OS SONHOS DE LLANSOL
Acaba de sair, e estará brevemente nas livrarias, o sétimo volume da série dos Livros de Horas, que reune um número considerável dos sonhos transcritos por Maria Gabriela Llansol nos seus cadernos de escrita. Este volume, como referimos na Introdução, estava «previsto desde que começámos a organizar o espólio e a fazer índices de toda a escrita de Llansol (entre eles um índice específico de todos os sonhos registados nos cadernos, agendas, dossiers dactiloscritos), concentra-se, com a diversidade que apesar de tudo o caracteriza, num único tipo de escrita, constitui um primeiro repositório da escrita assumidamente onírica da autora, um conjunto de 'inquéritos oníricos' permanentes, espelho de uma 'sismografia íntima... Este singular Livro de Horas reúne, de facto, um número significativo de sonhos que foram ganhando forma escrita desde 1969, na época em que Llansol faz análise em Lovaina, e até 2006».
Ao mesmo tempo, sobretudo nas décadas de oitenta e noventa, os sonhos são frequentemente acompanhados por «reflexões sobre o processo onírico e o lugar do sonho, em particular na sua relação com a escrita e o livro. Esses momentos de paragem pós- ou inter-onírica aparecem neste volume em destaque, inscritos em caixas de texto que vão alternando com o registo dos sonhos; e demos igualmente um lugar especial a uma outra forma de prolongamento ou projecção (visual) da fixação do sonho pela palavra, que em Llansol é um importante complemento desta: a dos muitos desenhos que pontuam os seus cadernos (e este livro), e que nos pareceram ser parte integrante de uma 'queda' sistemática nos universos oníricos, e sua oferta ao olhar... Logo na primeira página de um dos caderrnos de sonhos lemos: 'Quem quiser representar apenas por palavras o que existe efectua um trabalho incompleto».
O «Caderno dos Sonhos» (2000/2001)
O Posfácio do escritor, antropólogo e psiquiatra António Vieira oferece-nos, por sua vez, um olhar complementar sobre a escrita onírica de Llansol, não tão distante assim de outros registos da autora, e concluir: «Nem sempre é nítida a linha de fronteira entre divagação e sonho. A 'fantasia ardente' da escritora, cedo reconhecida por uma professora sua, tem algo de matéria onírica; enquanto o sonho, já dado à literatura, irradia aspectos críticos, demasiado lúcidos. Por isso, às vezes, avançamos na leitura do que nos parece vida vígil e estamos já no sonho. Percebemos como a lava da escrita circula pelo interior desta terra, pelos meandros destes sonhos. Lúcida, sem auto-complacência, às vezes com ironia, a escritora enfrenta literariamente o seu mal-estar no mundo».