13.10.24

OS PRIMEIROS CONTOS DE LLANSOL

Regressámos no sábado aos anos (portugueses) da adolescência e juventude de Maria Gabriela Llansol (os anos quarenta e cinquenta do século passado), com a apresentação dos seus primeiros contos: «O Timbre da Estrela. Contos Juvenis (1942-1957). A Profª Paula Morão contextualizou esses anos de formação, e já de criação, de Maria Gabriela Llansol, traçando algumas rotas de leituras que poderão também ter sido os da nossa autora, nomeadamente de literatura para a infância e juventude então em voga entre nós, e relacionando também estes primeiros contos com outros autores (José Rodrigues Miguéis), e sobretudo autoras portuguesas como Irene Lisboa, Maria Judite de Carvalho ou Fernanda de Castro.

A exposição de materiais do espólio deu a ver muitos dos originais manuscritos desses primeiros contos, e também as fotografias de Maria Gabriela nesses anos, existentes no arquivo fotográfico do Espaço Llansol.

As actrizes Eva Dória e Anita Ribeiro estiveram uma vez mais connosco, lendo alguns contos do livro agora publicado, que se podem ouvir clicando no link : https://vimeo.com/1019100326

[Sequência da leitura:
1 - O Pintor sobre o Abismo (Eva Dória)
2 - Cérebro e Coração (Anita Ribeiro)
3 - O Burrinho do Sr. Ministro (Eva Dória)
4 - Rapariga Inquieta (Anita Ribeiro) ]

11.10.24

OS ROSTOS DA PAISAGEM

XV JORNADAS LLANSOLIANAS

As XV Jornadas Llansolianas acontecem este ano nos dias 26 e 27 de Outubro, e o tema, amplo e diverso na Obra de Maria Gabriela Llansol, é: «Os Rostos da Paisagem».

As intervenções e apresentações (de videos) cobrem também um largo espectro de saberes e fazeres, como se pode ver pelo Programa que aqui damos a conhecer.


Como sempre, teremos um Caderno que documenta o tema, com textos de M. G. Llansol e um extratexto que mostra alguns dos lugares das suas paisagens (exteriores e interiores), e teremos oportunidade de ver vários videos que, cada um a seu modo, abordam de forma viva diversos «rostos da paisagem», com claras ligações com o universo llansoliano.



28.9.24

 LLANSOL: AS ORIGENS DA ESCRITA

No próximo dia 12 de Outubro, pelas 16 horas, apresentaremos um novo livro da nossa colecção «Rio da Escrita»: «O Timbre da Estrela»: Contos juvenis (1942-1957). A Profª Paula Morão comentará estes primeiros contos de Maria Gabriela Llansol, as actrizes Eva Dória e Anita Ribeiro lerão alguns deles, e teremos uma exposição dos originais e outros materiais do espólio.


17.9.24

 «O TEXTO VIVO»

Prémio para jovens artistas

O Júri do PRÉMIO MILLENIUM BCP / FOLIO MAIS (formado por João Barrento e Maria Helena Vieira , do Espaço Llansol, e Lígia Afonso, professora da ESAD das Caldas da Rainha), instituído para jovens artistas e inspirado na Obra de Maria Gabriela Llansol (concretamente no lema «Concebe um mundo humano que aqui viva») escolheu como vencedor entre os dezassete projectos apresentados a instalação «Baía do Ar», da artista Juju Bento, que será inaugurada no Centro de Design de Interiores-CDI de Óbidos no dia da abertura do Festival FOLIO, 10 de Outubro pelas 18h30.


A maquete do projecto

O projecto (de que se apresenta em cima uma antevisão) parte de um jogo de palavras de M. G. Llansol no livro Lisboaleipzig, em que transforma o nome da última localidade onde viveu no exílio belga – Herbais, a sua cápsula de silêncio e de escrita – em Air baie, Baía do Ar na versão portuguesa da artista (e da escritora, que acrescenta como alternativa: A baga do ar). Estamos perante um original projecto «pneumatológico», em que se sente a respiração do Texto de Llansol, a «condição aérea» do «ser-se atmosférico» com o envolvimento do silêncio. A ideia de fundo e a sua transposição visual faz todo o sentido, e tem uma ligação clara e pertinente com o Texto Vivo (aquele que respira). A artista leu bem a sua Llansol, e formula as ideias do projecto sem perder de vista esta referência, com uma capacidade de escrita invulgar hoje. Reflecte também uma experiência voltada para a interioridade, uma vez mais marcadamente llansoliana. Como a autora diz, trata-se de «ouvir a minha própria respiração numa melodia privada e única» – na instalação de Juju Bento também através de headphones disponíveis que criam... silêncio!

16.9.24

A MÚSICA OCULTA DO MUNDO

Rilke e Llansol

Na reabertura das actividades públicas do Espaço Llansol, falámos no passado sábado da presença de Rilke no universo de escrita e de leituras de Maria Gabriela Llansol. Diogo Dória leu alguns dos poemas franceses na tradução de Llansol (na selecção que intitulou Frutos e Apontamentos), Anita Ribeiro e Eva Dória deram-nos a sua leitura de fragmentos da terceira edição do livro de Rilke Notas sobre a Melodia das Coisas (Ed. Alambique), e ouvimos ainda, em gravação, parte da Oitava Elegia de Rilke lida por João Barrento (na tradução que ofereceu a Maria Gabriela em 2003); e, a fechar a sessão, o segundo andamento da Pastoral de Beethoven, para tentarmos captar nas suas notas a música perdida do mundo de que fala Rilke.

João Barrento comentou largamente a relação de Llansol com a Obra de Rilke a partir de 1966, e destacou em especial os evidentes paralelos de muita da sua escrita com as propostas de Rilke nas suas Notas... Deixamos aqui, para quem não pôde estar presente, a síntese que se pode ler na introdução ao Caderno que acompanhou esta sessão.

A relação, e algum fascínio, de Maria Gabriela Llansol com a Obra de Rilke vem já dos anos do exílio belga (vd. as anotações em Finita, sobre a Correspondência e os Diários), intensifica-se mais tarde, durante a fase de tradução dos poemas franceses, que resulta no volume Frutos e Apontamentos (Relógio d'Água, 1996), e regressa nos últimos anos, com Rilke como um dos muitos compagnons de route (e de escrita e pensamento), entre Onde Vais, Drama-Poesia? e o livro final, Os Cantores de Leitura. Este caderno documenta esse percurso, e é possível descobrir nele um filão que hoje nos interessa particularmente, no momento em que sai a terceira edição portuguesa desse fascinante «ensaio» (melhor, conjunto de fragmentos) de Rilke que evidencia de forma muito clara reveladores paralelos com Llansol. De facto, as Notas... de Rilke propõem, como Maria Gabriela, uma leitura do mundo em sobreimpressão, em dobra e a contrapelo dos olhares mais correntes sobre as coisas – que, olhando-as, não as vêem, incapazes que são de ver e compreender essa grande melodia que explica também a noção do Aberto da Oitava Elegia de Duíno, que Maria Gabriela Llansol tanto admira e tanta vez comenta. 

A flagrante actualidade (e necessidade) destas Notas... de Rilke reside, paradoxalmente, na sua evidente inactualidade. Poucos seguem hoje por estes atalhos, que abrem perspectivas que o modo actual de «estar aí» não conhece. As Notas... são uma pequena partitura – que fala sem palavras e não precisa de maestro – para escutar a música oculta do mundo, algo que também Llansol bem conhece e explora na sua escrita. Já em Fevereiro de 1977, na Bélgica, anota: «A prosa de Rilke foi-nos deixada: 'O Homem... está posto entre as coisas como uma coisa, infinitamente só, e toda a comunidade se retirou das coisas e dos homens, para a profundeza comum onde crescem as raízes de tudo o que crê'».

Há, para ambos, qualquer coisa que, nas coisas, fala de um fundo ou da distância, e exige ouvidos e olhos disponíveis e atentos: é o fio do entresser, a mais-paisagem, o sopro do Há que tudo envolve (podia também ser a aura de Walter Benjamin, uma qualquer origem aparentemente inatingível, mas a que podemos chegar seguindo vestígios concretos, «o aparecimento único de algo distante, por muito perto que esteja», a resposta das coisas ao olhar...). Em Llansol, a melodia de Rilke é ainda o brumor vago e envolvente da lonjura, que todos poderiam ouvir, mas só alguns captam. Do mesmo modo, se fôssemos árvores (e de facto somos árvores, plantadas no húmus do tempo e da memória!), já poucos saberiam que têm uma raiz. Basta-lhes a dança frenética dos dias e o rumorejar da folhagem – o que há de mais caduco e exterior, na árvore e nos humanos.

Em Rilke, o outro nome da «melodia das coisas» é o Aberto, o «vazio sem negação» da Oitava Elegia, que o animal capta, mas nós somos incapazes de aperceber e preencher. O Aberto, dirá Llansol, é uma espécie de lugar «fora do tempo», um «ponto voraz» que atrai só alguns e exige uma «mudança qualitativa do tempo». Esses formam, no Texto de Llansol, a comunidade dos «absolutamente sós». Também o Rilke das Notas imagina uma tal comunidade: o fio condutor da sua reflexão é o da busca de uma explicação, ou intuição, dos elos que ligam o infinitamente pequeno ao infinitamente grande, o particular ao universal, o indivíduo ao cosmos, o uno ao múltiplo – ou, como também em M. G. Llansol na sua «comunidade do sem», a busca dos veios de ligação entre as vozes singulares e a grande melodia de fundo, que permite o acesso às raízes perdidas. É, afinal, também esta a melodia que atravessa o último livro que publicou em vida, Os Cantores de Leitura. E que, como no Rilke d' O Livro das Imagens (e em tanta figura llansoliana: Eckhart, Spinoza, os místicos...), permite superar a «clivagem dos reinos» e desempenhar melhor o nosso papel no grande palco do mundo, para lá do império do ruído, do absurdo da guerra, do vazio de sentido. Saberíamos assim talvez, como Maria Gabriela Llansol, que afinal não estamos sós, se soubermos ouvir a melodia da «palavra no silêncio a crescer».


       A exposição de materiais do espólio


As leituras: por Diogo Dória, Anita Ribeiro e Eva Dória

 A sala


João Barrento lê da Oitava Elegia de Duíno
(Clique no link abaixo para ouvir)

5.9.24

A MELODIA DAS COISAS:

RILKE E(M) LLANSOL

No sábado, 14 de Setembro, pelas 16h, retomamos as nossas actividades públicas com uma sessão sobre a presença do poeta Rainer Maria Rilke na escrita de Maria Gabriela Llansol, desde os primeiros anos do exílio belga. E associamos o perfil de Rilke em Llansol (que também traduziu os seus poemas franceses: vd. Frutos e Apontamentos, Relógio d'Água, 1996) à terceira edição portuguesa, acabada de sair, de um fascinante «ensaio» (melhor, conjunto de fragmentos) do poeta, que evidencia de forma muito clara reveladores paralelos com Llansol: as Notas sobre a Melodia das Coisas (de 1898, agora na Editora Alambique), que propõe, como Maria Gabriela, uma leitura do mundo em sobreimpressãoem dobra e a contrapelo dos olhares mais correntes sobre as coisas  –  que,  olhando-as,  não as vêem, incapazes que são de ver e compreender essa grande melodia que explica também a noção do Aberto da Oitava Elegia de Duíno, que Maria Gabriela Llansol tanto admira e tanta vez comenta.


Com a presença dos editores das Notas... e leituras de poemas de Rilke em tradução de Llansol (por Diogo Dória) e de fragmentos das Notas sobre a Melodia das Coisas (pelas jovens actrizes Eva Dória e Anita Ribeiro). Estarão disponíveis o livro de Rilke e o habitual «Caderno de Tejo-Rio» sobre o tema.

4.9.24

LLANSOL EM ESPANHA

Um conto de Maria Gabriela Llansol, do conjunto intitulado «O Estorvo», e incluído no livro Depois de Os Pregos na Erva (Afrontamento, 1973; e mais tarde em Cantileno, Relógio d'Água, 2001), acaba de ser publicado em versão castelhana no blog OXI-nobstante. Trata-se do conto «Os humildes», em tradução de Mario Grande, e pode ser lido clicando no link : 

https://oxi-nobstante.blogspot.com/2024/09/los-humildes-gabriela-llansol.html?m=1

22.7.24

 «O TEXTO VIVO»

Concurso de artes visuais inspirado na Obra de 

Maria Gabriela Llansol






Mais informação (Regulamento e candidaturas) em: https://www.premiootextovivo.com

17.7.24

OS DIÁRIOS DE LLANSOL

EDIÇÃO AMERICANA

Acaba de sair em livro (a versão e-book já estava disponível antes) mais uma edição de Maria Gabriela Llansol em inglês: A Thousand Thoughts in Flight (Editora Deep Vellum, Dallas-Texas), que reune os três diários publicados em vida pela Autora (Um Falcão no Punho, Finita e Inquérito às Quatro Confidências), uma nova tradução de Audrey Young, que já traduziu para a mesma editora a primeira trilogia, The Geography of Rebels, saído em 2018.

[A edição está disponível no site da editora (store.deepvellum.org), da Amazon e da Bookshop].

Esta edição dos Diários é acompanhada por um texto de João Barrento sobre a escrita do Diário em Llansol, que aqui se deixa na versão agora publicada:

LLANSOL: THE UNENDING DIARY

            

A reflection on the practice and place of Maria Gabriela Llansol’s diary writing—the nature, structure, and content of her diaries, as well as their connection with the rest of her work—inevitably leads to something like a general theory of Llansol’s writing. It is often thought that the diaries might be a good entry point into her work, and for more than one reason. Indeed, the pieces published here are not substantially different from much of the rest of her work and the distinctive hybridity of her writing. Her diaries (a microcosm of her entire body of work) give us immediate access to the modes of writing specific to that work. And as we know so well today, all of Llansol’s works originated in the uninterrupted diaries that are her writing notebooks, which are thus conceived as part of a sequence that she herself saw as a single, uninterrupted book.

            But in order to truly understand this aspect of her writing, it is essential to identify what may be a paradox, one I will endeavor to elucidate as I proceed: although Llansol was a writer who kept diaries, her writing is not “diary writing” in the most conventional sense of the term and “genre.” The diaries published during her lifetime—the three you find here—are never simply circumstantial accounts; they were osmotic diaries: their genesis, their development, and their final form are inseparable from Llansol’s other books, which always accompany them and are interwoven with them. And this osmosis becomes even more apparent in the posthumous diaries now being published in Portuguese—the “Books of Hours”—in which the great constellations of her work are all present. The handwritten notebooks where everything is conceived indeed form a rhizomatic network of boundless entries, from the reflective to the informative, from the introspective to the critical, from the contemplative to the ironic, from the properly “diaristic” to the fictional, from simple lists to records of dreams, all of which are present in them since the late 1960s. The handwritten notebook thus becomes the true seminal place and the original chaos out of which emerges all of Llansol’s writing, her thinking, the ethics and aesthetics that inform this work, often in its final form. When speaking about this unending diary that is her day-to-day writing in the notebooks—singular and diverse and with no immediate purpose—Llansol often mentions that it is a question of privileging the compulsion to write and the unpredictable outcome of the transit from notebook to book, along pathways that the published diaries allow us to better understand.            

The decision to “create readable volumes” out of the diaries using her handwritten, numbered and dated notebooks, which since 1974 accompanied the passing of her days and the genesis of her books in a disparate but insistent way, emerged during the final phase of her twenty-year exile in Belgium. But the writing in these notebooks (like that in the three diaries presented here) was never undertaken by Llansol in a systematic way or with any definite purpose, apart from certain stages during the intense preparation of specific books, when there is a greater degree of discipline in the diary entries, and even a rigorous planning of the structure of the work—although it is never seen as definitive, as is evident from the titles, which frequently change. The inherently fragmentary, non-narrative, and non-sequential nature of this writing means that there are no essential differences between the “storehouse”—impressions, images, visions, readings—of the notebooks and the rhizome of the books. Her writing is singular and diverse, a way of “absorbing the experience of time,” of all the times, tonalities, and gradations of the boundless experience of an author with multiple registers, ever-mutating, always different, and yet very similar.

But what exactly is a diary by Llansol, a diary for Llansol? In the first posthumous Book of Hours, we come across a striking sentence: “Good writers keep bad diaries.” The distinction drawn is between “writing well” and not wanting to write “well,” the decision to write outside the norm, as is the case with Llansol when she arrives at the great inflection point in her writing: between orderly, defensive writing and a writing that takes risks; and it can also mean contrasting the “writer” (author[ity]) with someone who simply writes (the “writing being”), transforming body and world into writing as the days elapse—this is the diary for Llansol, day-to-day writing, not necessarily following the most common rules of the diary genre. Writing seen as “the double of living,” always more attentive to the “folds of the world” than to the circumstances of the days, which can transport us into a bright, fragrant, musical atmosphere, as well as a dark, heavy or acrid one—but never into an artificial space. The function of the diary for Llansol is thus to be a mirror of the fragmentary dynamism of the world and of the “I” (as in any of her books). Of the world refracted through the filter of an “I,” of course, but an “I” that prefers to become a we, to shift into the third person, to become impersonal, clearing away the excess of oneself, even when saying “I.” Because “a diary can be more objective than a personal life.”

            In its unstable and hybrid typology, in its polyphony of voices, the diary for Llansol is neither a circumstantial account, nor an archive of memories, nor (merely) a writing workshop or a breviary of reflections—it is all of these things, just as it is pure autobiography with a total rejection of the autobiographical. Because the “I” that speaks always does so in the name of “an absolute and subjectless speaking” (as the great essayist Eduardo Lourenço once wrote).        

The gaze upon the world—the small and the large, the inner and the outer, the visible and the invisible—of someone who writes in this way, explains the paradoxical statement above: Llansol is not a writer of diaries, yet she did nothing else all her life other than write a diary! It is the gaze of someone who, by immersing herself in the most enigmatic and incandescent aspects of the everyday, knows that this everyday—one of common experiences, of reading, of small and large gestures and epiphanies—can transport us outside the narrowest orbit of existence. It is the “dog’s eye” that Llansol speaks of in Inquiry into the Four Confidences, which, as has been said, is a gaze “that seeks the light which emerges somewhere between the ethics of responsibility, the uncompromising pursuit of beauty, and the soaring, just expression.” There it is: the perfect radiographic image of Maria Gabriela Llansol’s singular and unending diary-book.

8.7.24

 BORDAR (COM) LLANSOL

                                                João Barrento, com D. Joaquina Oliveira e Lúcia Nunes

A tarde do passado sábado começou – depois da contemplação dos bordados do Grupo por quem ia entrando – com a projecção de um video em que eles eram mostrados numa sequência que permitia acompanhar as frases de Llansol que continham e inegrá-los num «encontro inesperado do diverso»: textos e desenhos, bordados e música.

Pode ver-se já esse video clicando no link: https://vimeo.com/980449763

A sesão decorreu em três momentos. 

I - Lúcia Nunes, coordenadora do «Grupo de Tricô e croché» de Campo de Ourique, começou por fazer (com D. Joaquina Oliveira), a apresentação do trabalho das bordadoras, o espírito da «comunidade sem regra» que as une, e que nasceu há poucos anos na associação do bairro «Padaria do Povo». É um grupo que reune aprendizes e mestras do bordado, dos 7 aos 100 anos, e com um espectro de interesses que vai muito além dos fios bordados que as unem (tal como Llansol, partindo da escrita, ia muito para além dela):  da vida quotidiana à entreajuda e à própria política, no sentido mais amplo do termo.

II - Num segundo momento, João Barrento ensaiou uma introdução ao pensamento de Llansol a partir das frases bordadas, fornecendo assim uma entrada nesse mundo a quem ainda não está familiarizado com ele, como era o caso de muitas das bordadoras e dos amigos e familiares que as acompanhavam. Deixamos aqui o resumo desses comentários.

                                                A exposição dos trabalhos do Grupo

1. Começamos por um primeiro núcleo de textos que dão uma entrada, ainda dispersa, nesse universo e na visão do mundo de Llansol, a partir de interrogações sobre a finalidade de existir – e o não-sentido do mundo:

 

«Nada ainda modificou o mundo».

As respostas a esta constatação assentam todas num «Sim, mas...».

Porque:

a) Toda a mudança é sempre provisória («Todo o mundo é feito de mudança») – e acontece sobre um fundo humano indefinível, sempre igual nas suas variações, mas sempre surpreendente. O mundo não é (o que está aí – onde?): «Nada é, tudo está sendo» e «Existe o mundo e a Restante Vida». E ainda: «Tudo o que é existe em dobra»: há sempre o outro lado, que tanto pode ser o da capacidade intuitiva de ver para além da superfície das coisas como o da existência nas margens.

b) Por isso Llansol conclui: «Não sei dizer o que é um ser humano».

E no entanto, não se desiste da busca: «Ando à procura de um final feliz» e sei que existe «A misteriosa glória de viver»! E nisto não há, nem pessimismo existencial, nem utopias idealistas! É simplesmente a busca do diferente, do que sabemos existir, mas não está à vista.

c) Esta consciência de que há um «sentido de possibilidade(s)» para lá do «sentido de realidade» (a realidade do mundo dos poderes, da opressão, da exclusão, do «gregário»= social nas suas piores manifestações e manipulações) — essa consciência de que há mais mundos leva-nos a frases como: «Nós herdámos as margens», podemos ser habitantes de uma outra vontade de agir, dar vida aos «restos actuantes» que constituem o cerne de uma possível Restante Vida.

Escolhendo as margens, sabemos que andamos «Em busca da troca verdadeira» (diferente do valor de troca mercantil que é a lei máxima do «mundo»), na senda de um «pensamento verdadeiro», que Llansol aprende com o filósofo Spinoza e a sua Ética.

Sabemos então que tudo é vão e tudo vale a pena (a velha máxima do memento mori e do carpe diem), que «Somos ventos e sementes, trajectos e fragmentos» (esta frase, presente num caderno de pano de uma das bordadoras, a Teresa Nunes, é todo um tratado!): ventos que vêm da História e nos moldam ou condicionam; sementes de outros futuros possíveis, trajectos que escolhemos como nosso destino (é a filosofia do amor fati [amor do destino] de Nietzsche, toda uma arte de viver) e meros fragmentos de um Todo inapreensível, de uma outra ideia de mundo, esse «desconhecido que nos acompanha». Aí sabemos que a diversidade do mundo nos leva à descoberta do «belo [que] é o encontro inesperado do diverso» (como hoje, nestes trabalhos que se cruzam com textos e desenhos de Llansol). Então talvez habitemos um «quarto musical e sem janelas» – que no entanto (talvez porque é musical) nos oferece a vista da paisagem (como Llansol a entende), que é aquilo que o olhar livre vê, muito diferente dos territórios = aquilo que o olho dos poderes cobiça e toma por seu (a verdadeira essência do «mundo» humano naquilo que ele tem de pior – e que hoje está novamente à vista em todo o mundo!).

Quem toma consciência destes modos alternativos de estar no mundo (melhor, fora dele) e escreve, como é o caso aqui, sabe que «Escrever é o duplo de viver» – mas não o simples espelho cego da minha biografia! A existência (o «viver») pode ser muito mais ampla. Se seguirmos por estes caminhos, parece dizer-nos Maria Gabriela Llansol, seremos mais sábios do que com tudo o que nos queiram vender todos os influencers deste mundo e do outro (aí, de facto, nunca sabemos bem onde e com quem estamos, sabemos apenas que estamos a ser manipulados!).

Seguindo pela Restante Vida, «um mais saber [um saber-outro] há-de subir à voz», e saberemos que a obsessão com o egocentrismo nos escraviza, e que o saber escutar o outro, ler o seu rosto, nos liberta: «Quem sou? é pergunta de escravo»; «Quem me chama? é pergunta de homem livre».

 

2. Um segundo núcleo de frases, mais directamente ligado ao tema de hoje, é o da ligação e interacção entre escrita (e leitura) – bordado – desenho: a base dos trabalhos aqui apresentados.

Por estes caminhos de ligações não perigosas mas cheias de surpresas, «ler [ou bordar] é nunca chegar ao fim de um livro», ou de uma meada, é um novelo sem fim... Da escrita ao bordado não há barreiras, traduz-se uma linguagem noutra («Da escrita ao bordado, traduzindo...», diz a frase de Llansol).

Com esta convivência entre bordado, leitura, escrita e desenho, «O tecido tem luz própria», a «Bordadora de texto» (Llansol e todas as mulheres deste Grupo de Campo de Ourique) «escreve os bordados»...

Sobre esta matéria pode ler-se muito mais no Caderno A Bordadora de Texto, que vem de uma sessão anterior, e que agora reimprimimos.

III - Finalmente, algumas das bordadoras do Grupo fizeram uma Leitura de fragmentos de Maria Gabriela Llansol sobre as ligações entre bordado, escrita, desenho e vida, incluídos no desdobrável que os que vieram puderam levar consigo, em que figuram também os bordados expostos e os nomes das mulheres autoras desses trabalhos.