9.1.17

VIAGEM A FARO
ou
UMA POÉTICA

A viagem sempre foi para Llansol lugar e tempo de escrita. Viagens longas, no espaço, não fez muitas. Documentadas, com cadernos próprios ou em registo disperso, conhecemos: um cruzeiro no Mediterrâneo em 1953, uma viagem por Espanha em 1957, andanças pelo Sul de França com a irmã e uma amiga, e as deslocações entre a Bélgica e Portugal nos últimos anos do exílio. Mas o texto é para Llansol, por natureza, «lugar que viaja», com o texto viajava sempre, e o comboio foi muitas vezes lugar de escrita, como no excerto que se ouve no vídeo, nascido de uma viagem a Faro em 15 de Maio de 1997, para falar do terceiro diário, Inquérito às Quatro Confidências. Como também acontece com textos de vária natureza nascidos no comboio entre Sintra e Lisboa, nos anos das visitas regulares aos lugares de Campo de Ourique que a viram nascer e crescer. Do outro lado da janela, a paisagem, mesmo a mais desolada, anima-se com as palavras (que conseguem operar nas coisas do Ser uma deslocação da esfera do simples atributo para a da substância), e reconfigura-se nas figuras da linhagem. Em viagem, e não só, o olhar é o órgão fundamental da escrita, «o movimento_____ é a passagem obrigatória para a pupila» (lemos num dossier dactiloscrito de 1987). A escrita em movimento, que – isso percebe-se uma vez mais claramente a certa altura do fragmento da viagem a Faro – não é literatura, mas o «exterior do meu interior», é escrita do movimento, e da viagem nasce toda uma arte poética e uma visão do mundo.