30.10.15

OS EXÍLIOS DE LLANSOL
– Sétimas Jornadas Llansolianas de Sintra –

Foi já a sétima vez que reunimos em Sintra, este ano no MU.SA-Museu das Artes, algumas dezenas de estudiosos e leitores de Llansol para mais uma viagem com o seu texto, que no último fim de semana nos permitiu deambular por um largo espectro de questões relacionadas com o tema que escolhemos, o da «Vocação do exílio» na existência, nos modos de escrita e na visão do mundo de uma autora como Maria Gabriela Llansol. 

Ao cabo de dois dias de intervenções e debates, de filmes e de leituras, percebeu-se como a vocação do exílio em Llansol, para além de visceral, é dupla e paradoxal. Há na sua vida, que é a sua Obra, uma tendência natural para, em sentido real e metafórico, se exilar do mundo, do «gregário», do comum, e zarpar para as margens: «nós» – isto é, os de uma estirpe que é a sua e a das suas figuras – «herdámos as margens», lemos já em Causa Amante. Por outro lado, num dado momento do seu percurso acontece o chamamento do exílio concreto, que a levará a viver vinte anos numa Europa do Norte que, de outro modo, não teria conhecido – pelo menos como a conheceu depois da decisão do exílio semi-voluntário, forçado pelas circunstâncias de uma guerra que faria nascer muita outra literatura «empenhada», com um empenho que não seria o seu, apesar de, nos dez anos de Lovaina, e mesmo depois, viver imersa num ambiente de contestação do Estado Novo e dessa Guerra Colonial. Mas o lugar de exílio de Llansol estava já assinalado antes, desde a adolescência: é o da Ilha – que tanto pode ser a do quarto onde lê e escreve como a de Robinson, por analogia (por exemplo em Lisboaleipzig, ou já nos diários de juventude), ou a «Ilha de Ana de Peñalosa», o «lugar onde se resiste», por afinidade figural, desde O Livro das Comunidades.


Será, porém, nos anos do exílio real da Bélgica (e não no interior, o dos anos do Portugal de Salazar) que se abrem os caminhos de um outro exílio dentro do exílio, o da escrita das «órbitas excêntricas» (como Hölderlin), o da língua que dá por si em «sobreimpressão» com mundos-outros, e assim se renova, o da comunidade de figuras aí descobertas, que vêm das margens da História e que, nos primeiros livros, começam a configurar o espaço de exílio dos «rebeldes» que mais tarde, no exílio português de Colares e Sintra, se prolongaria pela ordem figural de um quotidiano ainda e sempre desterrado, em busca de «um mundo humano que aqui viva…»


Mas em Llansol a condição de exílio – ficou claro nestas Jornadas que é disso que se trata, e não de mero exílio de circunstância – é de tal modo visceral que se pode dizer que começa pelo próprio nome, aquele nome literário que acaba por escolher, o da mãe, que traz em si as palavras Luz e Llansol.  Também ele um nome que veio da distância, no tempo e no espaço, e de uma língua (a «língua d'Oc» da Provença e da Catalunha) também ela exilada entre as maiores e dominantes. Este é um exílio de matriz uterina, que poderia levar a dizer: «Meu nome é exílio». Um exílio que tem a sua casa própria no corpo e na imanência do mundo, e não em espaços de nostalgia e desencanto, ou de amargura e resistência activa, como tantas vezes acontece com os exilados. O seu modelo, a tê-lo, não seria o de um Ovídio lamentando-se no Ponto Euxino, mas o de Dante, fazendo do exílio estímulo e fonte da Obra, de uma Obra que agora, em Llansol, não é devaneio metafísico, mas projecto puramente humano.




De tudo isto se falou nos dois dias das Jornadas, em particular nas intervenções do crítico e ensaísta António Guerreiro (que abordou o «exílio essencial» e o lugar de Llansol numa «pós-literatura»), do poeta e tradutor José Manuel de Vasconcelos (que se centrou na «errância e indeterminação» deste universo de escrita, colocando-o em paralelo com o de um Julien Gracq ou de um Jorge Guillén), de João Barrento (que enquadrou o tema na totalidade da escrita e nas várias fases de vida de Llansol) ou de intervenientes de uma nova geração de legentes de Llansol, originalmente vindos de áreas como a História ou a Filosofia: Carolina Fenati (que colaborou muito com o Espaço Llansol e fez duas teses sobre Llansol) ou Hugo Monteiro, professor da Escola Superior de Educação do Porto e radicado nas filosofias de Blanchot, Derrida ou Jean-luc Nancy, pensadores que trouxe à sua leitura do espaço literário exilado de Llansol e do seu «anti-método».

João Barrento | Maria Etelvina Santos | António Guerreiro 

José Manuel de Vasconcelos | João Barrento | Ma. Etelvina Santos | Silvina R. Lopes

Maria Carolina Fenati | Cristiana Vasconcelos Rodrigues | Hugo Monteiro

Mas houve também «encontros improváveis» (como os que algumas vezes provocámos nas nossas sessões da «Letra E»), e altamente reveladores, do universo de Llansol com o de outros exilados:  Hannah Arendt, pela voz de Teresa Cadete (escritora, professora da Faculdade de Letras de Lisboa, e Presidente do PEN Clube Português), que tocou em questões geralmente menos abordadas, mas muito pertinentes – a distinção entre herança e testamento, os usos particulares do passado ou o lado político de ambas as autoras; e o judeu exilado do nosso século XVII, Uriel da Costa, que suscitou a Llansol muita escrita nos cadernos e no que designou de «Diário do Mucifal», no período de quase um ano compreendido entre os últimos meses de Herbais e os primeiros depois do regresso a Portugal, entre 1984 e 1985. Disso nos falou Ilse Pollack, grande conhecedora da literatura e da realidade portuguesas que veio da Áustria e é autora de uma das mais originais publicações em torno do texto de Llansol, o Almanaque Llansol que publicou, em alemão, em 2013 (Territorium der Randständigen. Ein Llansol-Almanach, Berlin Press).

Teresa Cadete | J. Barrento | Ilse Pollack

Não houve até hoje Jornadas Llansolianos sem livros novos, os da série dos Livros de Horas (na Assírio & Alvim) e os da colecção «Rio da Escrita» (da Mariposa Azual). Este ano tivemos, nesta colecção, O Império dos Fragmentos. Llansol e a exigência fragmentária, que documenta as Jornadas de 2014, e foi apresentado por Cristiana Vasconcelos Rodrigues, com a editora, Helena Vieira. E o grande acontecimento no âmbito dos «Livros de Horas» (a publicação de maior peso que fizemos até hoje, depois de Europa em Sobreimpressão. Llansol e as dobras da História, de 2011), o quinto volume da série, da responsabilidade de Maria Etelvina Santos, que documenta toda a escrita de Llansol em torno da figura de F. Pessoa/Aossê e seus «satélites» na casa dos Bach, ao longo de trinta anos. Este grande volume de mais de 700 páginas foi apresentado por Silvina Rodrigues Lopes, e a sua génese, o processo editorial e o espectro de matérias cobertas amplamente comentados pela responsável da edição. Trata-se sem dúvida de um marco importante neste ano, tão pessoano, do centenário de Orpheu.


Helena Vieira (Mariposa Azual) | Cristiana V. Rodrigues

O novo Livro de Horas: O Azul Imperfeito (Pessoa em Llansol)

Mas as Jornadas Llansolianas nunca se fizeram sem o contributo de outras artes, e também este ano não foi excepção. Tivémos um filme de Daniel Ribeiro DuarteAo Lugar de Herbais – que mostra de forma original como o exílio de Llansol acontece num movimento oscilante entre o mundo (Herbais, lugar-chave dessa experiência) e a escrita (o arquivo de Sintra, com todas as suas ramificações). Herbais e Sintra encontram-se e confundem-se neste filme, «sob o signo da passagem por lugares provisórios», de exílio a exílio.


No encerramento, ouvimos as vozes dos actores Diogo Dória e Raquel Mendes a ler textos de Llansol sobre a temática das Jornadas:


E como também já vem sendo hábito, fizemos um caderno com muita escrita de Llansol, fotos e documentos: «O caderno do Exílio», com 72 páginas e organizado em cinco secções: 1. Do exílio em geral; 2. Os lugares do exílio; 3. A língua e o exílio; 4. A escrita: desterro da literatura; 5. Comunidade, figuras e exílio. 


Mostrámos ainda, numa exposição com largas dezenas de fotografias, os «Lugares e rostos do exílio» de M. G. Llansol. O tratamento digital das fotografias foi feito por Teresa Projecto. Também essa exposição pode ser vista, com as fotos e os textos que as acompanham, na montagem que se segue: