AS XII JORNADAS LLANSOLIANAS
Isabel Santiago e Maria Etelvina Santos: leitura a duas vozes
João Barrento procurou dar continuidade a esta problemática, centrando-se na evolução desta pulsão de escrita dos dias em Llansol, desde o seu primeiro diário, de 1949, e numa linha que foi acentuando o progressivo descentramento do Eu do diário no sentido de «um falar absoluto e sem sujeito» (Eduardo Lourenço, nas nossas Jornadas de 2010), de um ser de escrita que procura dar conta do Há («Escrevo como Há»), do movimento total do mundo – do Diário de um Eu (ainda mais ou menos convencional) ao Diário sem Eu. Aí, nos livros que nascem dos diários e permanentemente entram numa interacção osmótica com eles, as figuras centrais passam a ser o Tempo (dos dias, da memória, da História, do Ser), ou também um Eu duplo de si mesmo, des-subjectivado, falando na terceira pessoa. Uma escrita entre dicção (diarística) e ficção, em que a linguagem e os modos de composição da obra seguem uma terceira via, a da fricção com os géneros, para poder agir «nas margens da língua, fora da literatura».
Como complemento desta sua intervenção, João Barrento mostrou ainda o vídeo que se segue (clicar no link) – Llansol e o Diário: Leituras e projectos –, onde podemos seguir o interesse de Llansol pelos diários de vários outros/as autores (presentes na sua Biblioteca, e sobre os quais escreve) e também a sua verve diarística atípica, evidente nos muitos projectos de Diários, não concretizados como tal e com esses títulos, mas que acabaram quase sempre por se derramar pelos seus livros:
A temática do Diário alargou-se depois a outros registos e línguas, com a relação estabelecida pelas responsáveis do Arquivo dos Diários de Lisboa, Clara Barbacini e Sara Aguiar, com outras formas, mais comuns, da escrita da memória, representada nos acervos dos arquivos de Lisboa e de Pieve Santo Stefano, em Itália, sua fonte de inspiração. Sara Aguiar leu alguns excertos de Diários do Arquivo de Lisboa que suscitaram grande interesse da parte do público.
A história, os objectivos e as actividades destes dois originais arquivos foram apresentadas nos vídeos que se seguem (o texto dos vídeos sobre o Arquivo italiano são dados em tradução, para mais clara informação dos leitores portugueses):
O Arquivo dos Diários de Lisboa [clique no link para ver]
O Arquivo Nacional Italiano dos Diários [clique no link para ver]
A tarde de sábado fechou com a apresentação de dois novos livros, moderada pela editora Helena Vieira.
Em primeiro lugar, a terceira edição do primeiro diário, Um Falcão no Punho (agora acompanhada de oito pinturas de Ilda David'), comentada por Ana Marques Gastão, que intitulou o seu comentário «A geometria do punho». A patir daí reflectiu sobre o modo geométrico de operar na escrita de M. G. Llansol desde O Livro das Comunidades, e relacionou, nesta edição, a escrita llansoliana e as «pinturas-som» de Ilda David' (que não são ilustrações, mas confluências-metamorfose de duas artes da imagem), partindo de ideias como Peregrinação e Natureza-livro. Os traços longos nos textos de Llansol foam associados ao falcão (figura transfigurada do punho) como parte de uma arte combinatória com eventuais ecos cabalísticos, e a ordenação espacial rigorosa desta escrita afinal não diarística a uma «metafísica geometrizante» como a da música. A estrutura textual, a de um labirinto de linhas, é afirmada pelo grafismo ao qual a escritora alude quando fala da importância formal dos seus textos, reconhecidos pelo vórtice que nela provocam. O diário surge, assim, em Llansol como um «ser-em-potência» que age, de maneira activa, na intensificação do mundo.
A tarde de domingo trouxe-nos um contributo original, diferente e ressumando beleza, de duas artistas plásticas – Ana Mata e Catarina Domingues –, desde há algum tempo trabalhando a quatro mãos, dois corpos e dois pares de olhos no colectivo artístico que designam de «Chama | Ficção», compondo dia a dia o seu diário singular feito de imagens e textos, e de onde nasceu o vídeo que apresentaram e comentaram, juntamente com um pequeno álbum que o complementa. O vídeo intitula-se Cadência, o álbum fotográfico Intermitências – os dois pólos do fluxo dos dias, dados pelo duo da «Chama | Ficção» na articulação dos ritmos e das cesuras das imagens (em parte colhidas no Espaço Llansol) e na discreta e bela atmosfera sugerida pelo fulgor sensual dos textos que as acompanham. Muito à imagem de tanta escrita de Llansol.
O vídeo-diário Cadência
[clique no link para ver]
E o dia terminou com as habituais leituras de textos de M. G. Llansol sobre o tema das Jornadas, desta vez constituída por fragmentos distribuídos aleatoriamente entre o público presente, que os foi lendo na ordem por que a seguir se apresentam: