27.10.25

 XVI JORNADAS LLANSOLIANAS:

A CASA E AS CASAS DE LLANSOL


No passado sábado o Espaço Llansol vibrou de presenças, novos rostos, pensamento e beleza. O tema destas Jornadas, abordado das mais diversas perspectivas pelas intervenções da manhã e da tarde foi uma semente que desabrochou sob múltiplas formas a partir do terreno comum dos textos de Maria Gabriela Llansol onde a casa se revela como Lugar/Espaço/Atmosfera decisivos na sua vida e na sua escrita, na sua vida-de-escrita. 

O tema da Casa insere-se, aliás, num ciclo de matérias afins que vimos tratando há anos nas nossas Jornadas Llansolianas: agora a Casa, em 2024 a Paisagem, em 2023 os Animais, e em 2022, os Jardins. Todos eles componentes essenciais do espaço envolvente e envolvido da Casa e do Corpo que nela se move – e escreve. É o que transparece da selecção de textos de Llansol sobre a realidade e a ideia da Casa no habitual caderno que documenta o tema, organizado em três secções: I - A Luz de uma Casa; II - As casas de uma vida; III - As casas figurais, ou Casas da imaginação e da memória. E também na exposição com materiais do espólio – fotos, textos manuscritos, livros – que sempre acompanha os nossos eventos públicos.

O Caderno


As intervenções das nossas convidadas distribuíram-se por duas «Mesas», a da manhã moderada por Teresa Cadete e com participação de João Barrento, Maria Filomena Molder e Nieves Neira Roca (poeta e jornalista de Lugo, já conhecida dos frequentadores do Espaço Llansol desde 2019).

João Barrento traçou uma perspectiva global da temática da Casa, associando Llansol a outros nomes que pensaram/escreveram a Casa, como o «segundo Wittgenstein» (através da sua leitura por Maria Filomena Molder em A Arquitectura é um Gesto. Variações sobre um motivo wittgensteiniano), Emanuele Coccia (no seu recente livro La Folosofia della Casa), Walter Benjamin e Gaston Bachelard, o arquitecto Mies van der Rohe e o seu «deus da casa». Em Llansol, acentuou a vastidão de sentidos que a casa assume, a casa como mundo contra o mundo, existindo sempre, como tudo para Llansol, «em dobra», numa terceira dimensão. A casa, contrariamente à grande tradição do romance realista, é aqui, como o próprio Texto, «lugar que viaja», uma alegoria de mundos-outros em que cada pormenor – espaços, objectos, animais, plantas — é amplificado para permitir tais viagens da imaginação. A Casa e as casas de Llansol são, finalmente, desde os primeiros contos e diários da adolescência, o lugar por excelência do exílio interior que possibilita a escrita e o olhar crítico sobre o mundo.

Maria Filomena Molder, com a sua conhecida capacidade de deambular sem se perder, de ligar pontas soltas, de pensar sempre com os pés bem assentes na vida, fez um périplo luminoso pelos trilhos dos fragmentos de Llansol, e de um dos seus últimos livros onde a casa é o lugar do trabalho de luto – Amigo e Amiga. Curso de silêncio de 2004 –, le dur désir de durer (Éluard) que só na casa é possível. Falando com Llansol de casas que são estranhas e próprias, das relações entre espaço e tempo na casa e «à sombra da casa», para chegar ao «nomadismo das casas» (e do «amigo», Augusto, A. Nómada), gesto tão llansoliano, necessário para não enlouquecer, fixando-se a um lugar. E tudo isto sem qualquer réstia de metáfora, recurso retórico que Llansol sempre rejeitou.

Nieves Neira, que também é poeta, partiu do Livro de Horas IX (Um Conjunto de Espirais) e das casas de referência nesse período de regresso do exílio, as de Colares: «Toki Alai» (que na língua basca é «Lugar de abrigo» ou «Lugar alegre», «a toca da pura alegria», sentidos que a Nieves comentou com referência ao universo llansoliano e aos «ritmos inquietos» do escultor basco Chillida) e a pequena «Casa da Saudação», lugar de escrita, de comunidade e de aparições, aonde Llansol sempre regressa, mesmo depois de se ter mudado para Sintra. Estas casas foram lidas em registo poético-pensante por Nieves Neira, como exemplos acabados da «mais-paisagem» de M. G. Llansol, com a casa a entrar permanentemente em diálogo com as árvores, o pinhal, os animais, articulando assim também os dois planos da casa a que Maria Gabriela se refere naquele Livro de Horas: o literal e o interior.



A Mesa da tarde, moderada por João Barrento, acolheu duas oradoras desde há muito presentes nas Jornadas do Espaço Llansol, Cristiana Vasconcelos Rodrigues e Paula Mendes Coelho (ambas professoras da Universidade Aberta).

Cristiana Vasconcelos Rodrigues, llansoliana de longa data (os tempos dos encontros com Llansol e Augsto Joaquim), recuperou notas antigas, desde a sua tese de doutoramento, em que as figuras de Spinoza e Hölderlin são centrais, para comentar, agora mais centrada no tema das Jornadas, os textos de Maria Gabriela Llansol da primeira parte do nosso Caderno, «A Luz de uma Casa». E a partir daí lançou luz sobre as metamorfoses da casa, de mero objecto em lugar de vibração e escrita, tendo como fundo a relação entre a casa e o «Aberto» (o que fora dela com ela dialoga), como acontece no exemplo da «casa de Quaercus», o carvalho, em Hölder, de Hölderlin. Ou nos «gestos» (tópico muito presente nestas Jornadas!) da casa no livro da segunda casa de Témia, «a rapariga que temia a impostura da língua», O Jogo da Liberdade da Alma, que é também o livro da reconciliação entre casas, à sombra de Spinoza.

Finalmente, Paula Mendes Coelho centrou-se na relação entre a casa e o exílio, um tema incontornável na Obra de M. G. Llansol. Os comentários orientaram-se para as duas formas de exílio presentes em Llansol, o exílio real de vinte anos na Bélgica, e o exílio do regresso, agora interior, e que se vê confrontado com um país, uma sociedade e uma língua ela mesma exilada. O Texto, e a casa onde nasce, são agora os lugares de acolhimento das muitas figuras e culturas desde início presentes na Obra de Llansol, tal como ela vindas das margens e acolhidas em casas singulares, desde o livro-fonte, O Livro das Comunidades.

E a tarde chegou ao fim, como sempre com leituras de textos de Maria Gabriela Llansol sobre o tema, desta vez pela jovem actriz luso-italiana Matilde Cancelliere, com breves separadores musicais provenientes de peças para alaúde, dos compositores Bach e Weiss, e finalizando com uma «Serenata» (de Schubert) à porta da última casa de Llansol em Sintra.