O FULGOR DA LUZ DE LER
Tivemos no sábado entre nós uma das mais singulares vozes de legente do Texto de Maria Gabriela Llansol, a professora de Filosofia Isabel Santiago, que há anos acompanha esta Obra e o trabalho que vimos fazendo em torno dela.
Se há leitor/a de Llansol a quem o ser legente assenta como uma luva, esse alguém poderá ser a Isabel Santiago. Vem da Filosofia, mas mostrou na sua exposição (a partir do livro Parasceve, mas irradiando para outros) como, para falar deste Texto, é possível, e necessário, contornar o pensamento abstracto, e escrever e dialogar de preferência com imagens vivas do pensamento e da experiência – melhor seria dizer já, da vivência de um Texto que trouxe para a sua vida e a que dá vida nova ao lê-lo. A sua exposição mostrou como conhece o Texto de Llansol como poucos, sabe o que ele é, ou melhor: conhece o seu devir, sabe que ele existe para se transformar em qualquer outra coisa a cada leitura; enfim, sabe por que rios corre este Texto e aonde nos pode levar.
A Isabel é desta estirpe. Ela já então «sabia» – de um saber que entra pela janela, mas não vem dos livros – que um dia se iria encontrar com este Texto. Também ela nesses anos da escola, ao ter de escrever uma redacção, se descobriu a si própria como aquela que conhecemos hoje (tal como a Maria Gabriela, aos onze anos, quando começa uma redacção com «Era uma vez...», para logo a seguir dizer: Não, não vou por aí!). Também a Isabel, como Llansol de si mesma diz, tendo de escolher entre o tecido (que era mais o terreno da sua mãe) e o texto (que se revelou ser o seu), se decidiu por este. Mas afinal, os dois têm a mesma origem e etimologia: tratava-se apenas de tecer o texto com outros pontos e linhas, como tão bem o fez no sábado.
Transcrevemos daquela sua carta um parágrafo que diz melhor do que quaisquer outras palavras o que foi a sua lição sobre «O devir e o dever do Texto», que converge em muitos aspectos com o modo como Llansol se via a si mesma a escrever e ler, a escreler.
«Na manhã seguinte dediquei-me a escrever como deve ser. Não sabia que o 'como deve ser' é seguir a regra que se impõe no instante fulgurante da imagem que chega à palavra, não sabia que o ritmo era o de uma orquestra com um maestro invisível a fazer movimentos diante da folha a que as mãos obedecem, fazendo ecoar o que as mãos traziam ainda mudas, mas desenhando sinais ou signos. Ainda não sabia e ainda não sei bem. Mas ao fim de algum tempo, debruçada sobre a mesa e a folha em que escrevi e apaguei, escrevi e apaguei, aprendi que podia estar sempre a ver numas coisas as outras, e senti o fascínio da analogia e do ponto analógico que mora no olhar. Sei que a composição terminava com esta frase: o mundo está sempre criado, mas quando chega a Primavera, ela transforma-o e ele torna-se outro.»
Podiam ser palavras de Maria Gabriela Llansol! Estamos perante um caso, raro, de simbiose perfeita.
[O texto completo da intervenção de Isabel Santiago será publicado no próximo número da nossa série dos «Cadernos de Tejo-Rio», que estará disponível a partir de sábado, dia 18].