26.11.08

LLANSOL ENTRE NÓS

Ainda algumas imagens da sessão de 24 de Novembro, que podem ver-se aqui:
(Fotos: Engº Fernando Santos, Sector Zero)

25.11.08

LLANSOL ENTRE NÓS

O dia de ontem foi intenso. Começou de manhã com a reportagem do Público sobre a casa e o espólio





e terminou tarde, com a sessão evocativa de Llansol na Biblioteca Municipal de Sintra, que o Presidente da Câmara abriu e João Barrento introduziu com as seguintes palavras:

Maria Gabriela Llansol faria hoje 77 anos. Ou cem, ou mil. Também podíamos dizer que nasceu hoje, aqui, neste preciso momento. No corredor lá fora, como ela sugere num dos seus livros, sobre um foco de luz. Alguns nascem por decisão, não por destino, e contrariam assim toda a lógica do tempo e da vida. Nasce-se verdadeiramente quando se enceta um caminho, quando se entra «numa dada signografia do[do nosso modo de estar-aí] em que a nossa biografia se confunde com a geografia dos mundos», para se lançar num percurso de metamorfose contínua, o único que garante «o eterno retorno do mútuo» e a anulação da morte. Llansol seguiu este caminho, decidiu um dia (significativamente, já depois de ter publicado dois livros) nascer para a escrita, e isso significa, nas suas palavras, dizer o mundo, os múltiplos mundos do mundo, «sem esperança, nem impostura» – sem «ilusão garantida», explica, e sem cedências aos discursos gregários, sejam eles os do clã, da polis ou da chamada «literatura». Isso a fez nascer para a escrita nas margens da língua que levou consigo para o exílio, mas com um idioma próprio, fora da literatura, no espaço inconfundível da sua escrita fulgurante. E é isso que nos permite dizer hoje que ela está, estará, entre nós. Sem metáfora. Antes naquele sentido em que o seu «mestre do júbilo», o filósofo Spinoza, pôde dizer que «sentimos e experimentamos que somos eternos», porque «uma coisa que tende a perseverar no seu ser, se nenhuma causa exterior a destruir, continuará a existir sempre» (Ética III, viii). Mas também naquele outro sentido, puramente llansoliano, que desde O Livro das Comunidades nos vem dizendo que «a morte se apaga na escrita», e «é como um enleamento de alegria num lugar sombrio e húmido» de onde progressivamente volta a emergir a luz. Por isso, ao desejo e à interrogação da Maria Gabriela, quando escreve em Amigo e Amiga «quero saber mais do mundo para onde irei», nós podemos responder hoje: esse mundo é aqui. É aqui, é agora, é ontem, é sempre. Como naquele fragmento de Mestre Eckhart, incluído sem aspas n' O Livro das Comunidades, que explica de que modo se leva a cabo a criação em nós pela permanente eternização do instante:
«se eu me concentrar num fragmento do tempo
não é hoje, nem amanhã mas se eu me concentrar num fragmento do tempo, agora, esse fragmento revelará todo o tempo.»
É assim que melhor se podem ler os livros de Maria Gabriela Llansol, é assim que podemos sentir a sua presença entre nós. Nós, os do Espaço Llansol, que tivémos o privilégio de conhecer mais de perto a Maria Gabriela e receber o seu legado, sentimo-lo hoje no nosso dia a dia, naquela casa da antiga Estalagem da Raposa. Mas isso só acontece porque outros se juntaram a nós e nos permitiram, e permitirão de futuro, manter viva essa presença, para que o Texto continue a sua viagem – um percurso que conhecemos hoje melhor, e que vamos descobrindo pelos atalhos e veredas por onde ele foi ganhando forma –, uma viagem iniciada há setenta anos, com aquele caderninho onde a menina de oito anos (que aos seis já lia, ou ouvia ler, Fernando Pessoa), escreveu:
«... nesta cama me deitei, para dormir e descansar. Se vier o inimigo...»





O inimigo veio, no dia 3 de Março deste ano, mas não arrasou a cidadela. Pelo contrário, as muralhas continuam de pé, e a aventura arqueológica em que nos lançámos tem à sua frente cidades inteiras por revelar. É isso que tentamos ir fazendo, que estamos já a fazer, com a ajuda de vários amigos do «Espaço Llansol» – expressão que, no sentido que a Maria Gabriela lhe deu, não é apenas um espaço físico, mas o Lugar de todos os mundos presentes na sua Obra, «lugar onde não há resignação nem morte, lugar de vida sob o signo dos afectos, no seu triplo registo: o Belo, o Pensamento e o Vivo», como se lê na nossa «Carta de Princípios».



É neste espírito que quero agradecer, antes de dar a palavra à Maria Etelvina e aos nossos amigos que lerão excertos dos cadernos inéditos, àqueles que mais directamente, e no imediato, nos permitem levar a cabo esta tarefa: as editoras Assírio & Alvim (Manuel Rosa) e Mariposa Azual (Helena Vieira), que publicarão, respectivamente, a Obra inédita e os livros sobre a Autora que vierem a surgir (numa colecção nova que hoje se apresenta); e sobretudo à Câmara Municipal de Sintra, na pessoa do seu Presidente e do seu Vereador da Cultura, que nos possibilitaram a preservação do espólio no seu espaço natural e o convívio quase diário com a presença da Maria Gabriela, na casa que o seu corpo de escrita e o seu espírito livre ainda habitam de forma viva e contagiante, indicando-nos a nós, hoje, o caminho do «conhecimento múltiplo» que deixou nesta anotação de um dos cadernos manuscritos:

«_____ a voz que eu ouço não me fala. Inscreve-se no caminho que vou descobrindo. [...] A substância do abrigo da casa sonhada é o conhecimento. [E] o conhecimento abrange a generosidade e a alegria de viver. O conhecimento é múltiplo.» (Caderno 66, 5 de Dezembro de 2003).
É esta forma de conhecimento que nós procuramos prosseguir e perseguir na Casa que nos coube transformar em Lugar – Lugar que se inscreve sobre um outro, inimitável e insubstituível: o da vida e da escrita de Maria Gabriela Llansol nos últimos catorze anos.

22.11.08

O ESPAÇO LLANSOL E O ESPÓLIO NO

Por decisão da redacção, a reportagem que estava prevista para sair no "Público" de domingo passou para segunda-feira, dia 24, aniversário de Maria Gabriela Llansol e data da sessão evocativa que terá lugar na Biblioteca Municipal de Sintra (Casa Mantero), às 18 horas.

19.11.08

O FALA DO ESPAÇO LLANSOL E DO ESPÓLIO

Atenção ao Público do próximo domingo, dia 23, que incluirá uma reportagem da jornalista Alexandra Lucas Coelho sobre o Espaço e o espólio de Maria Gabriela Llansol!



16.11.08

UM LUGAR E UM LEGADO

M. G. Llansol, Casa Fernando Pessoa, 1994

Maria Gabriela Llansol partiu e continua entre nós. No lugar que foi sua morada em Sintra, na Obra editada e agora sobretudo nos muitos cadernos, textos, objectos que nos legou e que, no dia a dia do nosso trabalho, enchem esse lugar da sua presença.
No próximo dia 24, o do seu aniversário, iremos evocar a sua figura humana e a sua dimensão literária numa sessão na Biblioteca Municipal de Sintra – a nossa primeira actividade ao abrigo do protocolo assinado com a Câmara Municipal –, durante a qual leremos textos dos seus cadernos inéditos, mostraremos em pormenor o que é hoje o Espaço Llansol e faremos uma viagem virtual pelos principais núcleos do imenso espólio que herdámos.

Llansol na Bélgica, anos 70


(Clique na imagem para ler o programa da sessão)

Ao mesmo tempo serão apresentados os dois primeiros títulos de uma nova colecção da renascida editora Mariposa Azual («Rio da Escrita»): uma recolha dos principais escritos llansolianos de João Barrento e um ensaio sobre «o improvável da leitura» em Llansol, de Maria Etelvina Santos.



(Clique nos índices para aumentar)

Contamos, para esta sessão, com a participação dos escritores Hélia Correia, Gonçalo M. Tavares e José Tolentino Mendonça, e ainda de Helena Vieira, a editora da Mariposa Azual.

6.11.08

FRAGMENTOS INÉDITOS DE LLANSOL NA »MEALIBRA»


A revista Mealibra, publicada pelo Centro Cultural do Alto Minho sob a direcção de Fernando Canedo, abre o seu número 22 (Outono 2008) com três fragmentos inéditos dos Cadernos de Maria Gabriela Llansol, introduzidos por um texto de João Barrento com o título «O lugar das estrelas múltiplas».


Nos fragmentos de Llansol, extraídos de cadernos manuscritos de 1995 e 1998, pode ler-se:
«Eu olhava por olhar, quero dizer – intensamente.»
«O que sulca o ar é o desconhecido, privado do poder de fazer mal.»
«Estou atenta às mutações da luz _________ como se fossem pérolas. Abriu, desce, muda, nunca se oculta mudando de lugar, pois sigo a sua trajectória de planta a planta. Cada planta está aqui no seu lugar exacto, na sua flor exacta – e bebe água exactamente.»
«______ esse mundo alinhado que está por detrás da beleza – perturba-me infinitamente...»
«Uma mão escrevendo é como a árvore dourada que vimos ontem à beira da estrada...»
«Decorrido o fluxo da noite – e já amanhece – sinto com a mão a madressilva que plantei junto ao muro exterior da casa, e que mil vezes há-de morrer sem que, de facto, morra, enquanto estas páginas forem vivas...»
«O meu corpo conflui de lugares longínquos...»

2.11.08

CANTAR O JOGO DA LIBERDADE DA ALMA

A actriz Mafalda Saloio, membro do Espaço Llansol e voz do texto de Maria Gabriela Llansol em alguns dos nossos encontros – nomeadamente no Colóquio da Arrábida em 2003 e no lançamento de Os Cantores de Leitura em 2008 – irá orientar, durante o mês de Novembro, um workshop de improvisção de canto em Belo Horizonte, no Brasil, tomando como base de trabalho o livro de Llansol O Jogo da Liberdade da Alma.


A Mafalda, que conheceu a Maria Gabriela em 1996, ainda estudante, lembra os encontros entre as duas como momentos em que «atravessámos paisagens, entre conversas, roteiros gastronómicos e emotivos, na contemplação de rio e mar, terra e céu», e que propiciaram o nascimento de uma grande amizade. «Neste rasgar de paisagens acontecia por vezes o canto, trauteávemos e improvisávamos canções, com palavras inventadas no momento, ou sonoridades, como se o som, que acompanhava a viagem, a tornasse ainda mais emotiva.»

(Foto de Maria Etelvina Santos: o xaile de luz na parede da casa de Sintra)

Agora, na Universidade Federal de Minas Gerais, o workshop criará, segundo diz o programa da Mafalda, «espaços de criatividade, improviso e composição musical, explorando a musicalidade das palavras, percorrendo os caminhos do canto sonoro ao canto do texto, cruzando esses cantos através de solos, duetos e coros e explorando essa leitura cantada deixando o texto atravessar o corpo.»

15.10.08

Sob esta rubrica dar-lhe-emos de futuro a possibilidade de aceder a artigos e outros textos em linha sobre a Obra de Maria Gabriela Llansol, que poderá descarregar ou imprimir. Antigos e recentes, ensaios e recensões, comunicações e leituras de aspectos particulares do texto de Llansol.
Para começar, os seguintes:

Maria Etelvina Santos
Site da Assírio & Alvim
http://www.assirio.com/autor.php?i=M&id=3061

Pedro Eiras
Recensão de Os Cantores de Leitura, in: Colóquio-Letras
http://coloquio.gulbenkian.pt/bib/sirius.exe/news?i=31

António Guerreiro
M. G. Llansol: A imperdoável (Expresso, 8.3.08)
http://www.agencia.ecclesia.pt/ecclesiaout/snpcultura/impressao_digital_maria_gabriela_llansol.html

Ricardo Gil Soeiro
Amanhecendo com Maria Gabriela Llansol (Revista Autor)
http://www.revistaautor.com/index.php?option=com_content&task=view&id=215&Itemid=38

Maria João Cantinho
Imagem e tempo na obra de M. G. Llansol, Revista Especulo (Madrid)
http://www.ucm.es/info/especulo/numero26/llansol.html

Nilson Oliveira
M. G. LLansol: a escrita como vontade
http://www.cronopios.com.br/site/colunistas.asp?id_usuario=63

Fernando Pinto do Amaral
A escrita fulgurante de M. G. Llansol (Colóquio/Letras)
http://coloquio.gulbenkian.pt/bib/sirius.exe/issueContentDisplay?n=132&p=196&o=p

Luís Maffei
Llansolmúsica
Revista Escrita (PUC, Rio de Janeiro), 2005-06, secção «Ensaios»
http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgi-bin/db2www/PRG_1065.D2W/input?CdLinPrg=pt

Eloísa Porto Corrêa (UERJ)
Um beijo dado mais tarde.
(Re)lendo e (re)escrevendo o mundo
http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno04-15.html

P(aulo) C(arvalho)
Finais-felizes,3
http://www.lacoctelera.com/artedoperigo

Matilde Gonçalves
Perspectivas linguístico-textuais da escrita fragmentária na literatura portuguesa contemporânea
http://www.clunl.edu.pt/resources/docs/Grupos/Gramatica/equipa/matildegoncalves/matildeji_1.pdf

Erick Gontijo Costa
Escrever, dosar o amor
http://www.abralic.org.br/enc2007/anais/42/1171.pdf

Pedro Mexia
Sobre Finita
http://dn.sapo.pt/2005/08/12/artes/um_texto_como_tecido.html

Patrícia Riberto Lopes
O caminho e a pedra
http://www.revistaipotesi.ufjf.br/volumes/5/cap11.pdf

Tatiana Salem Levy
Deslize na linguagem
http://www.polichinello2004.blogger.com.br/2006_05_01_archive.html

Maria de Lourdes Soares
Perfil
http://www.editonweb.com/noticias/Noticias.aspx?did=54&type=pas

Maria de Lourdes Soares
Lídia Jorge e Llansol: Casas de escrita
http://64.233.183.104/search?q=cache:Aa_LSH-jOkEJ:www.letras.ufrj.br/ciencialit/encontro/Maria%2520de%2520Lourdes%2520Soares.doc+Maria+Gabriela+Llansol&hl=pt-PT&ct=clnk&cd=63&gl=pt

Maria de Lourdes Soares
Página de informação bibliográfica
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4767333U6

11.10.08

SINTRA DISTINGUE MARIA GABRIELA LLANSOL

No acto de assinatura do protocolo entre o Espaço LLansol e a Câmara Municipal de Sintra, realizado ontem (dia em que esta Associação assinala dois anos de existência), foi atribuída a Maria Gabriela Llansol, a título póstumo, a Medalha Municipal (1º grau, ouro), entregue ao presidente da Direcção pelo Vereador da Cultura, Dr. Luís Patrício.


A decisão, tomada já em reunião camarária de 9 de Abril passado, constituiu uma agradável surpresa para todos os presentes. Na ocasião, o presidente da Direcção do Espaço LLansol agradeceu o apoio concedido pelo município de Sintra, e evocou, através de dois excertos dos Cadernos inéditos, Maria Gabriela Llansol, a sua ligação à casa onde agora trabalhamos e ao espaço envolvente, e o seu desejo de que este Lugar não cristalizasse sob a forma de um «museu», mas se «audaciasse» em pensamento:

A CASA DA ESCRITA E A ESTANTE DAS ÁRVORES

Este momento, a que o Sr. Presidente Fernando Seara em boa hora quis dar um cunho simbólico, é hora de agradecimento e de evocação. De agradecimento ao Presidente e à Vereação desta Câmara, que souberam compreender a importância da manutenção em Sintra, e na casa que foi a última de Maria Gabriela Llansol, do imenso legado que a escritora nos deixou. E souberam compreendê-la com uma hoje cada vez mais rara consciência dos valores culturais e com uma intuição que Llansol – pouco dada a namoros com os poderes, como sabemos – certamente teria apreciado e sabido reconhecer.
Quando se conhece a Obra e o modo de estar no mundo e de o amplificar de uma escritora tão singular e tão comum como Maria Gabriela Llansol, percebe-se melhor como tudo nela convergia para um centro e para uma periferia (próxima desse centro), focos vitais da sua vida e da sua escrita nos últimos anos, e como o seu olhar e a sua palavra conferiam dimensões universais a esse microuniverso: o centro é esta casa de Sintra, onde agora continuaremos a manter viva, a habitar e a divulgar a sua Obra; a periferia é a envolvência mais próxima, particularmente este Largo da Câmara Velha (onde por nós esperava quando o grupo se reunia em Colares, naquela que baptizou de «Casa da Saudação», sentada ali fora nos degraus da coluna com a esfera armilar, a olhar o Parque da Liberdade e o Castelo dos Mouros, ou inventando sabe-se lá que viagens para o seu texto, sempre de caderno no regaço); e essa periferia do mundo prolongava-se depois pela Volta do Duche, a serpentina verde debruada de grandes árvores por onde tantas vezes ia à Vila Velha, e que lhe oferecia matéria de escrita, de que adiante darei testemunho.

A casa e a Câmara Velha (foto J.B.)

A Volta do Duche no Outono (foto de Augusto Joaquim)

Casa e árvores são, desde os primeiros livros, dois motivos centrais na Obra de Llansol, e duas referências maiores, quer dos livros, quer dos cadernos inéditos, que continuou a escrever desde que, em finais de 1984, se fixou no concelho de Sintra. É deles que, pela voz da escritora, vos quero dar neste momento um breve testemunho, com fragmentos retirados dos cadernos do espólio referentes aos primeiros meses na vila de Sintra, com ligação directa a esta casa da antiga Estalagem da Raposa, que o Município generosamente nos permite manter como lugar de tratamento da herança de Llansol, e à Volta do Duche, que viu nascer, a partir de uma das suas árvores mais majestosas – a que a Maria Gabriela chamou o Grande Maior – um livro-chave do seu percurso, Parasceve. Puzzles e ironias, aquele em que definitivamente se opera a viragem da grande História humana ou da pequena história familiar para o que ela designava de «ordem figural do quotidiano» de uma «geração sem nome».

O Grande Maior, a «cidade-árvore» de Parasceve (foto J.B.)

Nessa ordem, que é afinal a do dia-a-dia de cada um de nós, viveu também ela, entre «casas de escrita» – em Lisboa, Lovaina, Jodoigne, Herbais, Colares, Sintra – cujo futuro, que é este nosso presente, Llansol não desejava que fosse a de mero museu, e aquilo a que chama num dos Cadernos os «Estudos Gerais das Árvores», uma das escolas da grande comunidade dos Vivos com que dialogava e que colocava à altura da do humano.
Permitam-me então que, neste espírito, vos leia dois pequenos excertos dos seus Cadernos, indelevelmente ligados a esta casa e a esta terra, e escritos poucos meses depois da mudança para a Estalagem da Raposa, onde no dia 3 de Março se despediu de nós. E peço-vos, caro Dr. Luís Patrício, amigos, que os entendam como sinal de gratidão, por interposta voz, da própria escritora cuja Obra a vossa decisão ajuda a perpetuar com o gesto de assinatura deste protocolo.

1.


Vila de Sintra
29 Janeiro 1995

A estante das árvores olha para mim. Estou sentada na Volta do Duche, próximo do monumento a Gregório Rafael Silva d'Almeida _____ foi o Amigo Maior e mais desinteressado dos pobres — diz o livro em que uma mulher ensina a ler.
Procuro não ver os automóveis — somente a estante das árvores, que coincide com o bosque dos livros. Que deleitosa serenidade em ser mais velha, e poder tratar com bondade e disciplina as emoções [!].

Tenho sempre um encontro aos domingos de manhã. Esse encontro não foi possível realizar hoje,

fiquei igualmente feliz com a fonte, o verde geral das árvores, o caminho.

Fui aos Estudos Gerais das Árvores, e encontrei o todo resplandecente em cada uma delas,

nem lhes propus que mudassem de lugar

porque elas não quereriam. Preferem que o pensamento venha a elas — o pensamento filosófico — nesse instante ——— porque é esse o olhar com que as olho. Transmito-lhes o que penso, o que sei, o que li, ofereço-lhes a minha Casa — a minha casa de Sintra muito se parece com a de Herbais.

Uma única diferença [:]

não é a memória, o corte vertical no tempo, que a faz resplender _______ ela já resplende aqui _____ será um lugar para ser habitado para sempre pela alegria que sinto hoje _____ a alegria do mundo

com que me introduzi neste texto.


(do Caderno 41, 1995)


2.


arrumo bem a estante do meu quarto________ e recebo a energia dos livros que estão nela__________
Gostaria de ter uma casa imensa_______ para expor meus pensamentos e objectos_______ o meu olhar sobre a realidade que se transforma: este é o meu quarto de Sintra, o meu quarto velado à luz da vela ________ e hoje arrumei melhor a estante dos livros_______ e parti dela.

Olho e volto a olhar, consigo um olhar novo – o sentido dos livros vivos desperta em mim a partir da estante. Trabalhasse eu mil horas por dia, e reteria sempre mais trabalho _______ deve ser de haver múltiplos seres em mim com o desejo de continuar-me e acabar-me...
________ abri a porta da casa de escrever, e entrei nela; estava vazia; abri a porta da casa de escrever que estava dentro da casa de escrever – estava vazia; passeei-me à entrada da casa de escrever que havia nessa segunda casa, e senti que o meu objectivo era ficar – ficar muito para além da terra cujas ondas de beleza ressoam ainda na praia aos meus ouvidos. As casas estavam gastas por nascerem sempre umas dentro das outras como crianças surdas. A Casa da Saudação estava mais além, na fímbria do bosque, fora deste jogo exemplar de casas dentro de casas, olhos dentro de olhos olhando sempre para o mesmo lugar desabitado.
[...]

A casa grande, enorme, que conteria os perdidos – os objectos, cenas da minha vida –, os encontrados e as transformações, sendo uma casa real, seria estática – um Museu. Sendo um pensamento, encontraremos um lugar para viver. A única condição é o pensamento poder «audaciar-se», exprimir-se em obra que fique em toda a parte _______

(Do Caderno 43, 1995)

Também nós faremos tudo o que pudermos e soubermos para corresponder a este apelo e ao generoso apoio da C. M. de Sintra, através das actividades que desenvolveremos no concelho com vista a manter vivo o nome de Maria Gabriela Llansol e o espírito da sua Obra.
Muito obrigado, Dr. Luís Patrício.
Obrigado a quantos nos quiseram acompanhar neste dia simbólico em que se completam exactamente dois anos sobre o registo de baptismo do Espaço Llansol. E agora convidamos todos os que o desejem a visitar a nossa «casa de escrita» e de trabalho, aqui mesmo ao lado.

7.10.08

PROTOCOLO ENTRE O ESPAÇO LLANSOL
E A CÂMARA MUNICIPAL DE SINTRA

(Clique na imagem para aumentar)