9.2.20

LLANSOL NA BIBLIOTECA

No passado sábado a Biblioteca Palácio Galveias, em Lisboa, viveu todo um dia sob o signo de Llansol, da sua escrita, da sua vida, dos mundos que absorveu e transformou em linguagem. Com um público particularmente interessado e participativo, João Barrento falou dos modos particulares da sua escrita e da sua experiência singular do mundo, salientando os caminhos seguidos pela «escrevente» que um dia, constatando que «não tem parâmetros», os busca e reinventa na sua prática de «escreviver», em casas que serão uma espécie de Arca de Noé da escrita, cheias de «pedaços simples de textos livres» (hoje no espólio do Espaço Llansol) não destinados a ser livros, mas que geraram muitos. E fomos percebendo como, desde início, esta escrita se transforma numa corrente contínua que, «em país estrangeiro meu» (que foi tanto o Portugal da emigração interior da escritora como a Bélgica de vinte anos de exílio), deixa para trás «os factos dos jornais» e a tradição realista e ganha a «habilidade de ver mais e de modo mais exacto e percutente».
Depois, Maria Etelvina Santos falaria dos modos de ler o texto de Llansol – ler lendo, cantando a leitura, «sem nunca chegar ao fim de um livro» –, amplificando-o.  De facto, como ouvimos depois à tarde, ler é aqui um trabalho de «levantar» a semente lançada à terra, que, por acção da leitura viva do legente, dará frutos num outro húmus, o do corpo singular de quem lê. Ler é então aceitar o desafio colocado pelo texto, qualquer texto de Llansol, para alargar ou inverter a orientação dos nossos «horizontes de expectativa» e desenvolver novas estratégias de leitura – sem estratégias previamente definidas, mas seguindo e procurando entender os trilhos abertos pela escrita, com os seus enigmas, as suas inovações, os seus ritmos próprios, que não são os da narrativa convencional.
As leituras da tarde, por três estudantes da Escola Superior de Teatro e Cinema — A Andreia Valles, a Vera Santana e a Flávia Lopes – vieram confirmar uma vez mais que este Texto pede leitura em voz alta, que precisa da Voz para se tornar mais actuante. Os textos lidos trouxeram um largo espectro de temas e tópicos centrais nesta escrita: o nascimento «na sequência de um ritmo», as «casas de escrever», os seus meandros e o seu estatuto de verdadeiro «Lugar» oposto ao mundo, «a finalidade de ler», a «impostura da língua» e a sua superação por uma escrita íntegra, sem compromissos, o «terceiro sexo» e a des-hierarquização do mundo do Vivo, as pedras-chave da construção destes textos, a «cena fulgor», o «ponto voraz» e a «figura»... Para concluir com uma frase que é quase um programa de vida: «Pode tirar-se da existência muito mais do que se crê. Eu diria mesmo, pode tirar-se da existência o que dela se lê».



Finalmente, vimos ainda, de manhã e à tarde, alguns vídeos que fomos recuperar de outros momentos, já distantes: o primeiro mostrava todo o processo de recuperação, organização e tratamento do espólio de Maria Gabriela Llansol, e os seus lugares de acolhimento no Espaço Llansol. Os três pequenos videos da tarde, que voltamos a dar a ver, trazem-nos instantâneos diferentes do universo Llansol: o desejo de escrever («Um vulcão de energia doce»), «A vocação do exílio» e o lugar do Azul («As sete origens do azul», na voz de Llansol).

«Um vulcão de energia doce: Não encontro razão para o desejo de escrever, ter alma. 
Hoje, não queria ir dormir, simplesmente para durar...»

«Quem parte daqui? Quem regressa? 
— Nas entrelinhas, a vocação do exílio.»

«O azul não tem origem [...]
Ninguém pede ao miosótis que seja mais azul do que o azul do miosótis.»