22.3.15

«UMA NOVA GEOGRAFIA»
A escola-outra

A tarde de ontem na «Letra E» animou-se de vozes e movimento diferentes dos mais habituais. Com crianças entre os três e os doze anos, com experiências participadas por grandes e pequenos, musicais, visuais e escriturais. Numa tentativa de aproximação à prática das escolas que Llansol e Augusto Joaquim fundaram na Bélgica, nos anos setenta.



A música abriu a tarde, com Paulo Sarmento a conduzir, primeiro, um exercício sobre as capacidades do corpo e das suas «janelas» para receber e retribuir estímulos e imagens, ao som das suites para violoncelo de Bach («Descascar laranjas ouvindo Bach, ou o lugar do corpo que recebe»). Depois, evocando os «sinestetas», compositores que viram sensações e cores na música e música nas cores – como Scriabin, Messiaen ou o americano Michael Torke – ensaiou «exercícios sinestésicos» a partir de frases de Stockhausen (da obra «Dos sete dias»), envolvendo todos os ouvintes com o corpo e a voz, com a imaginação e os instrumentos de percussão disponíveis. Mas também com as sensações derivadas do toque, do cheiro e do gosto das laranjas e tangerinas que trouxe, e todos sentiram, tocaram, abriram e comeram.


Das cores que sugerem notas musicais passámos às cores que geram formas e se combinam com o vivo de folhas, fios, frutos. Teresa Projecto guiou e deixou mão livre aos mais pequenos, que criaram obras que ainda mostraremos melhor num caderno que faremos com os trabalhos resultantes destes ateliers. O soalho da sala renasceu, semeado de grandes e pequenas folhas de papel que davam contra dos resultados do trabalho com a imaginação visual e cromática das crianças.


Finalmente, a cozinha da Letra E e a sua mesa redonda transformaram-se em oficina de escrita, com alguns meninos e meninas a escutar o silêncio, sob o olhar de Albertina Pena. Daí nasceram exercícios rudimentares dos que ensaiam as primeiras letras, breves narrativas e bandas desenhadas, que o caderno futuro dará também a conhecer – com assinatura, tal como os desenhos e as pinturas.
Os que foram ontem à Letra E, pequenos e grandes, conscientemente ou sem darem por isso, levaram à prática os seis critérios que Augusto Joaquim formulava assim há mais de quarenta anos, num dos textos fundadores dessa «escola-outra» que foi A Escola da Rua de Namur de Lovaina (e a sua continuação na «La Maison»):
1. sentir-se bem, consonante com o seu corpo;
2. saber falar com o seu interlocutor:
3. saber escutar e saber fazer silêncio («quem não tem orelhas, não tem boca»; «quem não tem boca, não mostra os olhos que tem»);
4. ser sensível ao humor;
5. acreditar no seu sonho, na realidade motora do seu sonho, e no sonho que alimenta o grupo;
6. saber ver, discutir, agir em conjunto.

O vídeo que se segue dá uma entrada nesta tarde diferente: