O RAIO SOBRE O LÁPIS
NA BIBLIOTECA MUNICIPAL DE SINTRA
Tivemos ontem a primeira sessão da «Letra E» do Espaço Llansol, com a primeira leitura integral de um livro de M. G. Llansol, O Raio sobre o Lápis. Pequeno livro-síntese que condensa muitos dos temas recorrentes da sua escrita e reflecte uma fase da sua vida, em Colares, muito centrada no significado dos objectos, nas deambulações «em passo de pensamento» pelo pinhal e na ocupação com vários livros que sairiam nos anos noventa (Um Beijo Dado Mais Tarde, Amar um Cão, Hölder, de Hölderlin e Lisboaleipzig) e que se projectam já na escrita concentrada, múltipla e altamente imagética daquele pequeno livro, a que os desenhos de Julião Sarmento acrescentariam ainda uma outra dimensão.
Da introdução ao caderno que fizemos para a ocasião, e que situa o livro lido no contexto que o viu nascer, a grande série de eventos artísticos e literários que decorreu durante o ano de 1991 na Bélgica, a Europalia, destacamos alguns momentos que contextualizam esta sessão.
Do
pinhal de Colares
ao
extremo ocidental do Brabante
De Setembro a Dezembro de 1991 tem lugar em Bruxelas e noutros lugares da Bélgica o grande evento europeu denominado Europalia (XIª Bienal das Artes e da Cultura), que congrega de dois em dois anos escritores e artistas de um país europeu. Nesse ano o país escolhido foi Portugal, o evento foi comissariado por Emídio Rui Vilar e Eduardo Prado Coelho (para a literatura e teatro) e contou com a participação de muitos escritores e artistas portugueses de então, entre eles Maria Gabriela Llansol.
Para além da sua intervenção de fundo em Bruxelas, publicada três anos depois em Lisboaleipzig I com o título «O extremo ocidental do Brabante», Llansol contribui para o catálogo da exposição no Museu de Arte Contemporânea de Gand com um texto não publicado em livro até hoje – «As linhas do mundo», uma breve «theoria» do texto e da sua relação com o corpo, o pensamento e o conhecimento, que se reproduz neste caderno –, e que aí era acompanhado por uma série de desenhos do pintor Julião Sarmento, também aqui reproduzidos.
Desenho de Julião Sarmento na exposição da Europalia
[…]
Paralelamente
a estas intervenções e exposições, cada escritor teve na ocasião uma edição
especial de um texto seu. Llansol escreve então O Raio Sobre o Lápis, um pequeno livro que dá conta do seu quotidiano
desse tempo, das deambulações por Colares e Praia das Maçãs, e da sua relação
muito especial com «o pinhal» a meio do qual se situava a sua casa de «Toki
Alai». Também para esse livro – de que faremos a leitura integral nesta sessão
da «Letra E» – Julião Sarmento produziu uma série de desenhos, entre eles
alguns de objectos escolhidos por Llansol («os objectos, os verdadeiros livros
fechados»), que pontuam o texto daquele pequeno livro: a mesa de ferro pintada
do jardim de «Toki Alai», a bilha de barro e a «estátua de leitura» de Um Beijo Dado Mais Tarde, a de Sant'Ana
ensinando a ler a Myriam (que acabou por não entrar em O Raio sobre o Lápis, mas cujo original ficou no espólio de Maria
Gabriela Llansol). Como sempre acontece em Llansol, também nestes anos vários
livros e textos se tocam e cruzam, progridem e se concluem: O Raio
sobre o Lápis e Amar Um Cão, Um Beijo Dado Mais Tarde e já Hölder, de Hölderlin, e ainda o grande
projecto de Lisboaleipzig.
O pequeno livro dos objectos e das deambulações que sai no
âmbito da Europalia, feito a quatro mãos, e em grande sintonia, com Julião
Sarmento, vai sendo preparado em Colares nos finais de 1990. Disso dá conta um
dos textos que podemos encontrar num dos cadernos manuscritos, e depois
desenvolvido num dossier
dactiloscrito, que transcrevemos a abrir o caderno de hoje. E pela mesma altura o
fotógrafo Álvaro Rosendo acompanha a Maria Gabriela na casa e pelo pinhal de
Colares e faz a reportagem fotográfica de onde sairiam as fotografias para a
documentação da Bienal da Bélgica (também algumas dessas fotos se podem ver
neste caderno).
Uma das fotografias do «pinhal» (Álvaro Rosendo)
*
A leitura de O Raio sobre o Lápis, sobre desenho de Julião Sarmento: O Vasco, a Inês, a Beatriz
No final, depois da excelente leitura do livro por três poetas muito jovens ligados ao projecto da revista de poesia Apócrifa (Beatriz Almeida Rodrigues, Inês Amoras e Vasco Macedo), Maria Etelvina Santos e João Barrento, seguindo a ideia llansoliana de que «ler é nunca chegar ao fim de um livro», lançaram perguntas e conversaram com o público sobre algumas questões, imagens, focos de sentido a partir de O Raio Sobre o Lápis, e que lançam luz sobre os modos de olhar e os processos de escrita de Llansol. Por exemplo: que significa a figura do falcão, nas suas múltiplas implicações e relações? Por que é que os objectos «são menos se não forem murmurados pelas palavras»? Quais os modos da sua figuração? Como se libertam do tempo ao ocuparem um espaço próprio? Qual o lugar da figura da infância nesta escrita? O que está aquém e além da «dobra de outro horizonte», para onde se orientam as palavras que criam o real neste texto? Que ritmos são os desta escrita, em que o andamento lento da atenção alterna com a fulgurância de focos de intensidade?