24.11.19

MARIA GABRIELA LLANSOL
24 de Novembro 1931 - 3 de Março 2008

Assinalámos ontem os 88 anos do nascimento de Maria Gabriela Llansol, com uma sessão em que ouvimos a gravação da entrevista que deu em 1997 a Graça Vasconcelos, jornalista da Radiodifusão Portuguesa: um retrato de corpo (e espírito) inteiro que nos trouxe a presença viva da «escrevente», dando a ouvir as motivações mais fundas da sua escrita, a relação privilegiada com Vergílio Ferreira e todo um percurso de vida. E «um mais-saber subiu à voz» que ouvimos, entrecortada por interlúdios musicais escolhidos pela entrevistadora, em íntima relação com os temas tratados: José Mário Branco a abrir (bela e inexplicável coincidência!), Jacques Brel, Madredeus, Dulce Pontes, Fausto, Leo Ferré... Na sala da lareira, uma exposição fotográfica e documental dava conta desse percurso de vida e de momentos significativos da presença de Maria Gabriela Llansol no espaço literário, em encontros nacionais e internacionais.
O caderno que fizémos para a ocasião transcreve a entrevista, e ainda alguns apontamentos inéditos como o que se segue, que podemos ler como testemunho da força do novo neste texto inconfundível.
 Em 4 de Jan. '97, quinta
1. Os dias merecem apontamentos, vistos da minha perspectiva. Se a minha perspectiva for incomunicável – não terá leitor que a alcance, nem ela alcançará nenhum leitor. O novo é incomunicável?
2. O sinal de que assim não é______ é que ele perturba.
3. Sem querer, perturba. É a vontade intrínseca da poesia_____ 
(Agenda nº 36, p. 14) 
E das habituais leituras, feitas no final da sessão por Sara Ferrada e Alexandra Pinheiro (que estudam teatro com o actor Diogo Dória), retemos o momento final:  

Regresso a Herbais, às zonas falhadas da memória, e verifico que o que tem importância para ser contado é o menos importante. O muito grande e banal vê-se – e é visto por todos os olhos.
Decorrido o fluxo da noite – e já amanhece – sinto com a mão a madressilva que plantei junto ao muro exterior da casa, e que mil vezes há-de morrer sem que de facto morra, enquanto estas páginas forem vivas – e alcancem mais do que a minha precária vida. De amarelo fugaz, e cheiro intenso,
a madressilva, sempre que eu ia e regressava,
estava coberta de alegria.
Era a verdadeira e última consistência da velha parede. Poeira dissolvida que se reconstitui e regressa agora.
O meu corpo conflui de lugares longínquos. É de noite. A luz exterior da entrada, suspensa de uma viga, acabou de acender-se. O luar libidinal impele-me a entrar em casa e ir dormir com quem amo. A natureza não humana apaga-se atrás de mim.
(Caderno 1.51, p. 62, 4 de Junho de 1998, domingo).