7.6.15

«O MUNDO EXISTE, E O VERGÍLIO MORREU...»

(Caderno 1.45, p. 53, em 5 de Setembro 1996)

«O que está feito, está feito. Não acharei, no entanto, estranho se, nas noites de chuva, muitos virem um funâmbulo aéreo a dar-lhes fé no conhecer, e no facto nu e incompreensível de ser-se humano – homem e mulher.» (M. G. Llansol, Inquérito às Quatro Confidências).
Foi o final da leitura de ontem na «Letra E».  A relação breve,  mas  intensa e  de uma tensão produtiva entre Maria Gabriela Llansol e Vergílio Ferreira, de 1988 a 1996, trouxe ontem ao nosso Espaço momentos significativos de reflexão, debate e leitura que iluminaram mais um «encontro im-provável» – porque as suas motivações não têm prova, ou não precisam dela, e também porque são pouco comuns encontros como este, entre escritores desta estatura. Um encontro que foi ao mesmo tempo um dos muitos exemplos possíveis das «afinidades electivas» no percurso de escrita e vida de Maria Gabriela Llansol, que tantas vezes já temos abordado na «Letra E».

Almoço nas Azenhas-do-Mar, 1991

O tema foi apresentado e amplamente comentado por Bruno Béu, investigador da área da Filosofia e da Literatura (e também músico), que defendeu em 2012 uma tese de doutoramento sobre «Interrogatividade e apofatismo no pensamento de Vergílio Ferreira» e nos falou dos encontros e desencontros entre estes dois nomes maiores da literatura portuguesa contemporânea, sob o signo do  Nem, que remete para os posicionamentos antidogmáticos de ambos – nem isto nem aquilo, mas também isto e aquilo, que tanto pode ser o uso do fragmento ou da suspensão do fio do pensar como os «momentos líricos» da linguagem ou a relação tensional entre real e irreal, entre o mental e o «místico», entre o humanismo e o pós-humanismo.

Manuscritos de Vergílio Ferreira no espólio de Llansol
(Notas sobre Lisboaleipzig e bilhete por altura da Europália, em Bruxelas, 1990)

Bruno Béu interrogou-se ainda detalhadamente sobre as razões e os sentidos do epíteto de «companheiro filosófico» que Llansol encontra para Vergílio Ferreira, trazendo à discussão autores e problemas que a ambos interessaram, com particular destaque para a problemática do Ser e do «enigma do mundo», que atravessa vários momentos do diário de Llansol Inquérito às Quatro Confidências, a partir de conversas sobre o «Poema» de Parménides, de Levinas ou de María Zambrano. Mas também com referência ao gesto essencialmente «antifilosófico» de ambos, que os leva a privilegiar o espanto e a interrogação face ao real – com saídas diferentes e registos de escrita diversos.

Algumas das dedicatórias de Vergílio Ferreira a Gabriela e Augusto


O debate foi vivo e diversificado. E a leitura final de excertos de Inquérito às Quatro Confidências permitiu compreender ainda melhor as vias cruzadas deste «encontro inesperado do diverso». Mostrámos peças do espólio de Llansol que, para além dos cadernos, agendas e diários em que Vergílio  aparece com frequência, incluem também muitos livros deste autor com dedicatórias especiais, manuscritos e bilhetinhos, e fotografias dos encontros que nos anos noventa eram frequentes, entre Paris e Bruxelas, Colares, Fontanelas e as Azenhas-do-Mar. E uma vez mais tudo isto está documentado no «Caderno da Letra E» intitulado O «Companheiro filosófico». Vergílio Ferreira e Llansol.