AD LOCA LLANSOLIANA (1)
O meu país não é a minha língua,
mas levá-la-ei para aquele que encontrar.
M. G. Llansol, Um Falcão no Punho,
Herbais, 13 de Agosto de 1981)
Fátima Rolo Duarte, uma portuguesa inteligente emigrada/ exilada/ retirada na Bélgica (como Llansol entre 1965 e 1985), fez há dias o périplo dos lugares llansolianos nessas paragens – a cidade de Lovaina, a vila de Jodoigne, a aldeia de Herbais. Assim, por esta ordem, do grande para o pequeno, do urbano para o rural, do deserto social para o jardim selvagem que o pensamento permite, e que permitiu que aí se escrevesse uma parte substancial da Obra insituável de M. G. Llansol.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVeA78lQRP95rMLJP5Ag3DedRDJM5hpvsvF4YbedJxij3RUlzHbnHs0YXp-ATbx0Eu4t2ICd5PT19VZTVqHHNQI97F5254Y4esc-Fnv2hJr4aO6ZaUq4LLtgi7_99eeXTUhtLXe3FWv4gg/s400/1424416803_1c08f4787b.jpg)
A Fátima, que se interessa por tudo (quem navegar por este sítio facilmente constatará que assim é), mas é uma leitora desinteressada e sensível de Llansol (com isto quero dizer: que não persegue nenhum interesse particular, nem crítico, nem académico, nem de capela ou de culto, e se deixa apenas guiar na leitura por uma intuição certeira), colocou online uma sequência fotográfica daqueles três lugares, «entre Leuven e Herbais (...), seguindo pelas palavras dela [MGL] o rasto do silêncio que continua a ser silêncio. Tal e qual. Herbais parado num dia de sol e céu muito azul, português.»
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjfTlSg-D82BpRfgc5mifT_TgDyLrGfLPtuSG49hz8dtaYEOoEmftTLbI2ASwpXniJ0wP5drlZYL-br2G8nR7soxjgiXm_yWY9QIJv1WVqz5ioub9F-dMO9lod2Y61CZtPzLbPPs7km4Nx5/s400/1424411847_ef45dc6e31.jpg)
Vi as fotos – o link segue dentro de momentos – e recordei o meu próprio périplo, a peregrinatio ad loca llansoliana de há três anos, sob um céu menos luminoso, num frio mês de Dezembro. Nas fotos da Fátima apercebo-me de pormenores que o olho da máquina foi captando e que reconstituem bem o olhar de Llansol sobre a Bélgica, fixado nos Diários e em O Senhor de Herbais: as sombras e os pormenores das casas, o hibridismo de espaços rurais já com tintas urbanas, os campos e a terra fria e plana, o recorte da meia dúzia de casas de Herbais no horizonte, uma ilha cheia de histórias mesquinhas que se repetem há séculos, a mancha do bosque (sombrio, como a alma de Llansol em alguns desses anos de desterro, e que só a escrita obsessiva e a dobra para dentro pôde iluminar), as empenas cegas ou em escada, e o tijolo, muito tijolo, quase só tijolo com ar sólido a prometer eternidade àquelas casas, pequenas e grandes, de campo e vila e cidade, e todas burguesas, dessa Bèlgica de ontem e de hoje, de que Llansol manteve sempre distância e que lhe serviu quase só de mata-borrão que ia absorvendo a «sobreimpressão» de uma língua levada de cá e de estranhas figuras descobertas lá, nesse pequeno mundo aparentemente tranquilo, mas dominado por ressentimentos. Com muito silêncio em volta.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-uzLR-cgk1I0oT_ab_ZoIhORYk6eXpFyQZkg9ca2ifQ9Si2lVr7COivdjpUmbtmoh7sAqPOvGMIdD6TjdBMZsIIz9Bon27jjJRPKxLXsdvzWX_YM01mYmYIBgTOb8pAosT9_Lsr74wXMR/s400/1424417835_209a4c59fe.jpg)
Da distância, a Fátima fala desta perseguição de imagens e põe, como Llansol antes, o dedo sobre essa ferida dos estrangeirados e exilados, que não é saudade de «pátria» nenhuma, mas uma tristeza e um mal-estar pintados de indiferença e alguma ira: «... adorei andar à caça dos passos da escritora. Apanhei um dia de sol lindo, e conforme ia recordando O Senhor de Herbais, partes que sei quase de cor, ia olhando e vendo para crer. Um filme e um mind map. Muito bonita a descida para o silêncio em Herbais, e depois isso de que me fala. As sombras e o contraste com a escrita da Llansol que, a meus olhos, vibra e é luminosa, tão densa como leve, as palavras bailam, não é fácil de ler mas não se pode dizer que seja difícil. Para dizer a verdade, sempre a achei inqualificável. Não a sei arrumar na estante: está à parte.
(...) Lembrei-me, enquanto ia por ali fora, como seria interessante e útil ter um documentário cuja répérage fiz parcialmente. Mas aí em Portugal é difícil aceitarem coisas vindas de ninguém, como eu me sinto ninguém quando tenho de falar com Portugal. Mais facilmente vendo a ideia ao canal Arte. Portugal desertifica-se e daqui vejo o meu país eufórico com nada.»
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTBGbvJaGPIGTekG_pYGp-33OdjFMJsbOvtRgwwSmJszowV-62uiWmkUmObN4YY8XpJzWvlClHslcrfCg-lWoABC0aS9_yq7FLj4XuexESrrU5KcZQsT2yLUoD6rGk3jS9rS9-od1bnq4k/s400/1425296836_44f757172a.jpg)
Há textos de Maria Gabriela Llansol que dizem coisas parecidas. Vários, espalhados por livros publicados (escolheremos alguns para acompanhar uma próxima peregrinatio fotográfica a estes e outros lugares do Brabante que viram nascer a escrita de Llansol) e pelas muitas dezenas de cadernos manuscritos que um dia talvez possam ver a luz do dia em letra impressa. Como o fragmento que publicámos em Agosto aqui.
E agora a ligação às fotos da Fátima Rolo Duarte, que podem ser vistas aqui.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVeA78lQRP95rMLJP5Ag3DedRDJM5hpvsvF4YbedJxij3RUlzHbnHs0YXp-ATbx0Eu4t2ICd5PT19VZTVqHHNQI97F5254Y4esc-Fnv2hJr4aO6ZaUq4LLtgi7_99eeXTUhtLXe3FWv4gg/s400/1424416803_1c08f4787b.jpg)
A Fátima, que se interessa por tudo (quem navegar por este sítio facilmente constatará que assim é), mas é uma leitora desinteressada e sensível de Llansol (com isto quero dizer: que não persegue nenhum interesse particular, nem crítico, nem académico, nem de capela ou de culto, e se deixa apenas guiar na leitura por uma intuição certeira), colocou online uma sequência fotográfica daqueles três lugares, «entre Leuven e Herbais (...), seguindo pelas palavras dela [MGL] o rasto do silêncio que continua a ser silêncio. Tal e qual. Herbais parado num dia de sol e céu muito azul, português.»
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjfTlSg-D82BpRfgc5mifT_TgDyLrGfLPtuSG49hz8dtaYEOoEmftTLbI2ASwpXniJ0wP5drlZYL-br2G8nR7soxjgiXm_yWY9QIJv1WVqz5ioub9F-dMO9lod2Y61CZtPzLbPPs7km4Nx5/s400/1424411847_ef45dc6e31.jpg)
Vi as fotos – o link segue dentro de momentos – e recordei o meu próprio périplo, a peregrinatio ad loca llansoliana de há três anos, sob um céu menos luminoso, num frio mês de Dezembro. Nas fotos da Fátima apercebo-me de pormenores que o olho da máquina foi captando e que reconstituem bem o olhar de Llansol sobre a Bélgica, fixado nos Diários e em O Senhor de Herbais: as sombras e os pormenores das casas, o hibridismo de espaços rurais já com tintas urbanas, os campos e a terra fria e plana, o recorte da meia dúzia de casas de Herbais no horizonte, uma ilha cheia de histórias mesquinhas que se repetem há séculos, a mancha do bosque (sombrio, como a alma de Llansol em alguns desses anos de desterro, e que só a escrita obsessiva e a dobra para dentro pôde iluminar), as empenas cegas ou em escada, e o tijolo, muito tijolo, quase só tijolo com ar sólido a prometer eternidade àquelas casas, pequenas e grandes, de campo e vila e cidade, e todas burguesas, dessa Bèlgica de ontem e de hoje, de que Llansol manteve sempre distância e que lhe serviu quase só de mata-borrão que ia absorvendo a «sobreimpressão» de uma língua levada de cá e de estranhas figuras descobertas lá, nesse pequeno mundo aparentemente tranquilo, mas dominado por ressentimentos. Com muito silêncio em volta.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-uzLR-cgk1I0oT_ab_ZoIhORYk6eXpFyQZkg9ca2ifQ9Si2lVr7COivdjpUmbtmoh7sAqPOvGMIdD6TjdBMZsIIz9Bon27jjJRPKxLXsdvzWX_YM01mYmYIBgTOb8pAosT9_Lsr74wXMR/s400/1424417835_209a4c59fe.jpg)
Da distância, a Fátima fala desta perseguição de imagens e põe, como Llansol antes, o dedo sobre essa ferida dos estrangeirados e exilados, que não é saudade de «pátria» nenhuma, mas uma tristeza e um mal-estar pintados de indiferença e alguma ira: «... adorei andar à caça dos passos da escritora. Apanhei um dia de sol lindo, e conforme ia recordando O Senhor de Herbais, partes que sei quase de cor, ia olhando e vendo para crer. Um filme e um mind map. Muito bonita a descida para o silêncio em Herbais, e depois isso de que me fala. As sombras e o contraste com a escrita da Llansol que, a meus olhos, vibra e é luminosa, tão densa como leve, as palavras bailam, não é fácil de ler mas não se pode dizer que seja difícil. Para dizer a verdade, sempre a achei inqualificável. Não a sei arrumar na estante: está à parte.
(...) Lembrei-me, enquanto ia por ali fora, como seria interessante e útil ter um documentário cuja répérage fiz parcialmente. Mas aí em Portugal é difícil aceitarem coisas vindas de ninguém, como eu me sinto ninguém quando tenho de falar com Portugal. Mais facilmente vendo a ideia ao canal Arte. Portugal desertifica-se e daqui vejo o meu país eufórico com nada.»
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTBGbvJaGPIGTekG_pYGp-33OdjFMJsbOvtRgwwSmJszowV-62uiWmkUmObN4YY8XpJzWvlClHslcrfCg-lWoABC0aS9_yq7FLj4XuexESrrU5KcZQsT2yLUoD6rGk3jS9rS9-od1bnq4k/s400/1425296836_44f757172a.jpg)
Há textos de Maria Gabriela Llansol que dizem coisas parecidas. Vários, espalhados por livros publicados (escolheremos alguns para acompanhar uma próxima peregrinatio fotográfica a estes e outros lugares do Brabante que viram nascer a escrita de Llansol) e pelas muitas dezenas de cadernos manuscritos que um dia talvez possam ver a luz do dia em letra impressa. Como o fragmento que publicámos em Agosto aqui.
E agora a ligação às fotos da Fátima Rolo Duarte, que podem ser vistas aqui.
J. B. (com F.R.D.)