto – «A pedra que não caiu» – fica claro já nesta primeira versão: as pedras não «caem» propriamente, quem cai – no absurdo da existência sem horizontes – somos nós: vd. o final, e a insistência na «casa vazia», que afinal está cheia, contradição absurda como a de um Godot que não virá, ou da mulher, Winnie, enterrada até ao pescoço na sua própria casa, na peça Happy Days / Ah, les beaux jours / Dias Felizes, de Beckett.

Ouvimos a certa altura uma das mulheres dizer: «Tanto existir inerte!» – isto, numa quinta activa, em vésperas da vindima, e numa casa cheia de tudo. O estar ali (ou no Campo de Prisioneiros – de que guerra, perguntamo-nos, em 1959?) é o puro não-sentido de existir – ou a incapacidade de encontrar um sentido, sempre numa situação de espera, da existência como prisão, com medo da «coleira de arame farpado» que é tanto a do Campo de Prisioneiros como a da simbólica «casa vazia».

Inês coloca a certa altura a questão de fundo: «Por que vivemos nós nesta casa [aquela e a do mundo?], aqui e neste tempo?». 

Um tempo que é um eterno presente em que nada de novo acontece, como sugere. Mais tarde, haverá sempre outros ecos disto em M. G. Llansol: «Nada ainda modificou o mundo», «Concebe um mundo humano que aqui viva, nestas paragens onde não há raízes», etc. Mas também o propósito de superar essa condição do absurdo, porque «Existe o mundo e a Restante Vida». Mas para estas personagens não existe (ainda) «restante vida»...

27.11.24

 CAUSA AMANTE NO BRASIL


Acaba de sair na editora 7Letras, do Rio de Janeiro, a edição brasileira de Causa Amante, acompanhada do posfácio de Augusto Joaquim à 2ª edição portuguesa e de um texto de Maria Alzira Seixo publicado na revista Colóquio-Letras após a saída da primeira edição.

24.11.24

NOS 93 ANOS DE MARIA GABRIELA LLANSOL


 

17.11.24

LLANSOL : COMUNIDADES E FULGURAÇÕES

No próximo dia 7 de Dezembro, pelas 16 horas, faremos no Espaço Llansol a apresentação do livro Comunidades e Fulgurações na Obra de Maria Gabriela Llansol (Edições Colibri, organização de Patrícia Soares Martins e Golgona Anghel), que reune as intervenções do Colóquio que teve lugar na Faculdade de Letras de Lisboa em Novembro de 2022, a pretexto dos sessenta anos do primeiro livro de Llansol, Os Pregos na Erva. Os contributos são muito variados, como se pode ver pelo Índice reproduzido a seguir.

A Profª Teresa Cadete, escritora e professora jubilada da Faculdade de Letras, apresenta o livro, e aproveitamos a oportunidade para evocar ainda Os Pregos na Erva, um livro fundador mas menos presente quando se fala da Autora, com uma exposição de materiais do espólio relacionados com a sua primeira edição em 1962: cadernos de escrita, jornais, entrevistas, edições e traduções, fotografias da época.

A exposição e o livro serão enquadrados e comentados por João Barrento, e ouviremos ainda ler um breve conto – «A pedra que não caiu» – que tem a sua primeira versão num esboço teatral inédito de Maria Gabriela Llansol intitulado O Absurdo, de 1959.

O novo livro das Edições Colibri estará à venda neste dia no Espaço Llansol.

31.10.24

NOVO CURSO «LER O MUNDO COM LLANSOL»

A partir do próximo dia 9 de Novembro, e até Junho de 2025, a Profª Maria Etelvina Santos orienta mais um curso sobre a Obra de Maria Gabriela Llansol, desta vez centrado no livro Na Casa de Julho e Agosto, o terceiro da primeira trilogia, «Geografia de Rebeldes». O Curso é grátis e funcionará em dois sábados de cada mês, entre as 15h e as 18h.

30.10.24

XV JORNADAS LLANSOLIANAS

PAISAGENS DO MUNDO E DA ESCRITA


A reflexão sobre «Os rostos da paisagem« na escrita, no quotidiano, na imaginação de Maria Gabriela Llansol cobriu nestas Jornadas um leque amplo, com intervenções que procuraram, tanto reconstituir algo que se poderia designar de organon da paisagem neste universo, como articular as suas visões da matéria com a tradição filosófica ou artística, cruzar o motivo do olhar, central para o diálogo com a paisagem, com a reconstituição poética de experiências pessoais, ou ainda ler a problemátiuca da paisagem em Llansol à luz da situação do mundo contemporâneo, com todas as implicações políticas que isso contém.




João Barrento abriu as Jornadas falando da paisagem como espelho do humano em Llansol, partindo da frase: «Se eu conseguir colocar o Texto em consonância, o melhor do humano é-me devolvido pela paisagem» (Lisboaleipzig). A partir desta epígrafe programática, sugeriu uma interacção essencial para a compreensão da noção de paisagem em Maria Gabriela Llansol: entre o Texto (na sua capacidade visionária e transformadora), o que há de mais humano no humano (a predisposição para ver o mundo e elevá-lo a uma potência superior), e a paisagem como agente activo do auto-conhecimento e da transformação da «espécie», detentora de um «sexo» próprio, o «terceiro» (mas não o neutro), a energeia ou vibração que confere a cada um dos seus «rostos» uma alma própria onde habita o silêncio. A partir daqui, a reflexão orientou-se no sentido da possível reconstituição de uma espécie de catálogo dos rostos da paisagem em Llansol, com os mais diversos perfis e referências que remetem para um núcleo estável, algo assim como o arquétipo da paisagem nos textos da autora, com o olhar no centro de uma relação do Eu com um fragmento de natureza que responde a esse olhar (contrariamente à indiferença da natureza, ou à relação de cobiça e interesse com o que no seu Texto dá pelo nome de «território»): «O olhar transmite a paisagem – e liberta-a».

A escritora Julieta Monginho construiu o seu texto – uma abordagem de escritora, entre o reflexivo e o narrativo, o imagético e o poético – com base nos motivos do olhar e da troca, evocando (a partir de uma frase do livro Parasceve: «sobre esse rosto se há-de debruçar uma pessoa amada») rostos da paisagem que vão emergindo de um fio de situações e imagens que partem da experiência pessoal da «paisagem» de um bebé e a mãe, com remissões pertinentes para os textos de M. G. Llansol. Os dois planos interpenetram-se, constituindo um «ambo», e as paisagens que vão surgindo da narrativa nascem desse olhar que vê «o Aberto» na sua forma mais original e mais pura. Como em Llansol, as paisagens vão sendo, também em mais esta obra de Julieta Monginho, libertas de convenções e de definições mais expectáveis.

A professora de Filosofia Isabel Santiago começou por resumir o sentido geral da sua intervenção através de algumas questões a que depois foi dando resposta: «O que pode haver numa obra literária que dela também faça emergir a pergunta o que é a paisagem? O que pode haver num acervo de textos como os de Maria Gabriela Llansol que nos leve a afirmar que há rostos da paisagem? Uma obra literária que nos faz formular questões desta natureza é também obra filosófica, é também uma ontologia, uma ética e uma estética... «Considerando que em toda a obra de M. G. Llansol há um hibridismo evidente entre literatura e filosofia, aproveitando a sua especial afeição por Espinosa, decidi assumir como ponto de partida um cuidado mais analítico para a compreensão dos termos que nos permitem fazer um excurso que nos conduz à paisagem e à resposta à pergunta que guia estas Jornadas». Uma paisagem que só se vê de olhos fechados e sem luz, numa cegueira de revelação, ou quando os sentidos se fundem e se envolvem para ver, numa abundância de visão, o visto.

Teresa Cadete (a professora, ou Teresa Salema, a escritora) parte da ideia da História como uma série de estratos – no jogo de palavras alemãs que usou, entre Geschichte (a História) e Schichten (estratos) – para entrar no tema das Jornadas vendo a noção llansoliana de Paisagem, sem qualquer espécie de encenação, como antídoto do sempre igual da História. Propõe assim, como diz o título da sua intervenção («Il faut cultiver notre paysage – Resgatando o espírito crítico com Maria Gabriela») – uma leitura claramente política do tema. Maria Gabriela evoca as paisagens com a consciência de que nelas o Texto pulsa e respira enquanto extensão, o que implica que as suas paisagens raramente deixam de ser paisagens disruptivas. É mais um sinal daqueles «factores profundos de ruptura e fragmentação  de que Maria Gabriela foi uma sublime sismógrafa», e que nesta intervenção foram comentados sobretudo a partir da primeira trilogia, «Geografia de Rebeldes», onde as visões da contra-História proposta são sobretudo «lugares de vida».

Teresa Huertas (fotógrafa) e Teresa Mendes Flores (Investigadora da história da fotografia) trouxeram-nos contributos específicos dos seus respectivos domínios de actividade, que no entanto revelaram surpreendentes paralelos com a visão e a vivência da «paisagem» em Llansol.

Teresa Mendes Flores falou das noções, essenciais em Llansol, de «Paisagem», «território» e «Natureza», do ponto de vista próprio da fotografia, e colocando e comentando uma série de questões que a fotografia sugere desde as suas origens. Como pode a fotografia ser uma prática de paisagem? E que prática: contemplativa ou «territorial»? A que tipo de representações chamamos paisagem? Como é que a fotografia trabalha esta tradição paisagística e poética? Será a paisagem um género apenas do espaço ou também do tempo, da duração? Serão todas as fotografias, potencialmente, paisagens?

E trouxe um exemplo que mostra claramente como uma «paisagem», diria também Llansol, pensando nos modos de a olhar, se transforma em «território». Trata-se de um conjunto de fotografias pouco conhecidas, atribuídas a Gago Coutinho e produzidas no contexto das missões de delimitação de fronteiras coloniais no início do século XX, neste caso em Moçambique. Foram fotografias activas na construção de um imaginário territorial e colonial, no sentido da apropriação e do poder, com as suas implicações paisagísticas. O que leva à questão final: Será que podemos despolitizar uma paisagem?

Mostramos a seguir algumas das fotografias dessa sequência de várias centenas, apresentadas em Power Point.

Por seu lado, a fotógrafa Teresa Huertas (que já esteve no Espaço Llansol em Janeiro de 2013 apresentando as suas fotografias de paisagens da Islândia, reunidas na exposição «Lava Walks»), mostrou-nos desta vez a versão em video de sequências fotográficas de uma paisagem única, e sempre em transformação, de montanha e nuvens (que recebeu o Prémio da Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira em 2020). Intitulou-a Atmós [passagens # 1], e explica que se trata de um trabalho fotográfico que utiliza a paisagem natural como referente para questionar a percepção e a sua relação com a duração. Sem se «inspirar» directamente na Obra de Llansol, a convergência é evidente. Trata-se da construção da «experiência de um lugar que enfatiza a duração lenta como simulacro da temporalidade da natureza e sobretudo como estratégia perceptiva». Como em Llansol, pretende-se evocar a relação entre natureza e paisagem, lugar e experiência, através de uma «estética do lento» que evidencie o tempo como fluxo, num «manifesto de resistência à cultura visual da aceleração e da hiper-estimulação». A versão em video (de que mostramos três imagens) corresponde ao que a autora designa de «encontro sensível» entre o que vemos e o que nos olha. Estamos no âmago da ideia de «paisagem» em Llansol.

Três stills da sequência Atmós

Projectámos e comentámos ainda dois videos feitos a partir de Textos de Maria Gabriela Llansol, e já mostrados em momentos anteriores: Presença, de Regina Guimarães (feito, a partir de O Senhor de Herbais, para o «2º Colóquio Internacional M. G. Llansol», no Convento da Arrábida em 2003); e Hölderlin: O sexo da paisagem, de Daniel Ribeiro Duarte (construído a partir dos livros Onde Vais, Drama-Poesia? e Hölder, de Hölderlin), que integrou a grande exposição sobre lugares e figuras de Llansol no CCB-Centro Cultural de Belém, em 2011.

E tivemos ainda a apresentação de dois livros novos:

Cristiana Vasconcelos Rodrigues fez, mais do que uma apresentação, uma leitura pormenorizada desse extraordinário trabalho de luto que percorre o livro Amigo e Amiga. Curso de silêncio de 2004, agora em nova edição com xilogravuras de Ilda David'. E ouvimos a voz de Llansol lendo algumas passagens deste livro. A apresentação destacou os inúmeros ecos de Espinosa (a Ética ou o Tratado da Reforma do Entendimento) no modo de relação de uma «alma em devir« com a realidade da morte, num percurso e num trabalho de luto fora do comum, que leva a figura de mulher que o faz a uma travessia da «metanoite» à rebours, através da progressiva intensificação de transparências, do negro ao azul e à luz.


As xilogravuras de Ilda David' na nova edição

João Barrento sintetizou brevemente os contributos das nossas Jornadas de 2023, reunidos no volume da colecção «Rio da Escrita» «O Prazer do Reino Animal. Um bestiário Llansol, lembrando que o livro cobre todos os campos de um possível «bestiário Llansol» no tratamento de figuras animais de todos os tipos: reais e dialogantes, míticos e fabulosos, ou animais-objectos que ganham estatuto de figura, até ao próprio Texto como ser animal, «um animal chamado escrita», como lemos já em Causa Amante. Desta presença dominante e exemplar do animal para a própria espécie humana falaram nas Jornadas de 2023, com recurso a muita da literatura e filosofia contemporâneas que se ocupam desta matéria: os escritores Maria Esther Maciel (de Belo Horizonte, Brasil), a nossa Hélia Correia, José Manuel de Vasconcelos, a jovem poeta Maria Brás Ferreira e ainda o investigador e professor na área da Filosofia Jorge Leandro Rosa. O livro fecha com um inédito de Maria Gabriela Llansol (que anuncia já Os Cantores de Leitura): «O Livro dos Aninmais no Deserto» (uma fábula inacabada).

As Jornadas deste ano foram, como sempre, acompanhadas de uma exposição sobre o tema e de um caderno (Llansol: Os Rostos da Paisagem) com textos éditos e inéditos e um extratexto com fotografias de muitas das «paisagens» llansolianas: «Paisagens de fora: O mundo», «Paisagens do exílio»; «Paisagens do regresso», «Paisagens de dentro: As casas».


13.10.24

OS PRIMEIROS CONTOS DE LLANSOL

Regressámos no sábado aos anos (portugueses) da adolescência e juventude de Maria Gabriela Llansol (os anos quarenta e cinquenta do século passado), com a apresentação dos seus primeiros contos: «O Timbre da Estrela. Contos Juvenis (1942-1957). A Profª Paula Morão contextualizou esses anos de formação, e já de criação, de Maria Gabriela Llansol, traçando algumas rotas de leituras que poderão também ter sido os da nossa autora, nomeadamente de literatura para a infância e juventude então em voga entre nós, e relacionando também estes primeiros contos com outros autores (José Rodrigues Miguéis), e sobretudo autoras portuguesas como Irene Lisboa, Maria Judite de Carvalho ou Fernanda de Castro.

A exposição de materiais do espólio deu a ver muitos dos originais manuscritos desses primeiros contos, e também as fotografias de Maria Gabriela nesses anos, existentes no arquivo fotográfico do Espaço Llansol.

As actrizes Eva Dória e Anita Ribeiro estiveram uma vez mais connosco, lendo alguns contos do livro agora publicado, que se podem ouvir clicando no link : https://vimeo.com/1019100326

[Sequência da leitura:
1 - O Pintor sobre o Abismo (Eva Dória)
2 - Cérebro e Coração (Anita Ribeiro)
3 - O Burrinho do Sr. Ministro (Eva Dória)
4 - Rapariga Inquieta (Anita Ribeiro) ]

11.10.24

OS ROSTOS DA PAISAGEM

XV JORNADAS LLANSOLIANAS

As XV Jornadas Llansolianas acontecem este ano nos dias 26 e 27 de Outubro, e o tema, amplo e diverso na Obra de Maria Gabriela Llansol, é: «Os Rostos da Paisagem».

As intervenções e apresentações (de videos) cobrem também um largo espectro de saberes e fazeres, como se pode ver pelo Programa que aqui damos a conhecer.


Como sempre, teremos um Caderno que documenta o tema, com textos de M. G. Llansol e um extratexto que mostra alguns dos lugares das suas paisagens (exteriores e interiores), e teremos oportunidade de ver vários videos que, cada um a seu modo, abordam de forma viva diversos «rostos da paisagem», com claras ligações com o universo llansoliano.



28.9.24

 LLANSOL: AS ORIGENS DA ESCRITA

No próximo dia 12 de Outubro, pelas 16 horas, apresentaremos um novo livro da nossa colecção «Rio da Escrita»: «O Timbre da Estrela»: Contos juvenis (1942-1957). A Profª Paula Morão comentará estes primeiros contos de Maria Gabriela Llansol, as actrizes Eva Dória e Anita Ribeiro lerão alguns deles, e teremos uma exposição dos originais e outros materiais do espólio.


17.9.24

 «O TEXTO VIVO»

Prémio para jovens artistas

O Júri do PRÉMIO MILLENIUM BCP / FOLIO MAIS (formado por João Barrento e Maria Helena Vieira , do Espaço Llansol, e Lígia Afonso, professora da ESAD das Caldas da Rainha), instituído para jovens artistas e inspirado na Obra de Maria Gabriela Llansol (concretamente no lema «Concebe um mundo humano que aqui viva») escolheu como vencedor entre os dezassete projectos apresentados a instalação «Baía do Ar», da artista Juju Bento, que será inaugurada no Centro de Design de Interiores-CDI de Óbidos no dia da abertura do Festival FOLIO, 10 de Outubro pelas 18h30.


A maquete do projecto

O projecto (de que se apresenta em cima uma antevisão) parte de um jogo de palavras de M. G. Llansol no livro Lisboaleipzig, em que transforma o nome da última localidade onde viveu no exílio belga – Herbais, a sua cápsula de silêncio e de escrita – em Air baie, Baía do Ar na versão portuguesa da artista (e da escritora, que acrescenta como alternativa: A baga do ar). Estamos perante um original projecto «pneumatológico», em que se sente a respiração do Texto de Llansol, a «condição aérea» do «ser-se atmosférico» com o envolvimento do silêncio. A ideia de fundo e a sua transposição visual faz todo o sentido, e tem uma ligação clara e pertinente com o Texto Vivo (aquele que respira). A artista leu bem a sua Llansol, e formula as ideias do projecto sem perder de vista esta referência, com uma capacidade de escrita invulgar hoje. Reflecte também uma experiência voltada para a interioridade, uma vez mais marcadamente llansoliana. Como a autora diz, trata-se de «ouvir a minha própria respiração numa melodia privada e única» – na instalação de Juju Bento também através de headphones disponíveis que criam... silêncio!

                                                                          ******

A presença de Maria Gabriela Llansol no FOLIO deste ano (em parceria com o Espaço Llansol e as editoras Assírio & Alvim e Mariposa Azual) alargou-se ainda a outras intervenções:

- 10 de Outubro: Palestra de João Barrento (acompanhada da projecção de video que documenta a casa e o espólio de Llansol), intitulada «Maria Gabriela Llansol - A vibração luminosa».

- 12 e 13 de Outubro: performance de Christoph Langer «O jardim que o pensamento permite».

- 20 de Outubro: a leitura dançada de Nieves Neira Roca e Maria Grandío (de Lugo, Galiza), intitulada «Em torno da árvore estendia-se o jardim nascente».