QUATRO DIAS DE FEIRA...
COM REFLEXÃO E LEITURAS
Terminou ontem, domingo, a Feira do Livro de Poesia de Campo de Ourique, em que o Espaço Llansol participou activamente. Recebemos na «Casa de Julho e Agosto» mais algumas pessoas interessadas na Obra e no mundo de Maria Gabriela Llansol. Fizemos no Espaço Cultural Cinema Europa uma sessão de leitura de textos de Llansol («Ler é nunca chegar ao fim de um livro...»), com Maria Etelvina Santos, que comentou os excertos lidos por João Barrento. Ouvimos ainda, nessa sessão, para além de alguns interlúdios com música de Bach, uma gravação de passagens dos cadernos manuscritos da Maria Gabriela sobre a sua vivência de Campo de Ourique, na voz de Maria Etelvina Santos.
Na Feira do Livro de Poesia,
Jardim da Parada, em Campo de Ourique:
o quiosque do Espaço Llansol e da
Mariposa Azual
No Espaço Cultural Cinema Europa:
João Barrento e Maria Etelvina Santos comentam e lêem textos de Llansol
No sábado, 23 de Março, foi a vez de apresentar, no Espaço Llansol, as duas primeiras brochuras da nova colecção «Rastos & Rostos», que documentam, com textos e imagens, objectos com significado especial, por vezes com uma história reconstituível, do espólio de M. G. Llansol – «seres móveis», como lhes chamou a escritora Hélia Correia ao falar da «estátua de leitura», Sant'Ana ensinando a Virgem a ler, ou «objectos salvos das águas», no dizer da própria Llansol.
Hélia Correia
discorre sobre a
«estátua de leitura»
João Barrento, que se ocupou do grande quadro de Artur Loureiro («Primavera», de 1902) a que a nossa autora deu nomes como «Jovem vestindo o seu jardim» ou «A menina lírica» (um objecto com um lugar muito especial em Um Beijo Dado Mais Tarde, tal como a «estátua de leitura»), esclareceu a intenção desta nova colecção feita de «restos» (valiosos), «rastos» (de escrita e de vida) e «rostos» (visíveis e re-figurados pela escrita). Trata-se de prolongar e voltar a iluminar a existência de algumas peças que Maria Gabriela Llansol nos deixou, e a que ela própria já deu outras vidas ao escrevê-las e reinventá-las, libertando-as assim do enclausuramento por vezes sombrio, por vezes luminoso, outras vezes mais ou menos neutro, das suas origens. Como ela própria explica em Um Beijo Dado Mais Tarde: «Os objectos eram certamente potencialidades de texto vivo, ultrapassada a língua morta em que sonhavam». Acontece então a passagem de objecto herdado, antes possuído e funcionalizado, a legado vivo que apela à escrita, uma passagem da esfera da autobiografia para a de uma signografia, em que cada objecto revisitado se nos oferece, também a nós hoje, como um conjunto de sinais. E objectos aparentemente apagados ganham subitamente uma nova luz.
É esta a ideia que orienta a colecção «Rastos & Rostos», onde ainda veremos outros objectos deste espólio: obras de arte ou objectos quotidianos, objectos de escrita ou uma fotografia, representações iconográficas ou conjuntos de papéis aparentemente in-significantes...
E os que vieram à «Casa de Julho e Agosto» levaram consigo um postal do espólio em que Llansol faz toda uma tipologia dos objectos, entre os «nómadas» e os «sedentários», os «objectos-mendigos» e os «salvos das águas»...