26.7.07

LLANSOL E O GRANDE PRÉMIO
DE ROMANCE E NOVELA DA APE (II)


A atribuição do Grande Prémio de Romance a um livro como Amigo e Amiga (mas poderia ser qualquer outro de Maria Gabriela Llansol) suscitou, se não polémica, pelo menos comentários muito diversos e uma pequena troca de argumentos entre o porta-voz do júri, Luís Mourão, e Eduardo Pitta, nos respectivos blogues. Vale a pena fazer aqui uma resenha de alguns dos comentários e das posições assumidas, que, quando não são de adesão incondicional ou de rejeição in limine, elucidam bem sobre o lugar ímpar e não situável desta Obra. Romance? Não romance? Talvez apenas o pensamento de algumas imagens...


RTP – Rádio e Televisão de Portugal

Escritores destacam singularidade da escrita de Gabriela Llansol

A singularidade da obra de Maria Gabriela LLansol, distinguida com o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, foi posta em relevo no testemunho pedido pela Lusa a três escritores. "É uma grande escritora, muito inovadora, sobretudo ao nível da língua", qualificou Vasco Graça Moura. Na opinião do escritor, depois corroborada por Rui Zink e Gonçalo M. Tavares, a escrita de Llansol não é de fácil acesso. Questionado sobre se a escritora tem seguidores, como ocorre por exemplo com Lobo Antunes, o poeta e ficcionista, também já premiado com o Grande Prémio da APE pelo romance Por detrás da magnólia, invocou precisamente a singularidade da escrita da autora para excluir essa possibilidade. "Ela é tão caracterizadamente pessoal - disse - que não se pode falar de continuadores". "Mas tem gerado - observou - um esforço de compreensão importante, da parte de homens como Eduardo Lourenço ou Eduardo Prado Coelho, que resulta em benefício da própria literatura". Na opinião de Rui Zink, Llansol é uma escritora "de difícil acesso", com "um lugar único" na literatura portuguesa, "nem acima nem abaixo dos nossos maiores". A escritora, disse, construiu um universo "pessoal e intransmissível", de algum modo "hermético no jogo de referências, mais do que no jogo formal". Para Gonçalo M. Tavares, os livros da autora de Amigo e Amiga, a obra premiada, "não têm valor como um todo mas pelo brilho de algumas frases, duas ou três frases que às vezes surgem e que valem o livro". O discurso por vezes flui "neutro", durante páginas e páginas a leitura faz-se sem sobressalto "e, de repente, há frases que se podem guardar", frases que a memória e a sensibilidade do leitor reterão por muito tempo. A escritora, disse ainda o autor de Jerusalém, escreve "fora de qualquer género literário" e os seus livros "não são para ser lidos como outros são". "Não se lê Thomas Mann - exemplificou - como se lê Maria Gabriela Llansol. E os seus livros devem ser lidos com muita atenção". Para ler Llansol, atendendo precisamente à singularidade do seu discurso, Gonçalo Tavares crê ser necessária "uma disposição prévia". "O leitor tem de se preparar", aconselhou.

Agência LUSA / 2007-05-18 18:25:01



A CASA DOS SONHOS DO SONO [Blog, Carlos Vaz]

Parabéns Maria Gabriela Llansol! Amigo e Amiga, sem dúvida, uma obra ímpar na Literatura Portuguesa. Há já algum tempo que ando a trabalhar num pequeno texto sobre Amigo e Amiga de Maria Gabriela Llansol. Desde o ensaio Diários de um Real-Não-Existente (Ed. Labirinto) que não escrevia sobre os textos llansolianos, por ter sentido a necessidade, facilmente explicável, de me afastar da escrita da autora, para poder encontrar a minha. Precisei, sobretudo, de distanciar-me da experiência maravilhosa de ser um legente. Da autora não tenho "obras favoritas", pois todas são únicas e belas, mas se alguém me pedisse uma sugestão, apontaria as seguintes: os três diários (Finita, Um Falcão no Punho, Inquérito às Quatro Confidências), Causa Amante, Onde Vais Drama Poesia... e, por último, a obra Amigo e Amiga. Hoje, tive uma surpresa bem agradável, ao visualizar os blogs de Paulinho Assunção e de Luís Mourão (Manchas), descobri que M.G.L. foi a vencedora do Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE) 2006, com Amigo e Amiga. Para quem não sabe, não é a primeira vez que Maria Gabiela Llansol é galardoada com este prémio, uma vez que já em 1990 foi distinguida com o mesmo prémio, na obra Um Beijo Dado Mais Tarde.

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De António Brito Santos, Leitor de Português em Heidelberg, para um amigo dele, «pouco literário»:

From: "Antonio de Brito Santos"
Date: June 17, 2007 3:19:50 PM GMT+01:00

To: "João Barrento"

Subject: Notas sobre Literatura


Meu caro João B.

Julguei que podiam despertar a curiosidade do HERR PROFESSOR estas notas sobre literatura, i.e., a propósito da pergunta do tal "amigo pouco literário" sobre M.G.Llansol. Neste campo, considero-me mais "Promenadenmischung" ("rafeiro" não diz o mesmo) do que "cão de raça". Sendo desplante — clique e já está! abraço
ABS

Q: [o amigo] ... "Já tentei por várias vezes ler a Gabriela Llansol mas é extremamente penoso... pergunto-me sempre: para quê torturar assim os leitores???"

A:
À laia de "conversa de compadres", subjectivo, a ciência de férias, a ver se consigo ilustrar-te:
— Quando um texto se encerra hermeticamente, negando-se-me, não me deixo torturar, ¡allá él!.

— Há textos, prosa poética, p.ex., que produzem uma espécie de encantamento - aí deixo-me embalar e entrego-me, sem pretender "entender" (será o caso da G.Llansol, 3 frases valem o erforço do livro todo).
— Qualquer texto, por mais elogiado que ele seja, que não consiga "chamar por mim", não merece o meu estatuto de leitor, recuso-me a colher seja o que seja.

— Autores famosos (Saramago O Homem Duplicado, Lídia Jorge A Última Dona...) ofendem-me com livros mal escritos e às primeiras páginas desisto e... adeus até ao meu regresso.

— J. Cardoso Pires, nada propenso à auto-reflexão das personagens ou ao psicologismo (que eu aprecio!), convenceu-me pela soberba capacidade arquitectónica, pela justeza das personagens, pela riqueza dos registos linguísticos, pela sua ascese que se nega a efeitos retóricos balofos, e last not least pela sua ética emancipatória. Dignas de nota as suas 3 figuras femininas: Maria das Mercês (Delfim), Mena, de quem até o Eduardo PC e um outro ainda "se enamoraram" como eu (Balada), Alexandra, a mais admirável figura feminina de toda a Literatura portuguesa - Antonius dicet (A. Alpha, com fracos na composição, é certo). JCP é o meu "mestre narrativo".

— A. Faria conseguiu ganhar-me para o acompanhar na sua sofrida aventura da "Tetralogia Lusitana".

— E há Franz Kafka sem adjectivos (a obra ficcional toda!): que me arrasta para regiões onde não são chamados nem o coração da razão nem a razão do coração, e me leva a sentir o mais profundo de "SER".

— E temos o Fernando António que, como mais ninguém, ousou por e para todos nós a amarga aventura do absurdo de existir — sem remissão! (Tenho para mim que todo o FP é suicidário e o Desassossego uma droga perigosa
— ou leva espíritos fortes a assumir heroicamente a humana conditio sem lenitivos).
— E temos ainda o fabuloso Don Quijote para rirmos e chorarmos a todas as horas em todas as idades. "E pronto. Eis-me declarado (no orig.: nascido). Cheio de sede e fome. /António é o meu nome." (António Gedeão: "Poema de me chamar António" — Poesias Completas [1956-1967], poema final)



Manchas [Blog de Luís Mourão]

Sexta-feira, Maio 18

Grande Prémio do Romance da APE – 2006
Para Amigo e Amiga. Curso de Silêncio de 2004, de Maria Gabriela Llansol.


O júri foi constituído por Silvina Rodrigues Lopes, Ana Mafalda Leite, Luís Mourão, Cristina Robalo Cordeiro (que votou em Cemitério de Pianos, de José Luís Peixoto) e Fernando Pinto do Amaral (que votou em A Ronda da Noite, de Agustina Bessa-Luís).

posted by Luís Mourão @ 23:54

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Manchas [Blog de Luís Mourão]

Quinta-feira, Maio 24


Contra?

Eu sei que é uma pequena notícia, e que o essencial é dito: Maria Gabriela Llansol venceu o Grande Prémio APE 2006. Mas certos deslizes semânticos estragam o bom jornalismo, e são menos desculpáveis ainda num Jornal de Letras, Artes e Ideias. Depois de informar que o júri deliberou o prémio por maioria de três votos, a notícia não assinada acrescenta: “votaram CONTRA Cristina Robalo Cordeiro e Fernando Pinto do Amaral, que preferiram, respectivamente, Cemitério de Pianos, de José Luís Peixoto, e A Ronda da Noite, de Agustina Bessa-Luís” (sublinhado meu, JL nº 956, de 23 de Maio a 5 de Junho de 2007, pag. 5). Desde quando, e logo em literatura, preferir é ser contra aquilo que não se prefere tanto?

posted by Luís Mourão @ 21:08

A impossibilidade de negar

No mesmo JL, Mafalda Ivo Cruz assina um notável pequeno texto sobre a sua alegria pelo prémio atribuído a Llansol. Dois excertos:

Há obras que se podem ler até ao infinito pois não acabarão nunca de se explicar. São obras cujo corpo (a explicação) é um recomeçar a falar numa ordem que de cada vez se recria e se organiza, com uma disciplina sempre diferentes, mas sempre igualmente impositiva e luminosa. Exactamente como o falar das pessoas com quem vivemos, que faz parte do nosso labirinto pessoal. E são a nossa vida íntima mental. (...) Ouvindo, como já ouvi tantas vezes, outra versão da Oferenda Musical enquanto escrevo este texto não posso deixar de aproximar a leitura de um e da outra. Qual será a substância da força que se limita a elevar-se, a ficar sempre ao lado do agir e da clarificação que não cessa? O que define um grande autor é a impossibilidade de o negar. É que em nós não possamos fazer nada contra ele. (...)


PS: Precisamente: nada contra ele. O que não impede de se poder preferir outro. Ou de ter votado, no ano transacto, num romance cuja "ideia de literatura" é substancialmente diferente.

posted by Luís Mourão @ 21:40

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Manchas [Blog de Luís Mourão]

Segunda-feira, Maio 28


Grande Prémio de Novela e Romance APE/IPLB 2006

A obra de Maria Gabriela Llansol marca um trajecto singular na literatura portuguesa contemporânea, pela forma consistente e intransigente como tem procurado novos caminhos para a escrita do romance. Como sempre na sua obra, o vivido comparece sem os traços vulgares dos decalques realistas. O que a sua escrita visa não é a restituição de um real reconhecível na sua legibilidade imediata, a falsidade de um conhecimento de apropriação, mas o encontro do fulgor que cada ser ou situação comporta, aquilo que o vivo tem como potência de sentido e que é a tarefa e a responsabilidade de existirmos. Amigo e Amiga. Curso de silêncio de 2004 é um romance particularmente exigente face a esta responsabilidade, pois que parte do confronto com “O Golpe”, que é sempre a inscrição da morte no nosso existir. Sem qualquer pathos sentimental ou ilusão de transcendência, Amigo e Amiga cria a vida pós-dor. As suas múltiplas figuras, algumas vindas de romances anteriores, constroem a aliança entre o que perdura, o que muda subitamente de sentido e o que emerge para a restante vida. A todas acolhe o silêncio, aquilo que preserva o texto e o existir da banalidade sufocante, aquilo que reconduz a ética da literatura — ou de qualquer outra tarefa — ao seu lugar de invenção de uma realidade que se mede apenas pela capacidade de devirmos dentro dela aquilo que de nós próprios desconhecíamos.

posted by Luís Mourão @ 11:27

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Manchas [Blog de Luís Mourão]

Sexta-feira, Junho 1

E Agustina?

Sim, um júri deve argumentar. Deve tornar o mais claro possível aquilo que juridicamente se chama o seu “itinerário cognoscitivo”. É por isso que quero aqui responder, em meu nome — um júri é sempre uma soma de nomes individuais, convém não esquecê-lo — à pergunta que algumas pessoas me fizeram por mail: que me levou a não preferir A Ronda da Noite? Desde logo, esta nota curiosa. A pergunta envolveu sempre A Ronda da Noite, e não Cemitério de Pianos. Provavelmente, mera coincidência. Mas acertada, no que me diz respeito. Considero José Luís Peixoto um autor de indiscutível talento, mas ainda à procura de poder “dizer qualquer coisa” com o talento que lhe calhou e que tem oficinalmente desenvolvido através de vários itinerários formais. Neste momento, José Luís Peixoto faz-me lembrar aqueles antigos patinadores de leste: potencial técnico irrepreensível, mas coreografia fria, com vida não vivida por dentro. O seu primeiro romance teve o sangue e nervos mastigados que nos romances seguintes como que se ausentou. O melhor que se pode desejar a um autor assim é que a vida não lhe seja fácil — sem que isto, naturalmente, seja desejar-lhe mal. O grande romance virá. Agora A Ronda da Noite. Muito simplesmente, é uma obra-prima. Provavelmente, é também o melhor romance de Agustina. Isto não é um juízo eufórico, é um juízo, digamos, histórico. Porque esta obra-prima poderia ter sido escrita há oitenta ou cem anos atrás. Pelo tipo de personagens, eventos, reflexão e linguagem — nada em A Ronda da Noite nos abre directa e flagrantemente a contemporaneidade. Agustina não é contemporânea, é como as tragédias gregas – está lá tudo, só temos de “traduzir” isso para o nosso tempo e os nossos termos. Com todos os riscos que isso envolve — e são muitos, e farão de nós, no futuro, críticos que erraram o seu tanto — um prémio de romance de 2006 deveria ler 2006 sem a mediação do “clássico”. É uma forma de dizer. Mas é a minha forma de dizer, e é a minha assinatura que está lá. E a assinatura, podendo ser entendida como vaidade (que também é) e como responsabilidade (que também), é mais radicalmente a marca da contingência.



Manchas [Blog de Luís Mourão]

Sexta-feira, Junho 29


Quem é o autor? ou Arte & Contexto # 4

Com a turma de mestrado, falamos longamente acerca das possibilidades de autoria deste texto:

Alcançamos, seguindo uma via de silêncio mútuo, o cimo de uma ladeira onde, além de podermos ver, debruçados numa ponte, as linhas férreas por onde seguiam andorinhas, vislumbrávamos as linhas curvas da paisagem que ensinam os olhos e libertam, sem palavras, os soluços da garganta.


Ninguém acertou, o que foi bom, porque assim o debate foi muito produtivo. As hipóteses mais interessantes foram estas:

1. Algures entre um epígono de Eça e um Eça muito melhorado, ou que tivesse com a paisagem uma relação metafísica “naturalizada”, quer dizer, sem necessidade de sublinhar o sublime, incorporando-o apenas como reacção natural e quotidiana.

2. Neste sentido, poderia ser um texto de um Vergílio Ferreira com o pathos controlado, embora o encaixe sintáctico seja substancialmente diferente do seu modo nervoso de escrita.
3. A hipótese que mais agradou foi a de que se tratará de um texto recentemente encontrado na arca pessoana, atribuído a um novo heterónimo.
4. Finalmente, causou uma viva estranheza o facto de as ligações dentro do parágrafo terem o acerto pesado de uma redacção de quarta classe — aquele “onde” magoa mesmo o ritmo — e o que está a ser dito ter a gravidade da mais funda sabedoria.
Publicarei de novo o texto amanhã, de um modo que tornará a sua identificação quase imediata.

posted by Luís Mourão @ 09:52

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Sexta-feira, Junho 29

Quem é o autor? ou Arte & Contexto # 5

Três leitor@s devidamente identificados arriscam:
1. Torga, por causa das serranias, andorinhas e soluços da garganta.

2. Mário de Carvalho, por um certo sabor a pastiche, certamente de um dos seus romances “históricos”.

3. Miguel Real, porque parece a reconstituição de uma linguagem de época.
O meu muito obrigado aos três leitor@s. Ninguém acertou, mas a argumentação é boa, e obrigar-nos-á a conclusões ainda mais interessantes quando se desvendar a autoria.

posted by Luís Mourão @ 19:04

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Quarta-feira, Julho 4

Quem é o autor? ou Arte & Contexto # 10

Pedro Eiras: hum... Ruy Belo?...
Excelente escolha! Mas não, ainda. O que naturalmente é irrelevante, como já se terá compreendido. Relevante será uma autoria suportar tantas supostas autorias. O que, não sendo novo, convém re-afirmar de quando em vez.

posted by Luís Mourão @ 00:07

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Quinta-feira, Julho 5

Quem é o autor? ou Arte & Contexto # 11

Finalmente, a revelação. Os considerandos ficam para mais tarde.

Alcançamos, seguindo uma via de silêncio mútuo, o cimo de uma ladeira onde, além de podermos ver, debruçados numa ponte, as linhas férreas por onde seguiam andorinhas, vislumbrávamos as linhas curvas da paisagem que ensinam os olhos e libertam, sem palavras, os soluços da garganta.

Maria Gabriela Llansol, Amigo e Amiga. Curso de silêncio de 2004, p. 79


Faz pensar, não é?

posted by Luís Mourão @ 00:28

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Quarta-feira, Julho 11

Quem é o autor? ou Arte & Contexto # 12

Há um lado fútil nestes exercícios de adivinhação — demo-lo por adquirido e passemos ao que se pode pensar. Há depois uma crítica justa: a questão do falso fragmento. Apresentar-se como podendo ser significativo de uma autoria um excerto descontextualizado e que, na sua formulação pontual, até não terá as características que geralmente tornam evidente aquela autoria em particular. Digamos em avanço que o excerto de Llansol não contém de facto as suas características particulares, aquilo que a torna diferente e imediatamente reconhecível. Mas isso não só não afecta em nada a qualidade evidente do excerto, como não obsta a que o excerto seja de facto “significativo” no contexto do livro de que provém. As várias hipóteses de autoria que foram sendo avançadas nada têm de estranho, por mais singular que seja o lugar e a linhagem de Llansol. Ruy Belo, Torga, Mário de Carvalho, Miguel Real, Eça, Vergílio Ferreira, novo heterónimo pessoano — tudo apenas quer dizer, neste ponto muito particular, que quando se trata de fazer falar o essencial do comum, os pontos de convergência são maiores do que os estilos individualizados. Não retiro daqui qualquer lição de essência humana, apenas a ideia de que, historicamente, somos atados pelos mesmos feixes comuns, que vamos desfiando conforme podemos. E quanto mais próximo da dor nua é esse feixe, mais um certo ar de comum se torna reconhecível. Precisamente isso que, em certos momentos radicais, para além da linguagem ou de qualquer outro entendimento prévio, permite que nos reconheçamos naqueles que nos são inteiramente desconhecidos. Em qualquer lugar do mundo, em qualquer tempo do mundo — o irredutível tem também a marca do comum. Sem que deixe de ser verdade que o comum se dá a ver através das diferenças que o constituem, como tentarei exemplificar a seguir com casos tão diferentes como Eric Clapton e Keith Jarrett.

posted by Luís Mourão @ 10:11



Blog Da Literatura

Domingo, Julho 15, 2007


Alhos & bugalhos

Não, Carolina, a Maria Gabriela Llansol não faz parte do grupo de autoras que cito aqui (a título meramente indicativo) porque a Llansol, uma grande autora, uma excelente prosadora, não é romancista. Tão simples como isto. Convém não confundir as coisas.

posted by Eduardo Pitta at 12:10 PM

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Manchas [Blog de Luís Mourão]

Terça-feira, Julho 17


Vamos lá então à argumentação..
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... meu caro Eduardo Pitta. Estou disposto a enfiar o barrete: votei Llansol para um prémio de romance, certo? E o facto de não estar sozinho nisso, nem o facto de aqueles que não votaram em Llansol não a terem excluído por não ser romancista, não quer dizer nada mais do que aquilo que diz — que não estou sozinho no facto de considerar Llansol romancista. O que me parecia (me parece) pacífico. Mas argumente lá, até pode ser que eu concorde...

posted by Luís Mourão @ 00:27

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Blog Da Literatura

Terça-feira, Julho 17, 2007


Atitude

Meu caro Luís Mourão Luís Mourão, pode crer que não me moveu qualquer intuito de remoque a quem quer que fosse, muito menos a si, e menos ainda por causa do prémio (embora, nesse particular, tivesse preferido ver atribuído à autora de Finita o Prémio Vida Literária). Sucede que, tendo eu citado aqui o nome de meia dúzia de autoras capazes de contar histórias (no sentido tradicional e formal do termo) sem com isso abdicarem da inteligência — e sendo certo que a minha lista não esgota os bons exemplos, pois poderia ter acrescentado Maria Judite de Carvalho, Fernanda Botelho, Luísa Dacosta e talvez mais duas ou três —, uma autora devidamente identificada, a quem, por reserva de privacidade, chamei Carolina (um nome bonito), me interpelou com «E então Maria Gabriela Llansol...?» Limitei-me a explicar à senhora o meu ponto de vista. Llansol grande autora? Verdade. Llansol prosadora excepcional? Verdade. Llansol romancista? Não. É a minha opinião, naturalmente falível. Não faço história literária, nem tenho responsabilidades de fixação do cânone. E a esta hora do campeonato Maria Gabriela Llansol dispensa bem o que sobre ela possam pensar os contemporâneos. Entendo que Llansol não faz ficção no sentido em que a fizeram Jane Austen, Virginia Woolf ou Carson McCullers (e as portuguesas citadas). O que ela faz, e muito bem, é algo que podemos situar entre a literatura de ideias — que no seu caso dispensam as aspas, sendo o contrário das frouxas e importadas que dei como características de muita da má “ficção” que entre nós se publica — e o ensaio de índole memorialística. Digamos que é mais uma atitude e menos um género. É justamente aí, nessa atitude, que ninguém lhe leva a palma.

posted by Eduardo Pitta at 11:35 AM

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Manchas [Blog de Luís Mourão]

Quarta-feira, Julho 18


Do romance (também) como atitude

Subscrevo tudo tudo, meu caro Eduardo Pitta. Acrescentarei apenas que, nestas coisas, tudo depende de quem escolhemos para delimitar implicitamente um género. É certo que Llansol “não faz ficção no sentido em que a fizeram Jane Austen, Virginia Woolf ou Carson McCullers”. Mas talvez se pudesse dizer que faz ficção no sentido em que a fizeram Sterne, Musil ou Sebald, ainda que todos e cada um por si tenham atitudes bem diferentes face ao fazer ficção. Mas o que seria do género romance se não tivesse "costas largas"? Ou não permitisse as atitudes singulares que lhe alargam permanentemente as fronteiras? E pouco importa que o alargar de fronteiras se faça por acidente: um raio sobre o lápis — usando o título na sua falsa literalidade —, e logo se perde o caminho que talvez nunca se tivesse realmente traçado. Mas não se diz que o espírito sopra onde quer? Mas chegado aqui é melhor deter-me, ou ainda começo a falar dessa ideia altamente esquisita de o romance ter vida própria independentemente dos romancistas (que tem, que tem...).

posted by Luís Mourão @ 10:37