O FUTURO É UMA ORIGEM
A conferência sobre «Llansol: o texto que vem do futuro»
A última sessão da «Letra E» em 2014 teve lugar no passado sábado, desta vez no Museu Ferreira de Castro, em Sintra. João Barrento procurou mostrar, a partir de uma passagem de Parasceve. Puzzles e ironias, e recorrendo depois a outras, também inéditas, de que modo este texto vem do futuro, usando o passado e escrevendo-se no presente, e como ele vive do paradoxo, de uma «complexidade transparente», e permanentemente nos foge. Damos conta de algumas ideias mais relevantes trazidas por esta conferência, e disponibilizamos no fim a leitura gravada que resume, com fragmentos dos cadernos manuscritos, e outros, a visão que Llansol tem do texto que vai escrevendo.
Começando pelo título da conferência...
«Llansol gostava de usar a palavra Texto para o que habitualmente se designa de Obra de um autor . Faz todo o sentido, até para o tema que vamos tratar, como se verá, uma vez que texto aponta para algo em processo e em progresso, é tecitura, bordado, trama infinita; enquanto que Obra traz ecos de operacionalidade e trabalho acabado – e se lhe juntarmos a palavra 'autor', também de autoridade!
Este título levará muitos a pensar: um texto que vem do futuro só pode ser um texto utópico. E toda a Obra de Maria Gabriela Llansol será então pura utopia. Sim e não, sobretudo não. Em tempos, resolvi o problema substituindo o conceito de utopia (= o não-lugar) pelo de ucronia (= o não-tempo, a anulação dos tempos). E acrescentava que essa ucronia, essa escrita fora da narratividade sequencial e do tempo cronológico, tem um propósito eudemonista, ou seja, a sua intenção é a de construir hipóteses de vida em que o objectivo último é o da felicidade humana, que o mesmo é dizer: existências mais amplas, para além das noções correntes do humano. Para entendermos isto, e o texto que o propõe e exprime, temos de derrubar muitas barreiras.»
«Para entender um texto que vem do futuro – i. é, que fala de realidades soterradas que só um futuro desvenda, que dá a ver o que está à vista mas poucos vêem, e por isso ainda não será de agora –, para isso teremos de deixar para trás duas atitudes perante a leitura, duas expectativas quase sempre presentes: a do realismo e a da ingenuidade.
a) Esquecendo os realismos, libertamo-nos para poder compreender melhor uma escrita que se emancipou, ela também, das coordenadas habituais de tempo e espaço e se abre livremente a todas as realidades e possibilidades, melhor: a todas as possibilidades do real (que não é sinónimo de realidade), sem com isso querer alimentar fantasias inconsequentes, formulando antes hipóteses para um projecto mais humano do Humano. Neste sentido, ela é uma escrita da potência.
b) E isto implica que teremos de ir para a leitura sem expectativas ingénuas de tudo 'compreender' (a pretensão de tudo com-preender encerra-nos adentro de limites estreitos, as mais das vezes meramente lógicos; a disponibilidade para o novo abre horizontes sucessivos). Este texto é, ao mesmo tempo, complexo e transparente, e o seu 'pacto de inconforto' exige de quem lê, não necessariamente grande erudição ou preparação filosófica, mas sentidos despertos e aquela disponibilidade para o novo que não se confunde com a novidade.
Por outro lado, falar de um texto que vem do futuro exige necessariamente uma paragem para reflectir sobre os modos como o tempo e a memória (que é do passado e do futuro) nele se configuram. Sobretudo porque sabemos como nele os tempos se confundem e se anulam. Aí, de facto, o futuro é uma origem (e esta é uma ideia a reter), ou, como Llansol escreve em algumas páginas de Onde Vais, Drama-poesia? essenciais para esta questão, uma 'matriz'».
«Regresso à ideia de há pouco: o futuro é uma origem, um estado (recuperável, mas distante) que o presente da civilização tende a esquecer, e que o texto recupera através de uma 'memória do esquecimento', a única criativa, diz Llansol. E essa origem, que a escrita busca trazer ao olhar, ao pensamento e aos sentidos, está no corpo que escreve – e depois, naquele que lê: e este é um pressuposto fundamental da questão, porque se o leitor não se aperceber da 'outridade' deste texto, do que lhe subjaz e aponta para além dele, então não valeu a pena ele ser escrito.
Que quer isto dizer? Pode querer dizer (como já sugeri) que teremos de rever as noções correntes de tempo (que não é cronológico e sequencial), de memória (que não é matéria a preservar, mas a decepar e transformar) e de futuro (que não é o que nos é prometido pelo mundo e pelos poderes como 'qualidade de vida' ou 'crescimento', mas o que ficou pelo caminho e precisa de ser reactivado – a 'restante vida', dirá Llansol)».
«Nesta escrita todo o tempo, todos os tempos, se reduzem (ou amplificam) à intensidade da sua vivência no presente – que aqui é o Lugar aonde vêm dar todos os passados, sob a forma de futuro. O futuro, no sentido corrente, é conjectura ou desejo, nostalgia, o que está fora do tempo experienciável pelo corpo. O futuro de Llansol é já agora, e o seu projecto de vida, vida escrita, está já inteiro no texto que vai escrevendo: ele é feito dos restos do Humano que ficaram por desabrochar, na grande História, na biografia e na vida comum. Esta é a forma do tempo que conta no texto de Llansol, que já designei como 'a memória selvagem de futuros possíveis e desejados'. Nesse contexto distingo três nomes e três momentos na Obra da autora, para essa mesma realidade móvel, virtual, dinâmica e projectiva a que agora chamo o futuro de onde vem o texto: no início, na fase das trilogias (os anos setenta e oitenta), esse espaço-tempo do reverso da História recebe o nome de Restante Vida (que não é a vida que nos resta viver, mas precisamente aquela que ainda não vivemos, 'um resto que tem a potência de agir', disse um dia a Maria Gabriela – mas nem sempre age); depois, a meio da vida e da Obra, nasce o espaço-tempo meta-histórico do espaço edénico (meta-histórico mas não metafísico nem mítico, porque se trata de um 'espaço edénico sem Éden'); e na última fase, a de livros como Amigo e Amiga e sobretudo Os Cantores de Leitura, a escrita transcende o quotidiano e transcende-se, na tentativa de captar o murmúrio do Ser e entrar no tempo do Há – simplificando, definiria o Há (um conceito da ontologia de Heidegger e da filosofia do tempo de Levinas) como um futuro que vem da origem do Ser e da infância, e que seria a forma mais radical de estar-aí, em estado de total des-possessão e na plena posse da faculdade do 'dom poético', que permite ver já o mundo como coisa estética, e não fonte e palco de conflitos».
Começando pelo título da conferência...
«Llansol gostava de usar a palavra Texto para o que habitualmente se designa de Obra de um autor . Faz todo o sentido, até para o tema que vamos tratar, como se verá, uma vez que texto aponta para algo em processo e em progresso, é tecitura, bordado, trama infinita; enquanto que Obra traz ecos de operacionalidade e trabalho acabado – e se lhe juntarmos a palavra 'autor', também de autoridade!
Este título levará muitos a pensar: um texto que vem do futuro só pode ser um texto utópico. E toda a Obra de Maria Gabriela Llansol será então pura utopia. Sim e não, sobretudo não. Em tempos, resolvi o problema substituindo o conceito de utopia (= o não-lugar) pelo de ucronia (= o não-tempo, a anulação dos tempos). E acrescentava que essa ucronia, essa escrita fora da narratividade sequencial e do tempo cronológico, tem um propósito eudemonista, ou seja, a sua intenção é a de construir hipóteses de vida em que o objectivo último é o da felicidade humana, que o mesmo é dizer: existências mais amplas, para além das noções correntes do humano. Para entendermos isto, e o texto que o propõe e exprime, temos de derrubar muitas barreiras.»
«Para entender um texto que vem do futuro – i. é, que fala de realidades soterradas que só um futuro desvenda, que dá a ver o que está à vista mas poucos vêem, e por isso ainda não será de agora –, para isso teremos de deixar para trás duas atitudes perante a leitura, duas expectativas quase sempre presentes: a do realismo e a da ingenuidade.
a) Esquecendo os realismos, libertamo-nos para poder compreender melhor uma escrita que se emancipou, ela também, das coordenadas habituais de tempo e espaço e se abre livremente a todas as realidades e possibilidades, melhor: a todas as possibilidades do real (que não é sinónimo de realidade), sem com isso querer alimentar fantasias inconsequentes, formulando antes hipóteses para um projecto mais humano do Humano. Neste sentido, ela é uma escrita da potência.
b) E isto implica que teremos de ir para a leitura sem expectativas ingénuas de tudo 'compreender' (a pretensão de tudo com-preender encerra-nos adentro de limites estreitos, as mais das vezes meramente lógicos; a disponibilidade para o novo abre horizontes sucessivos). Este texto é, ao mesmo tempo, complexo e transparente, e o seu 'pacto de inconforto' exige de quem lê, não necessariamente grande erudição ou preparação filosófica, mas sentidos despertos e aquela disponibilidade para o novo que não se confunde com a novidade.
Por outro lado, falar de um texto que vem do futuro exige necessariamente uma paragem para reflectir sobre os modos como o tempo e a memória (que é do passado e do futuro) nele se configuram. Sobretudo porque sabemos como nele os tempos se confundem e se anulam. Aí, de facto, o futuro é uma origem (e esta é uma ideia a reter), ou, como Llansol escreve em algumas páginas de Onde Vais, Drama-poesia? essenciais para esta questão, uma 'matriz'».
«Regresso à ideia de há pouco: o futuro é uma origem, um estado (recuperável, mas distante) que o presente da civilização tende a esquecer, e que o texto recupera através de uma 'memória do esquecimento', a única criativa, diz Llansol. E essa origem, que a escrita busca trazer ao olhar, ao pensamento e aos sentidos, está no corpo que escreve – e depois, naquele que lê: e este é um pressuposto fundamental da questão, porque se o leitor não se aperceber da 'outridade' deste texto, do que lhe subjaz e aponta para além dele, então não valeu a pena ele ser escrito.
Que quer isto dizer? Pode querer dizer (como já sugeri) que teremos de rever as noções correntes de tempo (que não é cronológico e sequencial), de memória (que não é matéria a preservar, mas a decepar e transformar) e de futuro (que não é o que nos é prometido pelo mundo e pelos poderes como 'qualidade de vida' ou 'crescimento', mas o que ficou pelo caminho e precisa de ser reactivado – a 'restante vida', dirá Llansol)».
«Nesta escrita todo o tempo, todos os tempos, se reduzem (ou amplificam) à intensidade da sua vivência no presente – que aqui é o Lugar aonde vêm dar todos os passados, sob a forma de futuro. O futuro, no sentido corrente, é conjectura ou desejo, nostalgia, o que está fora do tempo experienciável pelo corpo. O futuro de Llansol é já agora, e o seu projecto de vida, vida escrita, está já inteiro no texto que vai escrevendo: ele é feito dos restos do Humano que ficaram por desabrochar, na grande História, na biografia e na vida comum. Esta é a forma do tempo que conta no texto de Llansol, que já designei como 'a memória selvagem de futuros possíveis e desejados'. Nesse contexto distingo três nomes e três momentos na Obra da autora, para essa mesma realidade móvel, virtual, dinâmica e projectiva a que agora chamo o futuro de onde vem o texto: no início, na fase das trilogias (os anos setenta e oitenta), esse espaço-tempo do reverso da História recebe o nome de Restante Vida (que não é a vida que nos resta viver, mas precisamente aquela que ainda não vivemos, 'um resto que tem a potência de agir', disse um dia a Maria Gabriela – mas nem sempre age); depois, a meio da vida e da Obra, nasce o espaço-tempo meta-histórico do espaço edénico (meta-histórico mas não metafísico nem mítico, porque se trata de um 'espaço edénico sem Éden'); e na última fase, a de livros como Amigo e Amiga e sobretudo Os Cantores de Leitura, a escrita transcende o quotidiano e transcende-se, na tentativa de captar o murmúrio do Ser e entrar no tempo do Há – simplificando, definiria o Há (um conceito da ontologia de Heidegger e da filosofia do tempo de Levinas) como um futuro que vem da origem do Ser e da infância, e que seria a forma mais radical de estar-aí, em estado de total des-possessão e na plena posse da faculdade do 'dom poético', que permite ver já o mundo como coisa estética, e não fonte e palco de conflitos».
«Se o texto de M. G. Llansol vem do futuro – e parece que assim é, a acreditar no que a sua escrevente por mais de uma vez diz –, o bom senso diz-nos que então ele terá de ser um desconhecido para nós, para qualquer um de nós, no presente em que vivemos e o lemos. E de facto assim é – ou parece ser.
Por mais que se leia, este texto foge-nos. E, ao mesmo tempo, estamos permanentemente a dar connosco nele, nas suas cenas mais ou menos fulgorizadas, nas suas situações quotidianas, nas evidências do mundo que não vemos e que ele nos põe diante dos olhos, na humanidade mais humana das suas figuras. É este o aparente paradoxo de que estamos a falar: este texto é o mais acabado exemplo do para-doxon, isto é, daquilo que passa ao lado, ou está fora da doxa, da opinião comum, do expectável, da mera superfície das coisas. Curiosamente, também poderíamos dizer que este texto vem de um futuro que sempre esteve e estará aí, mas que a maioria, com os sentidos embotados, pouco despertos ou adormecidos pelo ruído do mundo não vê, não sente, não intui. Porque a rotina e o hábito são mais fortes e geram uma inércia natural, que os aparelhos ideológicos que nos regem as vidas ainda intensificam mais. Para vermos o que este texto traz em si de futuro, que é afinal o que há de mais humano, precisamos de nos despir – de hábitos de leitura e de vida, de peconceitos, de uma visão antropocêntrica (limitada) do mundo, de uma inconsciente (mas não natural) sujeição a hierarquias.
Este texto vem do futuro porque, como ele próprio diz, 'nada ainda modificou o mundo', a História está em aberto (e as mais das vezes em regressão) e por isso precisamos de ser capazes de 'conceber um mundo humano que aqui viva, nestas paragens onde não há raízes...'
Estes são, para quem vem lendo Llansol, quase lugares-comuns (mas os lugares-comuns são também os lugares que insistentemente nos vêm lembrar algumas verdades) que temos de interrogar, como tantas vezes fazíamos antes, com a Maria Gabriela, ao perguntarmos: que quer o texto dizer quando diz...? Por exemplo: o que é isso de um mundo humano, ou mais humano? Por que foram 'estas paragens' (as nossas) amputadoras ou amputadas de raízes? E que raízes, vindas de que húmus do tempo? Dizer que 'nada ainda modificou o mundo' significa que continuamos à espera do futuro? Parece que sim.»
«Para concluir: o texto que vem do futuro é ainda, no caso de Llansol, o que o seu espólio – que estamos a editar – tem para nos revelar. De facto, há nos Livros de Horas que vão nascendo desse legado um duplo movimento: eles são constituídos por textos de um passado (os que nos foram deixados e nunca antes viram a luz dos olhos dos leitores), mas que estavam destinados a ser obra futura (póstuma) de quem os escreveu. Também neste sentido o texto mais actual de M. G. Llansol era matéria de futuro. Nos cadernos manuscritos do espólio, nas suas dezenas de milhar de páginas escritas ao fio dos dias e do corpo, está o livro por vir de Maria Gabriela Llansol.»
«É desse livro ainda desconhecido que provém a maior parte das passagens que vamos ouvir [no vídeo em baixo], em que a autora reflecte, muitas vezes pelo caminho das imagens, sobre a natureza, a singularidade e as supresas deste seu Texto infinito e desconhecido que ainda preencherá por muito tempo o futuro dos seus leitores. E a esses fragmentos inéditos juntou-se um texto de auto-reflexão (já publicado em 2011 no livro Sobreimpressões. Llansol e as Dobras da História), em que a Maria Gabriela nomeia esse lugar futuro, chamando-lhe 'o umbigo de Parasceve'. Aí se cruzam, nessa fórmula que expressa a visão de Llansol no início do novo milénio – estamos em 2002 –, os dois fios que fui seguindo para tratar este tema: o da origem e o da promessa ('parasceve' significa, no judaísmo, a véspera da festa, a promessa da aleluia e da ressurreição). Entendemos agora melhor que o futuro que o texto procura e oferece mais não é, provavelmente, do que qualquer coisa como a infância do mundo.»
Por mais que se leia, este texto foge-nos. E, ao mesmo tempo, estamos permanentemente a dar connosco nele, nas suas cenas mais ou menos fulgorizadas, nas suas situações quotidianas, nas evidências do mundo que não vemos e que ele nos põe diante dos olhos, na humanidade mais humana das suas figuras. É este o aparente paradoxo de que estamos a falar: este texto é o mais acabado exemplo do para-doxon, isto é, daquilo que passa ao lado, ou está fora da doxa, da opinião comum, do expectável, da mera superfície das coisas. Curiosamente, também poderíamos dizer que este texto vem de um futuro que sempre esteve e estará aí, mas que a maioria, com os sentidos embotados, pouco despertos ou adormecidos pelo ruído do mundo não vê, não sente, não intui. Porque a rotina e o hábito são mais fortes e geram uma inércia natural, que os aparelhos ideológicos que nos regem as vidas ainda intensificam mais. Para vermos o que este texto traz em si de futuro, que é afinal o que há de mais humano, precisamos de nos despir – de hábitos de leitura e de vida, de peconceitos, de uma visão antropocêntrica (limitada) do mundo, de uma inconsciente (mas não natural) sujeição a hierarquias.
Este texto vem do futuro porque, como ele próprio diz, 'nada ainda modificou o mundo', a História está em aberto (e as mais das vezes em regressão) e por isso precisamos de ser capazes de 'conceber um mundo humano que aqui viva, nestas paragens onde não há raízes...'
Estes são, para quem vem lendo Llansol, quase lugares-comuns (mas os lugares-comuns são também os lugares que insistentemente nos vêm lembrar algumas verdades) que temos de interrogar, como tantas vezes fazíamos antes, com a Maria Gabriela, ao perguntarmos: que quer o texto dizer quando diz...? Por exemplo: o que é isso de um mundo humano, ou mais humano? Por que foram 'estas paragens' (as nossas) amputadoras ou amputadas de raízes? E que raízes, vindas de que húmus do tempo? Dizer que 'nada ainda modificou o mundo' significa que continuamos à espera do futuro? Parece que sim.»
«Para concluir: o texto que vem do futuro é ainda, no caso de Llansol, o que o seu espólio – que estamos a editar – tem para nos revelar. De facto, há nos Livros de Horas que vão nascendo desse legado um duplo movimento: eles são constituídos por textos de um passado (os que nos foram deixados e nunca antes viram a luz dos olhos dos leitores), mas que estavam destinados a ser obra futura (póstuma) de quem os escreveu. Também neste sentido o texto mais actual de M. G. Llansol era matéria de futuro. Nos cadernos manuscritos do espólio, nas suas dezenas de milhar de páginas escritas ao fio dos dias e do corpo, está o livro por vir de Maria Gabriela Llansol.»
«É desse livro ainda desconhecido que provém a maior parte das passagens que vamos ouvir [no vídeo em baixo], em que a autora reflecte, muitas vezes pelo caminho das imagens, sobre a natureza, a singularidade e as supresas deste seu Texto infinito e desconhecido que ainda preencherá por muito tempo o futuro dos seus leitores. E a esses fragmentos inéditos juntou-se um texto de auto-reflexão (já publicado em 2011 no livro Sobreimpressões. Llansol e as Dobras da História), em que a Maria Gabriela nomeia esse lugar futuro, chamando-lhe 'o umbigo de Parasceve'. Aí se cruzam, nessa fórmula que expressa a visão de Llansol no início do novo milénio – estamos em 2002 –, os dois fios que fui seguindo para tratar este tema: o da origem e o da promessa ('parasceve' significa, no judaísmo, a véspera da festa, a promessa da aleluia e da ressurreição). Entendemos agora melhor que o futuro que o texto procura e oferece mais não é, provavelmente, do que qualquer coisa como a infância do mundo.»