27.5.18

OS «FILHOS DO NADA» 
NA «COMUNIDADE SEM REGRA»

Quanto tempo
duram as obras? Até
Estarem prontas.
Pois enquanto exigirem esforço
Não caducam.
(Bertolt Brecht)


Tivemos ontem mais uma sessão da «Casa de Julho e Agosto», desta vez com a visita de um grande grupo do «Clube de Leitura de Autores Clássicos» da Biblioteca Municipal de Vila Velha de Ródão. Mas muitos outros vieram, presenças a que já nos acostumámos na sala grande da casa.
De dois clássicos se tratou, clássicos do misticismo ibérico, islâmico e cristão, figuras importantes na Obra de Maria Gabriela Llansol: Ibn 'Arabi, de Murcia, e S. João da Cruz, de Fontiveros.


Falou-se da actualidade destes autores, num momento em que as questões da tolerância, dos conflitos, das guerras religiosas, de neofascismos e populismos voltaram a estar na ordem do dia. E de uma ideia llansoliana do humano, partilhada com as suas figuras maiores, orientada pelos pólos do fulgor ou da beleza (a jamal do misticismo sufi) e da justiça, de uma visão não hierarquizada do mundo.
Vimos como, em ambos os casos, a via da resistência (que em Llansol dá pelo nome de «Ilha de Ana de Peñalosa, a imagem com que se resiste») é a do esoterismo (místico), contra o exoterismo das religiões oficiais, com os seus rituais e encenações, que facilmente as transformam em instrumentos políticos. Llansol coloca esta questão em termos radicais, no ensaio sobre um outro místico ibérico, Ramón Lull, quando escreve: «há dois mundos – o Mundo e a Restante Vida. Irredutíveis entre si...» Neste universo alternativo da Restante Vida, que é o da «Comunidade sem regra», Llansol insere várias figuras clássicas de místicos (ibéricos, árabes, flamengos, alemães). Para ela, o místico (que, lembre-se, não é necessariamente aquele que se afasta do mundo para pairar em regiões etéreas, mas alguém dotado de uma espiritualidade sensível, muito próxima do corpo e da imanência das coisas) é aquele/aquela que «vem testemunhar sobre o único necessário – o terreno comum, primordial e verdadeiro, onde se poderiam encontrar todos os homens, para lá das escolhas religiosas particulares e do lugar que a cada homem coube nas respectivas sociedades.»
Não se trata de utopismo, mas de uma espécie de «visionarismo ingénuo» (no mais puro sentido deste termo), da expressão de uma vontade de pujança – não de poder! – sempre an-acrónica, porque a História e os poderes lhe não permitem actuar no seu tempo...

Falou-se ainda dos modos particulares como tudo isto se configura em Ibn 'Arabî – o árabe heterodoxo, representante maior da vertente sufi do Islão, a mais original, contemplativa e até hoje com um alto grau de heterodoxia – e João da Cruz – o cristão rebelde, fundador de uma ordem renovada, a dos Carmelitas Descalços –, daquilo que os aproxima e daquilo que os distingue. Em ambos, estamos num espaço do entresser, num universo intermediário onde o espiritual toma corpo e o corpo se torna espiritual. Em ambos, a escolha é a de uma via interior que não é a das respectivas ortodoxias, e que Llansol também parece ter escolhido quando, ao se exilar na Bélgica, rompe com uma religiosidade mais convencional que leva consigo, para se aproximar definitivamente de formas de espiritualidade que a levam, por exemplo, a usar a palavra -Eus para designar Deus, passando do plano da abstracção metafísica para o da experiência individual interior.


Falou-se também, indo ao encontro do Clube de Leitura dos Clássicos, das implicações políticas e sociais deste tipo de vivência religiosa, cristã ou muçulmana. E lembrou-se como a vivência religiosa, da mais ortodoxa à mais herética, foi desde sempre espelho de situações políticas e sociais, e mesmo de modelos económicos. E culminámos com o comentário de um texto programático da Obra de Llansol, o Prólogo d' O Livro das Comunidades, que esboça já um «perfil de esperança» para o «jardim devastado» do mundo, com a sua «teoria dos três Vazios», que podem corresponder às três noites daquele livro, à via de ascensão e iluminação dos dois místicos tratados e das figuras de Llansol em geral, pela senda da metamorfose e da «metanoite», em direcção à Luz, a luz dos espírios livres dos rebeldes desta Geografia, «uma claridade que já é madrugada», como lemos em Finita. É esta a via de que se falou no final, presente na «mística nupcial» de João da Cruz, nas visões de Hadewijch de Antuérpia, nos sermões de Eckhart ou nas Iluminações de Meca de Ibn 'Arabî.
Da viagem se falou ainda, o grande motivo destas figuras e também de Llansol – viagem mais imaginante em Ibn 'Arabî, mais alegórica em João da Cruz, em direcção a um horizonte que pode ser o da «desnudez do espírito» (na Subida ao Monte Carmelo) ou o do «astro do despojamento» nas Iluminações do mestre sufi.

E como sempre, lemos textos de Llansol (por Helena Alves) e das suas duas figuras de místicos (por Maria Etelvina Santos). E ouvimos gravações desses textos cantadas por Amina Alaouy (do Canto do Desejo Ardente, de Ibn 'Arabî) e por Amancio Prada (das Canciones del Alma de João da Cruz).

22.5.18

«CONVERSAÇÃO ESPIRITUAL»
Dois místicos ibéricos no mundo de Llansol

No próximo dia 26 de Maio, pelas 17 horas, receberemos no Espaço Llansol o «Clube de Leitura de Autores Clássicos» da Biblioteca Municipal de Vila Velha de Ródão, com a sua activa bibliotecária, Graça Batista, para uma sessão sobre dois clássicos do misticismo ibérico: Ibn 'Arabî de Murcia e São João da Cruz, ambos com uma presença relevante na Obra de Maria Gabriela Llansol, logo a partir d' O Livro das Comunidades. A sessão, aberta como sempre a todos os interessados, pretende ir ao encontro do tema que ocupa aquele Clube de Leitura neste momento, o da «tolerância/intolerância religiosa» e dos «conflitos e vivências religiosas – cristãs e muçulmanas – e sua extensão literária, política e social».
Conversaremos sobre o tema, leremos textos de Llansol e dos dois místicos, ouviremos um deles (João da Cruz) cantado e poderemos ver em exposição muitos manuscritos, livros, desenhos do espólio de M. G. Llansol em torno destas duas figuras do misticismo ibérico.

17.5.18

LLANSOL NAS NUVENS

Em 1991, ao agradecer o Prémio da Crítica para Um Beijo Dado Mais Tarde, Maria Gabriela Llansol falou das nuvens, e do que em português significa estar nas nuvens («na nuvem primordial, quando o inomeável suspira por ser reconhecido pelo nomeado») e também cair das nuvens («mesmo no meio do texto. No real onde ele é mais nó. Mais denso»).
Também nós, dez anos depois da sua partida, nos sentimos nas nuvens, caídos das nuvens, com o acolhimento, pode dizer-se universal, que o seu texto vai tendo. A poucas semanas da saída da primeira trilogia, «Geografia de Rebeldes», em edição americana da Deep Vellum (Dallas), chega o número de 8 de Maio dessa «nuvem primordial» da cultura literária, The Times Literary Supplement, com a crítica dessa edição, colocando Llansol entre «os mais fascinantes escritores portugueses do século XX» e referindo a sua primeira trilogia como «espantosa, de outro mundo e altamente original». Reproduzimos o início e o fim da crítica de Anne Dermott a esta edição.

16.5.18

UM FALCÃO NO PUNHO
CHEGA AO MÉXICO


A revista mexicana La Colmena, da Universidad Autónoma del Estado de México, publica no seu último número (o 96, de Outubro-Dezembrp 2017) um significativo fragmento da tradução castelhana de Um Falcão no Punho por Mario Grande e Mercedes Fernández-Cuesta. Trata-se da importante entrada do dia 3 de Junho de 1983, com considerações decisivas para a compreensão da sua escrita: «A escrita como busca de verdade», «Génese e significado das figuras», a figura do «ledor» e do «legente», o lugar de Ana de Peñalosa, «O devir como simultaneidade» ou «O texto, lugar que viaja».

«FULGOR»
LLANSOL NO CLAUSTRO DA CATEDRAL DE LUGO


Nieves Neira Roca, uma legente de Lugo, na Galiza, teve a ideia «fulgurante» de pôr um grupo de mulheres a fazer uma «leitura dançada» de textos de Llansol no claustro da catedral de Lugo. O evento teve lugar no passado dia 11, e com ele se pretendeu experimentar outros modos de ler. Nieves escreve, no texto que acompanha o convite para este ensaio de leitura:

Nieves lê, as pedras escutam...

«'Legentes' chamava Llansol aos leitores, para dar ênfase a essa actividade de criar o livro continuamente, actividade que é como um encontro amoroso, quando um ser e um texto se transformam mutuamente.
Como lemos? Lemos o livro inteiro? Possuímos a leitura como estamos acostumadas a possuir outras coisas? Ou deixamos que uma frase nos lance de novo na paisagem?
No claustro da catedral de Lugo, na sexta-feira 11 de Maio, às 18 horas, várias leitoras se reunirão para experimentar outros modos de ler. Para delinear a postura de um corpo sentado, um corpo em movimento que lê a um tempo o texto e o espaço. Para ilimitar o prazer do texto e, como quem cose, dar pontos na pedra com a linha que se solta da frase.
O texto de Llansol constrói-se com o que ela denomina de 'cenas fulgor', clareiras na escrita, luz que se abre no texto, subordinada apenas ao móbil de uma atmosfera... ou de um corpo que dança. Assim, as leitoras participantes lerão apenas em voz alta aquelas frases fulgurantes de cada livro escolhido desta autora, frases que despertem o afecto. E o espaço acolherá esse texto, como se fosse um livro que não se escreve.»

Ler a um tempo o texto e o espaço...

O projecto foi de Nieves Neira Roca, María Corral Fernández e Marta Castro, no âmbito de um curso sobre «Novas tendências na edição literária». E os fragmentos lidos serão editados brevemente, em tiragem limitada (acessível através do endereço amboaeditorial@gmail.com).