25.4.16

«A MÚSICA QUE JÁ SEMEÁMOS HÁ-DE VIR…»

Em 4 de Maio se 1974, Maria Gabriela Llansol escrevia num dos cadernos, em Lovaina, e num registo que não era habitual nela, o seu alívio pelo «país que acabou» e o seu entusiasmo e a sua esperança pelo país que a libertou. Assim, no «Vilancete de 4 de Maio»:

Ó meu amigo, 
noite, vem,
a Lua tarda.
Por que ainda 

não há leões
no meio da Lua?


Ó meu amigo,
sereno país que vejo,
onde estão as sementes musicais 

que já semeámos?

A música que já semeámos 
há-de vir.
Uma terra que não pertence 

a ninguém
será o espaço
entre o berço e a sepultura.

[]

O que escrevo
cavalga sobre duas, todas
as línguas,
e corre
rodeado de lágrimas.
Está feliz
e contempla.
Nem pode dormir,
nem acordar.
Que alegria me atravessa, 

meus olhos são pedras lúcidas. 
Ó meu anel que serenamente
escreves
esta poesia sem poeta 

e meu corpo aparecido 
sem países!
O meu país está livre, 

o meu país acabou
e libertou-me.
[…]

Que esta serenidade nos conserve, 
seja para sempre
a energia, o movimento,
a lucidez, a eternidade

do dia de hoje.

(Fotografia de Maria Etelvina Santos)

Em Sintra, no lugar que foi o seu, lugar de pensamento e de escrita na máquina eléctrica «Dora», com quem por vezes não se entendia, estão hoje também o verde do «perfil da esperança» e o vermelho dos cravos de Abril. No dia 25 de Abril desse ano de 1974, ela nada escreveu. Como anota três dias depois, rememorou e encontrou-se verdadeiramente com o seu passado: «Passou-se o dia 25, em que nada escrevi […] Depois do dia 25 de Abril há como que um obstáculo removido a uma evocação. Não cesso de rememorar, chamo, alguém me chama. O que se chama? É um encontro da minha história pessoal com a história que sei.» (Uma Data em Cada Mão. Livro de Horas I).