27.11.24

 CAUSA AMANTE NO BRASIL


Acaba de sair na editora 7Letras, do Rio de Janeiro, a edição brasileira de Causa Amante, acompanhada do posfácio de Augusto Joaquim à 2ª edição portuguesa e de um texto de Maria Alzira Seixo publicado na revista Colóquio-Letras após a saída da primeira edição.

24.11.24

NOS 93 ANOS DE MARIA GABRIELA LLANSOL


 

17.11.24

LLANSOL : COMUNIDADES E FULGURAÇÕES

No próximo dia 7 de Dezembro, pelas 16 horas, faremos no Espaço Llansol a apresentação do livro Comunidades e Fulgurações na Obra de Maria Gabriela Llansol (Edições Colibri, organização de Patrícia Soares Martins e Golgona Anghel), que reune as intervenções do Colóquio que teve lugar na Faculdade de Letras de Lisboa em Novembro de 2022, a pretexto dos sessenta anos do primeiro livro de Llansol, Os Pregos na Erva. Os contributos são muito variados, como se pode ver pelo Índice reproduzido a seguir.

A Profª Teresa Cadete, escritora e professora jubilada da Faculdade de Letras, apresenta o livro, e aproveitamos a oportunidade para evocar ainda Os Pregos na Erva, um livro fundador mas menos presente quando se fala da Autora, com uma exposição de materiais do espólio relacionados com a sua primeira edição em 1962: cadernos de escrita, jornais, entrevistas, edições e traduções, fotografias da época.

A exposição e o livro serão enquadrados e comentados por João Barrento, e ouviremos ainda ler um breve conto – «A pedra que não caiu» – que tem a sua primeira versão num esboço teatral inédito de Maria Gabriela Llansol intitulado O Absurdo, de 1959.

O novo livro das Edições Colibri estará à venda neste dia no Espaço Llansol.

31.10.24

NOVO CURSO «LER O MUNDO COM LLANSOL»

A partir do próximo dia 9 de Novembro, e até Junho de 2025, a Profª Maria Etelvina Santos orienta mais um curso sobre a Obra de Maria Gabriela Llansol, desta vez centrado no livro Na Casa de Julho e Agosto, o terceiro da primeira trilogia, «Geografia de Rebeldes». O Curso é grátis e funcionará em dois sábados de cada mês, entre as 15h e as 18h.

30.10.24

XV JORNADAS LLANSOLIANAS

PAISAGENS DO MUNDO E DA ESCRITA


A reflexão sobre «Os rostos da paisagem« na escrita, no quotidiano, na imaginação de Maria Gabriela Llansol cobriu nestas Jornadas um leque amplo, com intervenções que procuraram, tanto reconstituir algo que se poderia designar de organon da paisagem neste universo, como articular as suas visões da matéria com a tradição filosófica ou artística, cruzar o motivo do olhar, central para o diálogo com a paisagem, com a reconstituição poética de experiências pessoais, ou ainda ler a problemátiuca da paisagem em Llansol à luz da situação do mundo contemporâneo, com todas as implicações políticas que isso contém.




João Barrento abriu as Jornadas falando da paisagem como espelho do humano em Llansol, partindo da frase: «Se eu conseguir colocar o Texto em consonância, o melhor do humano é-me devolvido pela paisagem» (Lisboaleipzig). A partir desta epígrafe programática, sugeriu uma interacção essencial para a compreensão da noção de paisagem em Maria Gabriela Llansol: entre o Texto (na sua capacidade visionária e transformadora), o que há de mais humano no humano (a predisposição para ver o mundo e elevá-lo a uma potência superior), e a paisagem como agente activo do auto-conhecimento e da transformação da «espécie», detentora de um «sexo» próprio, o «terceiro» (mas não o neutro), a energeia ou vibração que confere a cada um dos seus «rostos» uma alma própria onde habita o silêncio. A partir daqui, a reflexão orientou-se no sentido da possível reconstituição de uma espécie de catálogo dos rostos da paisagem em Llansol, com os mais diversos perfis e referências que remetem para um núcleo estável, algo assim como o arquétipo da paisagem nos textos da autora, com o olhar no centro de uma relação do Eu com um fragmento de natureza que responde a esse olhar (contrariamente à indiferença da natureza, ou à relação de cobiça e interesse com o que no seu Texto dá pelo nome de «território»): «O olhar transmite a paisagem – e liberta-a».

A escritora Julieta Monginho construiu o seu texto – uma abordagem de escritora, entre o reflexivo e o narrativo, o imagético e o poético – com base nos motivos do olhar e da troca, evocando (a partir de uma frase do livro Parasceve: «sobre esse rosto se há-de debruçar uma pessoa amada») rostos da paisagem que vão emergindo de um fio de situações e imagens que partem da experiência pessoal da «paisagem» de um bebé e a mãe, com remissões pertinentes para os textos de M. G. Llansol. Os dois planos interpenetram-se, constituindo um «ambo», e as paisagens que vão surgindo da narrativa nascem desse olhar que vê «o Aberto» na sua forma mais original e mais pura. Como em Llansol, as paisagens vão sendo, também em mais esta obra de Julieta Monginho, libertas de convenções e de definições mais expectáveis.

A professora de Filosofia Isabel Santiago começou por resumir o sentido geral da sua intervenção através de algumas questões a que depois foi dando resposta: «O que pode haver numa obra literária que dela também faça emergir a pergunta o que é a paisagem? O que pode haver num acervo de textos como os de Maria Gabriela Llansol que nos leve a afirmar que há rostos da paisagem? Uma obra literária que nos faz formular questões desta natureza é também obra filosófica, é também uma ontologia, uma ética e uma estética... «Considerando que em toda a obra de M. G. Llansol há um hibridismo evidente entre literatura e filosofia, aproveitando a sua especial afeição por Espinosa, decidi assumir como ponto de partida um cuidado mais analítico para a compreensão dos termos que nos permitem fazer um excurso que nos conduz à paisagem e à resposta à pergunta que guia estas Jornadas». Uma paisagem que só se vê de olhos fechados e sem luz, numa cegueira de revelação, ou quando os sentidos se fundem e se envolvem para ver, numa abundância de visão, o visto.

Teresa Cadete (a professora, ou Teresa Salema, a escritora) parte da ideia da História como uma série de estratos – no jogo de palavras alemãs que usou, entre Geschichte (a História) e Schichten (estratos) – para entrar no tema das Jornadas vendo a noção llansoliana de Paisagem, sem qualquer espécie de encenação, como antídoto do sempre igual da História. Propõe assim, como diz o título da sua intervenção («Il faut cultiver notre paysage – Resgatando o espírito crítico com Maria Gabriela») – uma leitura claramente política do tema. Maria Gabriela evoca as paisagens com a consciência de que nelas o Texto pulsa e respira enquanto extensão, o que implica que as suas paisagens raramente deixam de ser paisagens disruptivas. É mais um sinal daqueles «factores profundos de ruptura e fragmentação  de que Maria Gabriela foi uma sublime sismógrafa», e que nesta intervenção foram comentados sobretudo a partir da primeira trilogia, «Geografia de Rebeldes», onde as visões da contra-História proposta são sobretudo «lugares de vida».

Teresa Huertas (fotógrafa) e Teresa Mendes Flores (Investigadora da história da fotografia) trouxeram-nos contributos específicos dos seus respectivos domínios de actividade, que no entanto revelaram surpreendentes paralelos com a visão e a vivência da «paisagem» em Llansol.

Teresa Mendes Flores falou das noções, essenciais em Llansol, de «Paisagem», «território» e «Natureza», do ponto de vista próprio da fotografia, e colocando e comentando uma série de questões que a fotografia sugere desde as suas origens. Como pode a fotografia ser uma prática de paisagem? E que prática: contemplativa ou «territorial»? A que tipo de representações chamamos paisagem? Como é que a fotografia trabalha esta tradição paisagística e poética? Será a paisagem um género apenas do espaço ou também do tempo, da duração? Serão todas as fotografias, potencialmente, paisagens?

E trouxe um exemplo que mostra claramente como uma «paisagem», diria também Llansol, pensando nos modos de a olhar, se transforma em «território». Trata-se de um conjunto de fotografias pouco conhecidas, atribuídas a Gago Coutinho e produzidas no contexto das missões de delimitação de fronteiras coloniais no início do século XX, neste caso em Moçambique. Foram fotografias activas na construção de um imaginário territorial e colonial, no sentido da apropriação e do poder, com as suas implicações paisagísticas. O que leva à questão final: Será que podemos despolitizar uma paisagem?

Mostramos a seguir algumas das fotografias dessa sequência de várias centenas, apresentadas em Power Point.

Por seu lado, a fotógrafa Teresa Huertas (que já esteve no Espaço Llansol em Janeiro de 2013 apresentando as suas fotografias de paisagens da Islândia, reunidas na exposição «Lava Walks»), mostrou-nos desta vez a versão em video de sequências fotográficas de uma paisagem única, e sempre em transformação, de montanha e nuvens (que recebeu o Prémio da Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira em 2020). Intitulou-a Atmós [passagens # 1], e explica que se trata de um trabalho fotográfico que utiliza a paisagem natural como referente para questionar a percepção e a sua relação com a duração. Sem se «inspirar» directamente na Obra de Llansol, a convergência é evidente. Trata-se da construção da «experiência de um lugar que enfatiza a duração lenta como simulacro da temporalidade da natureza e sobretudo como estratégia perceptiva». Como em Llansol, pretende-se evocar a relação entre natureza e paisagem, lugar e experiência, através de uma «estética do lento» que evidencie o tempo como fluxo, num «manifesto de resistência à cultura visual da aceleração e da hiper-estimulação». A versão em video (de que mostramos três imagens) corresponde ao que a autora designa de «encontro sensível» entre o que vemos e o que nos olha. Estamos no âmago da ideia de «paisagem» em Llansol.

Três stills da sequência Atmós

Projectámos e comentámos ainda dois videos feitos a partir de Textos de Maria Gabriela Llansol, e já mostrados em momentos anteriores: Presença, de Regina Guimarães (feito, a partir de O Senhor de Herbais, para o «2º Colóquio Internacional M. G. Llansol», no Convento da Arrábida em 2003); e Hölderlin: O sexo da paisagem, de Daniel Ribeiro Duarte (construído a partir dos livros Onde Vais, Drama-Poesia? e Hölder, de Hölderlin), que integrou a grande exposição sobre lugares e figuras de Llansol no CCB-Centro Cultural de Belém, em 2011.

E tivemos ainda a apresentação de dois livros novos:

Cristiana Vasconcelos Rodrigues fez, mais do que uma apresentação, uma leitura pormenorizada desse extraordinário trabalho de luto que percorre o livro Amigo e Amiga. Curso de silêncio de 2004, agora em nova edição com xilogravuras de Ilda David'. E ouvimos a voz de Llansol lendo algumas passagens deste livro. A apresentação destacou os inúmeros ecos de Espinosa (a Ética ou o Tratado da Reforma do Entendimento) no modo de relação de uma «alma em devir« com a realidade da morte, num percurso e num trabalho de luto fora do comum, que leva a figura de mulher que o faz a uma travessia da «metanoite» à rebours, através da progressiva intensificação de transparências, do negro ao azul e à luz.


As xilogravuras de Ilda David' na nova edição

João Barrento sintetizou brevemente os contributos das nossas Jornadas de 2023, reunidos no volume da colecção «Rio da Escrita» «O Prazer do Reino Animal. Um bestiário Llansol, lembrando que o livro cobre todos os campos de um possível «bestiário Llansol» no tratamento de figuras animais de todos os tipos: reais e dialogantes, míticos e fabulosos, ou animais-objectos que ganham estatuto de figura, até ao próprio Texto como ser animal, «um animal chamado escrita», como lemos já em Causa Amante. Desta presença dominante e exemplar do animal para a própria espécie humana falaram nas Jornadas de 2023, com recurso a muita da literatura e filosofia contemporâneas que se ocupam desta matéria: os escritores Maria Esther Maciel (de Belo Horizonte, Brasil), a nossa Hélia Correia, José Manuel de Vasconcelos, a jovem poeta Maria Brás Ferreira e ainda o investigador e professor na área da Filosofia Jorge Leandro Rosa. O livro fecha com um inédito de Maria Gabriela Llansol (que anuncia já Os Cantores de Leitura): «O Livro dos Aninmais no Deserto» (uma fábula inacabada).

As Jornadas deste ano foram, como sempre, acompanhadas de uma exposição sobre o tema e de um caderno (Llansol: Os Rostos da Paisagem) com textos éditos e inéditos e um extratexto com fotografias de muitas das «paisagens» llansolianas: «Paisagens de fora: O mundo», «Paisagens do exílio»; «Paisagens do regresso», «Paisagens de dentro: As casas».


13.10.24

OS PRIMEIROS CONTOS DE LLANSOL

Regressámos no sábado aos anos (portugueses) da adolescência e juventude de Maria Gabriela Llansol (os anos quarenta e cinquenta do século passado), com a apresentação dos seus primeiros contos: «O Timbre da Estrela. Contos Juvenis (1942-1957). A Profª Paula Morão contextualizou esses anos de formação, e já de criação, de Maria Gabriela Llansol, traçando algumas rotas de leituras que poderão também ter sido os da nossa autora, nomeadamente de literatura para a infância e juventude então em voga entre nós, e relacionando também estes primeiros contos com outros autores (José Rodrigues Miguéis), e sobretudo autoras portuguesas como Irene Lisboa, Maria Judite de Carvalho ou Fernanda de Castro.

A exposição de materiais do espólio deu a ver muitos dos originais manuscritos desses primeiros contos, e também as fotografias de Maria Gabriela nesses anos, existentes no arquivo fotográfico do Espaço Llansol.

As actrizes Eva Dória e Anita Ribeiro estiveram uma vez mais connosco, lendo alguns contos do livro agora publicado, que se podem ouvir clicando no link : https://vimeo.com/1019100326

[Sequência da leitura:
1 - O Pintor sobre o Abismo (Eva Dória)
2 - Cérebro e Coração (Anita Ribeiro)
3 - O Burrinho do Sr. Ministro (Eva Dória)
4 - Rapariga Inquieta (Anita Ribeiro) ]

11.10.24

OS ROSTOS DA PAISAGEM

XV JORNADAS LLANSOLIANAS

As XV Jornadas Llansolianas acontecem este ano nos dias 26 e 27 de Outubro, e o tema, amplo e diverso na Obra de Maria Gabriela Llansol, é: «Os Rostos da Paisagem».

As intervenções e apresentações (de videos) cobrem também um largo espectro de saberes e fazeres, como se pode ver pelo Programa que aqui damos a conhecer.


Como sempre, teremos um Caderno que documenta o tema, com textos de M. G. Llansol e um extratexto que mostra alguns dos lugares das suas paisagens (exteriores e interiores), e teremos oportunidade de ver vários videos que, cada um a seu modo, abordam de forma viva diversos «rostos da paisagem», com claras ligações com o universo llansoliano.



28.9.24

 LLANSOL: AS ORIGENS DA ESCRITA

No próximo dia 12 de Outubro, pelas 16 horas, apresentaremos um novo livro da nossa colecção «Rio da Escrita»: «O Timbre da Estrela»: Contos juvenis (1942-1957). A Profª Paula Morão comentará estes primeiros contos de Maria Gabriela Llansol, as actrizes Eva Dória e Anita Ribeiro lerão alguns deles, e teremos uma exposição dos originais e outros materiais do espólio.


17.9.24

 «O TEXTO VIVO»

Prémio para jovens artistas

O Júri do PRÉMIO MILLENIUM BCP / FOLIO MAIS (formado por João Barrento e Maria Helena Vieira , do Espaço Llansol, e Lígia Afonso, professora da ESAD das Caldas da Rainha), instituído para jovens artistas e inspirado na Obra de Maria Gabriela Llansol (concretamente no lema «Concebe um mundo humano que aqui viva») escolheu como vencedor entre os dezassete projectos apresentados a instalação «Baía do Ar», da artista Juju Bento, que será inaugurada no Centro de Design de Interiores-CDI de Óbidos no dia da abertura do Festival FOLIO, 10 de Outubro pelas 18h30.


A maquete do projecto

O projecto (de que se apresenta em cima uma antevisão) parte de um jogo de palavras de M. G. Llansol no livro Lisboaleipzig, em que transforma o nome da última localidade onde viveu no exílio belga – Herbais, a sua cápsula de silêncio e de escrita – em Air baie, Baía do Ar na versão portuguesa da artista (e da escritora, que acrescenta como alternativa: A baga do ar). Estamos perante um original projecto «pneumatológico», em que se sente a respiração do Texto de Llansol, a «condição aérea» do «ser-se atmosférico» com o envolvimento do silêncio. A ideia de fundo e a sua transposição visual faz todo o sentido, e tem uma ligação clara e pertinente com o Texto Vivo (aquele que respira). A artista leu bem a sua Llansol, e formula as ideias do projecto sem perder de vista esta referência, com uma capacidade de escrita invulgar hoje. Reflecte também uma experiência voltada para a interioridade, uma vez mais marcadamente llansoliana. Como a autora diz, trata-se de «ouvir a minha própria respiração numa melodia privada e única» – na instalação de Juju Bento também através de headphones disponíveis que criam... silêncio!

                                                                          ******

A presença de Maria Gabriela Llansol no FOLIO deste ano (em parceria com o Espaço Llansol e as editoras Assírio & Alvim e Mariposa Azual) alargou-se ainda a outras intervenções:

- 10 de Outubro: Palestra de João Barrento (acompanhada da projecção de video que documenta a casa e o espólio de Llansol), intitulada «Maria Gabriela Llansol - A vibração luminosa».

- 12 e 13 de Outubro: performance de Christoph Langer «O jardim que o pensamento permite».

- 20 de Outubro: a leitura dançada de Nieves Neira Roca e Maria Grandío (de Lugo, Galiza), intitulada «Em torno da árvore estendia-se o jardim nascente».

16.9.24

A MÚSICA OCULTA DO MUNDO

Rilke e Llansol

Na reabertura das actividades públicas do Espaço Llansol, falámos no passado sábado da presença de Rilke no universo de escrita e de leituras de Maria Gabriela Llansol. Diogo Dória leu alguns dos poemas franceses na tradução de Llansol (na selecção que intitulou Frutos e Apontamentos), Anita Ribeiro e Eva Dória deram-nos a sua leitura de fragmentos da terceira edição do livro de Rilke Notas sobre a Melodia das Coisas (Ed. Alambique), e ouvimos ainda, em gravação, parte da Oitava Elegia de Rilke lida por João Barrento (na tradução que ofereceu a Maria Gabriela em 2003); e, a fechar a sessão, o segundo andamento da Pastoral de Beethoven, para tentarmos captar nas suas notas a música perdida do mundo de que fala Rilke.

João Barrento comentou largamente a relação de Llansol com a Obra de Rilke a partir de 1966, e destacou em especial os evidentes paralelos de muita da sua escrita com as propostas de Rilke nas suas Notas... Deixamos aqui, para quem não pôde estar presente, a síntese que se pode ler na introdução ao Caderno que acompanhou esta sessão.

A relação, e algum fascínio, de Maria Gabriela Llansol com a Obra de Rilke vem já dos anos do exílio belga (vd. as anotações em Finita, sobre a Correspondência e os Diários), intensifica-se mais tarde, durante a fase de tradução dos poemas franceses, que resulta no volume Frutos e Apontamentos (Relógio d'Água, 1996), e regressa nos últimos anos, com Rilke como um dos muitos compagnons de route (e de escrita e pensamento), entre Onde Vais, Drama-Poesia? e o livro final, Os Cantores de Leitura. Este caderno documenta esse percurso, e é possível descobrir nele um filão que hoje nos interessa particularmente, no momento em que sai a terceira edição portuguesa desse fascinante «ensaio» (melhor, conjunto de fragmentos) de Rilke que evidencia de forma muito clara reveladores paralelos com Llansol. De facto, as Notas... de Rilke propõem, como Maria Gabriela, uma leitura do mundo em sobreimpressão, em dobra e a contrapelo dos olhares mais correntes sobre as coisas – que, olhando-as, não as vêem, incapazes que são de ver e compreender essa grande melodia que explica também a noção do Aberto da Oitava Elegia de Duíno, que Maria Gabriela Llansol tanto admira e tanta vez comenta. 

A flagrante actualidade (e necessidade) destas Notas... de Rilke reside, paradoxalmente, na sua evidente inactualidade. Poucos seguem hoje por estes atalhos, que abrem perspectivas que o modo actual de «estar aí» não conhece. As Notas... são uma pequena partitura – que fala sem palavras e não precisa de maestro – para escutar a música oculta do mundo, algo que também Llansol bem conhece e explora na sua escrita. Já em Fevereiro de 1977, na Bélgica, anota: «A prosa de Rilke foi-nos deixada: 'O Homem... está posto entre as coisas como uma coisa, infinitamente só, e toda a comunidade se retirou das coisas e dos homens, para a profundeza comum onde crescem as raízes de tudo o que crê'».

Há, para ambos, qualquer coisa que, nas coisas, fala de um fundo ou da distância, e exige ouvidos e olhos disponíveis e atentos: é o fio do entresser, a mais-paisagem, o sopro do Há que tudo envolve (podia também ser a aura de Walter Benjamin, uma qualquer origem aparentemente inatingível, mas a que podemos chegar seguindo vestígios concretos, «o aparecimento único de algo distante, por muito perto que esteja», a resposta das coisas ao olhar...). Em Llansol, a melodia de Rilke é ainda o brumor vago e envolvente da lonjura, que todos poderiam ouvir, mas só alguns captam. Do mesmo modo, se fôssemos árvores (e de facto somos árvores, plantadas no húmus do tempo e da memória!), já poucos saberiam que têm uma raiz. Basta-lhes a dança frenética dos dias e o rumorejar da folhagem – o que há de mais caduco e exterior, na árvore e nos humanos.

Em Rilke, o outro nome da «melodia das coisas» é o Aberto, o «vazio sem negação» da Oitava Elegia, que o animal capta, mas nós somos incapazes de aperceber e preencher. O Aberto, dirá Llansol, é uma espécie de lugar «fora do tempo», um «ponto voraz» que atrai só alguns e exige uma «mudança qualitativa do tempo». Esses formam, no Texto de Llansol, a comunidade dos «absolutamente sós». Também o Rilke das Notas imagina uma tal comunidade: o fio condutor da sua reflexão é o da busca de uma explicação, ou intuição, dos elos que ligam o infinitamente pequeno ao infinitamente grande, o particular ao universal, o indivíduo ao cosmos, o uno ao múltiplo – ou, como também em M. G. Llansol na sua «comunidade do sem», a busca dos veios de ligação entre as vozes singulares e a grande melodia de fundo, que permite o acesso às raízes perdidas. É, afinal, também esta a melodia que atravessa o último livro que publicou em vida, Os Cantores de Leitura. E que, como no Rilke d' O Livro das Imagens (e em tanta figura llansoliana: Eckhart, Spinoza, os místicos...), permite superar a «clivagem dos reinos» e desempenhar melhor o nosso papel no grande palco do mundo, para lá do império do ruído, do absurdo da guerra, do vazio de sentido. Saberíamos assim talvez, como Maria Gabriela Llansol, que afinal não estamos sós, se soubermos ouvir a melodia da «palavra no silêncio a crescer».


       A exposição de materiais do espólio


As leituras: por Diogo Dória, Anita Ribeiro e Eva Dória

 A sala


João Barrento lê da Oitava Elegia de Duíno
(Clique no link abaixo para ouvir)