LER DUPLAMENTE
As Décimas Jornadas Llansolianas
Propusémos, para estas Décimas Jornadas Llansolianas, a uma dezena de escritoras e escritores portugueses que viessem simplesmente dar testemunho do(s) modo(s) como lêem Llansol. A aparente singeleza da proposta haveria de desdobrar-se, multiplicar-se, amplificar-se durante dois dias numa grande diversidade de aproximações e vozes que deixaram ouvir na Casa de Julho e Agosto um amplo espectro de ecos, reverberações, respostas e diálogoa entre os textos e as experiências de leitura próprios e o universo da escrita de Llansol.
Como ela própria, afinal, sempre fez com os muitos que leu e transformou, assimilando-os numa original alquimia, em matéria figural da sua própria escrita. Ler como quem conversa com um Alguém, aparentemente sem finalidade, mas produzindo «um efeito raro e diverso da leitura», escreve a Maria Gabriela num dos seus cadernos, esclarecendo ainda: «O que lia tinha uma intensidade nova, como se o companheiro de ler estivesse aberto sobre a página».
Era este o modo de ler da Maria Gabriela, e não foi muito diferente o dos muitos que a leram para nós nestas Jornadas. Numa «relação de anel» como a que ela imaginou para Témia com a sua «estátua de leitura» (da qual Hélia Correia se foi aproximando em bicos de pés no seu belo texto).
Num dos seus últimos cadernos, Llansol resume o que para ela, e agora também para nós, havia de mais essencial nos rituais de leitura: «Está a ler – ler não serve para nada se não houver um lugar de intimidade em que os anéis estejam sobre uma mesa iluminada.»
Foi assim também nestas Jornadas, que nos deram a ouvir cumplicidades diversas e uma diversidade cúmplice de olhares sobre o Texto, todas com um mesmo centro, o do livro único de Llansol. À mesa da sala grande da Casa, iluminada pela luz desse Texto, os escritores que aceitaram dar o seu testemunho de leitura nestas Décimas Jornadas Llansolianas foram também duplos agentes de leitura: leram os livros de Maria Gabriela Llansol e deram-se a ler a quem os ouviu nesse lugar.
«Ler é provocar as palavras», lemos num caderno do espólio. Pro-vocare é desafiar, estimular incentivar, chamar as palavras. E muitas responderam ao apelo, saindo, recortadas e pensadas, graves e jubilosas, livres e irreverentes, da «caixa de leitura» dos escritores legentes que no último fim de semana se encontraram com o seu público no Espaço Llansol.
Também a Maria Gabriela certamente os ouviu e lhes agradeceu, antes mesmo de os ouvir, talvez com esta frase do seu último Livro de Horas:
«Penso, com gratidão, nos autores que esta semana me vão dar umas horas de apaziguamento, de leitura.»