28.10.14

«LETRA E»
As actividades em Novembro e Dezembro

As actividades da «Letra E» do Espaço Llansol prosseguem, com sessões em 15 de Novembro e 13 de Dezembro (esta última no Auditório do Museu Ferreira de Castro, em Sintra, inaugurando uma «descentralização» que poderá repetir-se no futuro).

 Em Novembro abrimos um ciclo («Lugares e tempos de Llansol») que terá continuidade em 2015, no qual iremos revisitando os lugares significativos da biografia, também literária, de M. G. Llansol. Começamos com os lugares da infância, passaremos pela adolescência e juventude em Lisboa, prosseguiremos para os vários lugares do exílio da Bélgica e terminaremos em Colares e Sintra. Sempre com leitura de textos, na medida do possível inéditos, sobre esses lugares e fases de vida. Para o primeiro, recuperamos algumas sequências do projecto de filme («Seguindo o Olhar») que iniciámos em 2011, com Daniel Ribeiro Duarte, que nos trará alguns planos das filmagens realizadas em Alpedrinha e Vila Pouca de Aguiar. E haverá, como habitualmente, um caderno com textos e muitas fotografias de Llansol na infância.
Na sessão de 13 de Dezembro, no Museu Ferreira de Castro, João Barrento traçará o arco que cobre toda a Obra de Llansol, para mostrar como ela, vindo quase toda do passado, de facto é uma obra «pré-póstuma», que ecoa um futuro.

16.10.14

LLANSOL SÓCIA HONORÁRIA DA
ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DO PATRIMÓNIO DE SINTRA

Na sua última Assembleia Geral, e por iniciativa da sua Presidente da Direcção, Adriana Jones, a ADPS–Associação de Defesa do Património de Sintra distinguiu Maria Gabriela Llansol, a título póstumo, como sócia honorária daquela Associação.


Lembramos que já antes, em 2009, a Câmara Municipal de Sintra, também por sugestão de Adriana Jones, colocou junto do grande plátano da Volta do Duche, que no livro Parasceve é uma figura com o nome de «Grande Maior», uma placa evocativa.

14.10.14

«M. G. LLANSOL: 
O ENCONTRO INESPERADO DO DIVERSO»
O catálogo da exposição


Foi apresentado no sábado em Guimarães o catálogo da exposição de obras de Ilda David', com fotografias de Duarte Belo e objectos do acervo do Espaço Llansol, que pôde ser vista no Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG) de 27 de Julho até ontem. O catálogo, organizado pelo director artístico do CIAJG, Nuno Faria, numa edição da Oficina (produtor da exposição) e da editora Documenta, reproduz os ambientes da exposição e o processo de trabalho de Ilda David', e contém textos de Maria Gabriela Llansol (de Lisboaleipzig, Finita, O Senhor de Herbais e dos Livros de Horas), de João Barrento, Maria Etelvina Santos e Nuno Faria.
No lançamento do catálogo, que aconteceu no próprio espaço da exposição, intervieram, para além dos dois artistas, que deixaram depoimentos pessoais sobre a sua relação com o universo Llansol e com a própria autora, os autores dos textos do catálogo, que lançaram diferentes olhares retrospectivos sobre a exposição e os seus possíveis significados.
Nuno Faria situou a exposição e a sua concepção como proposta de um voo sobre diferentes zonas temporais:
« A montagem é a linguagem da arte contemporânea. É uma linguagem performativa, que se cumpre, que se corporaliza, que devém. Propicia um movimento que tem o poder de transformar. Fulgoriza a realidade, tal como a obra de Llansol, retirando o peso espúrio que as palavras e as coisas carregam.
Tratava-se de conceber um espaço em suspensão, de propor um voo, mais do que uma caminhada, de fazer prevalecer a dimensão temporal sobre a dimensão espacial na percepção do espectador.
Verter o espaço fundado pela escrita em espaço habitado e atravessado por corpos e por fantasmas, o negativo do corpo, num jogo de presença/ausência, metonímico da própria experiência vital em que se constitui o contacto com a escrita llansoliana, verdadeira experiência dos limites.
Que outra obra mais intensamente resignifica, reinveste, anima os objectos? 
O lugar fundado pelo museu é dos mais delirantes que possamos imaginar, porque para além de nele se encontrarem objectos de lugares distantes e tempos dissonantes, que convencionamos ou aceitamos dar como nossos contemporâneos, ali reconhecemos, encontramos por vezes, os gestos dos nossos antepassados».  
João Barrento tomou a exposição como um primeiro passo para lançar os fundamentos de algo que o Espaço Llansol procurará levar a cabo futuramente: a construção de um grande ATLAS-LLANSOL (por enquanto ainda um proto-atlas), que nesta exposição pode ter tido um ponto de partida, ainda parcial, mas importante como indiciador de um sentido possível para aquela construção.
Clarificou a noção de «Atlas» (a partir de Aby Warburg, mas indo além dele pela mão de Llansol, que em alguns cadernos de escrita já pensou o seu «atlas», e por vezes lhe dá mesmo esse nome!) no sentido de um mapa interactivo e rizomático – escritural, visual, figural, mental, espacial, afectivo – que, mais do que fazer convergir conjuntos de imagens para descobrir afinidades escondidas, con-figura paisagens e, dentro delas, linhagens, para mostrar «muita parecença, nenhuma semelhança» (Caderno 1.52, p. 190).
A partir de um organigrama completo de todo o acervo e do mapa figural de Llansol, fez uma primeira abordagem a partir de uma apresentação visual, em que convocou, num primeiro levantamento, o universo de escrita (os livros de M. G. Llansol – mas não necessariamente os títulos particulares desses livros) e todos os sectores do arquivo-Llansol pertinentes para a futura construção global desse Atlas-Llansol.

Por seu lado, Maria Etelvina Santos, com vista a evidenciar a experiência do outrora no agora, do improvável e do diverso, que esta exposição nos propõe a partir da Obra de Llansol, sintetizou  alguns procedimentos de leitura a partir de noções (presentes em Walter Benjamin) que facilmente dialogam com outras de M.G. Llansol, e que parecem fazer parte de uma mesma tentativa de compreensão do mundo. Partindo da concepção de espaço-tempo como uma entidade conjunta e tetradimensional, com os seus diversos pontos ou acontecimentos, e da noção de instante como densidade e não durabilidade, aproximamo-nos das noções llansolianas de «lugar», de «imagem-figura», de «vislumbre» ou de «fulgor» (que estão na base dos seus «encontros de confrontação») e que, por sua vez, dialogam (como uma alma crescendo, diria Llansol) com as noções benjaminianas de «imagem dialéctica», de «constelação», de «origem» ou mesmo de «experiência».
O encontro de confrontação que esta exposição põe sob os nossos olhos e nos faz viver, dá-se à leitura como uma «icnologia» (um mapa de vestígios, mais do que um simples conjunto de ícones) de pontos luminosos que estabelecem constelações de semelhantes na diferença, amplificando, assim, o nosso modo de experimentar o mundo.
O catálogo da exposição está já disponível nas livrarias.

13.10.14

REVER O FILME AO LUGAR DE HERBAIS

O filme de Daniel Ribeiro Duarte Ao Lugar de Herbais, feito para as Jornadas Llansolianas de Sintra de 2012 e apresentado em 2013 no Doc Lisboa, está disponível de novo, por uma semana, na página do Doc Alliance. Pode vê-lo ou revê-lo aqui: http://dafilms.pt/film/9117-ao-lugar-de-herbais/
Há informação sobre o filme, disponível no livro Pessoa e Bach na Casa de Llansol, que documenta as nossas Jornadas do ano de 2012. Deixamos aqui essas páginas:
(Clique nas imagens para aumentar)

 


8.10.14

A EXPOSIÇÃO DE GUIMARÃES:
LANÇAMENTO DO CATÁLOGO

É já no próximo sábado, dia 11, que será apresentado no Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG) o catálogo da exposição Maria Gabriela Llansol: O encontro inesperado do diverso, que pôde ser vista naquele Centro desde 27 de Julho deste ano, e que integra, para além de peças do espólio de Llansol, obras de Ilda David' e fotografias de Duarte Belo.


O lançamento do catálogo (edição Sistema Solar/CIAJG) terá lugar ás 17.30 h no espaço que dá entrada na exposição, com a participação de Nuno Faria, director do Centro, de Ilda David' e Duarte Belo, e dos representantes do Espaço Llansol João Barrento e Maria Etelvina Santos. Far-se-á o balanço da exposição, uma reflexão sobre os princípios que a orientaram e algumas projecções para futuras iniciativas do Espaço Llansol a partir da experiência desta mostra.

2.10.14

AS SEXTAS JORNADAS LLANSOLIANAS DE SINTRA

16 de Fevereiro de 2005
Início do próximo livro [Os Cantores de Leitura]

... e uma interrogação ocorre-me: como religar os textos que são fragmentos,
ou estilhaços coerentes de complexas naturezas?
______ Como fizeste no Curso de Silêncio de 2004:
puxar uma longa corda que, neste caso, envolve todos os cantores de leitura
________ até chegar ao fim do todo.
(M. G. Llansol, caderno 1.70, 105-106)



A «Vila Alda», uma casa sintrense que acolhe manifestações culturais e já abrigou o Museu do Carro Eléctrico (que sai ainda hoje, nos meses de Verão, do largo adjacente para a Praia das Maçãs), é um lugar sui generis, que se revelou ser a um tempo adequado e estranho para as várias formas de intervenção e exposição contempladas no programa destas Sextas Jornadas. Mas o que acabou por se impor foi a ideia de um espaço adequado ao texto de Llansol, pelas particularidades da sua topografia interior e pela mobilidade, diferente da habitual, a que obriga quem intervém nele e que vem para assistir. A resistência dos espaços acabou, afinal, por estimular a nossa capacidade de invenção e suscitar movimentações que provaram, como no texto de Llansol, que o que está em cima é como o que está em baixo, que o que está distante vem ter com o que está perto, e vice-versa, que nada é fixo e tudo é móvel, que subir e descer são movimentos complementares. Como acontece com a escrita, a criação, os modos de inserção dos corpos no espaço e no tempo: a paradoxal lei que os rege a todos é a do interminável fluxo fragmentário que sustenta e desestabiliza a nossa passagem pelo mundo, e as passagens entre mundos. Foi talvez esta a ideia, tão llansoliana, que mais claramente atravessou as intervenções e discussões destas Sextas Jornadas: a de que aquilo a que chamamos mundo, longe de ser fixável e definível nos seus contornos, é uma matéria em trânsito, reino de passagens, arquipélago de aparições fragmentárias.

 À entrada: livros, cadernos, CDs, postais... e a habitual curiosidade...

Em cima, num espaço expositivo entre-aberto e parcialmente fechado que permitia a deambulação, a paragem e a contemplação, podia ver-se uma exposição dupla que, ela também, vivia da complementaridade: «ENCONTRO», com duas componentes: «Restos», de Teresa Projecto (peças em barro, malha, frutos, terra e madeira), e «Carta sobre a névoa», de Catarina Domingues (imagens – desenho e fotografia, desenho sobre fotografia, com impressão a jacto de tinta). 

Teresa Projecto e Catarina Domingues captadas pela fotógrafa Teresa Huertas
(© Teresa Huertas)

Cada uma das jovens artistas, ambas estudantes de pós-graduação da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, sintetizou num texto breve os fios que ligam os trabalhos feitos para estas Jornadas ao corpo de vida e escrita que é o texto de Maria Gabriela Llansol. As imagens da exposição e de algumas das suas peças mostram/dizem o resto – que é o que mais importa. Assim:

Teresa Projecto:

Catarina Domingues:


 Teresa Projecto, Catarina Domingues e Tomás Maia: conversa sobre as exposições
«Restos» e «Carta sobre a névoa»



*

Em baixo, e ocupando todo um canto da sala, olhando permanentemente para quem falava e para quem ouvia, uma centena dos quase mil papéis avulsos do espólio de Maria Gabriela Llansol, ordenados segundo a disposição que acabaram por encontrar nas dez secções do Livro de Horas, o quarto, que apresentámos nestas Jornadas.



O livro (A Palavra Imediata, ed. Assírio & Alvim) encontrou em Isabel Santiago uma legente que fez dele uma leitura que se deixou atravessar pela sua matéria, leitura iluminada e iluminante, explorando exaustivamente a problemática do fragmento e dos fragmentos aí reunidos, que funcionaram como catalizador para um pensamento que os amplificou de forma absolutamente «siderante», como do próprio texto de Llansol disse um dia Eduardo Lourenço.
Na mesma mesa, moderada por Helena Vieira, João Barrento apresentou a segunda novidade editorial das Jornadas – o livro Trans-dizer. Llansol tradutora, traduzida, trans-criada, edição da Mariposa Azual, oitavo volume da colecção «Rio da Escrita» –, sintetizando a amplitude das práticas de «tradução» associadas à escrita e às transposições, para diversas línguas e linguagens artísticas, dos textos de M. G. Llansol, matéria discutida nas Quintas Jornadas, em 2013.

 Isabel Santiago, Helena Vieira, João Barrento

Alguns dos papéis expostos em baixo, juntamente com outras passagens de livros, diários e agendas inéditos, encontram-se reproduzidos no caderno feito para esta ocasião, O Império dos Fragmentos. Llansol sobre a escrita fragmentária, que aqui colocamos à disposição de todos os que não puderam vir:


*

Estas Jornadas foram particularmente ricas em intrervenções artísticas, de criadores jovens e participantes novos nestes nossos Encontros anuais. Continuemos então, neste resumo, pela senda das artes.
Tomás Maia e Rita Roberto apresentaram um filme em duas partes – CLAMOR – I: De lá | II: Aqui, obra originalmente apresentada em dois espaços, a Galeria Quadrum e a cisterna da Faculdade de Belas Artes, em Lisboa – onde respira a matéria original do Ser, matéria sem matéria que é a de uma memória da simbiose primordial entre espaço e tempo, a do espanto perante o irromper de «fenómenos» e vozes (as do universo e a do corpo), a da nítida indistinção, como no espaço do fragmento, entre o lá e o aqui, o centro e as periferias, a presença e a ausência, o dentro e o fora. No livro que apresenta o filme e o contém em DVD (ed. Documenta, 2014), os autores incluem, nas «Notas» que em parte o constituem, um fragmento de Maria Gabriela Llansol que remete para a centralidade do «caminho» e para a essência de ser (e de escrever/criar) como movimento «espantoso» e «clamoroso» (no sentido original dos termos) de uma sempre repetida e irrepetível origem:
Eu nasci para acompanhar a voz, fazê-la percorrer um caminho. De um lado a outro do percurso, não sei o que existe, o caminho caminha,
eu deslumbro-me quando o tempo se suspende
e me permite contemplar o espaço sem tempo.
(Onde Vais, Drama-poesia?)
Pode ver-se a seguir uma sequência de planos dos dois filmes:



Por seu lado, Lucas Parente, um jovem cineasta do Rio de Janeiro actualmente em Lisboa, apresentou, expressamente feito para estas Jornadas, um «ensaio fílmico» feito a partir da inesperada imagem do «pato fúnebre» que se levanta do lago no Jardim da Estrela, e que Llansol fixa num pequeno fragmento de escrita avulsa (estas duas folhinhas de bloco de notas).


Partindo dele, mas não se ficando por ele, O pato da morte de Lucas Parente, numa «curta» de 12 minutos, ultrapassando o simples biografismo que o Jardim da Estrela poderia sugerir, revisita sobretudo motivos recorrentes da escrita e do universo llansolianos: o movimento metamórfico das coisas (folhas, formas, seres), o cruzamento de realidades, a multiplicidade de referentes culturais que povoa também a escrita de Llansol, o lugar significante das cores nela, e ainda a música de um compositor com quem convivia: o Olivier Messiaen do Catalogue des oiseaux (Lucas Parente usa o som correspondente ao loriot francês, a que em português chamamos oriolo)... Tudo isso em permanente diálogo, que o filme incorpora, entre textos de Llansol e a reflexão expressa do autor do video.
Um excerto do filme pode ver-se clicando no seguinte link: https://vimeo.com/107762135

*

Não é a primeira vez que a música está presente nas Jornadas Llansolianas de Sintra. Na verdade, desde as Segundas Jornadas, em 2010, que ela nunca mais nos deixou, ao vivo e em gravação, com o compositor João Madureira, a intérprete Cátia Sá Pereira, o ensemble do Festival Cantabile, e a pianista Gilda Oswaldo Cruz, que este ano regressou às nossas Jornadas, depois de já ter traçado pontes e linhas cruzadas entre o texto de Llansol e a música em 2010, ao piano do grande palco do Centro Cultural Olga Cadaval. 
 Gilda Oswaldo Cruz

Desta vez, Gilda Oswaldo Cruz falou de «Configurações musicais na prosa de Llansol» e trouxe exemplos musicais que vão da música grega antiga a Schönberg e Anton Webern, mostrando como a «partitura dissonante» do texto de M. G. Llansol (com ênfase nesse livro tão musical que é Os Cantores de Leitura) revela as mais surpreendentes afinidades com a escrita atonal de compositores do século XX como Arnold Schönberg, Webern ou György Ligeti. Organizadas, espacial e temporalmente, de forma dinâmica, não sequencial, segundo um princípio articulatório de intensidades fragmentadas, a escrita de Llansol e a música atonal remeterão, segundo a pianista e musicóloga, para um modelo iminentemente fractal, como as imagens que mostrou evidenciaram. No video que se segue podem ouvir-se dois dos exemplos trazidos, de música grega antiga e de A. Webern, sobre imagens de fractais:


*

De intervenções faladas se fazem, naturalmente (e as mais das vezes exclusivamente) os Encontros literários semelhantes às nossas Jornadas. Também as houve, como não poderia deixar de ser. E o começo dos três «Painéis» do programa não poderia ter sido mais auspicioso para o que se seguiria, no sábado e no domingo: o escritor Gonçalo M. Tavares, com a sua especial capacidade de pôr à vista o processo da escrita e o «pensamento motriz» que lhe subjaz, lançou a discussão sobre o tema do fragmento e da escrita fragmentária de forma viva e sensível, a partir da sua articulação, que foi comentando, com as imagens do fogo – que consome –, da floresta – que esconde e enreda – e da clareira – que ilumina e delimita.
Estavam, assim, esboçados pontos de contacto com as duas intervenções seguintes, de Tomás Maia e João Barrento, em que a problemática do fragmento foi abordada à luz de noções complementares e antitéticas como limiar e fronteira, parte e todo, substância e linguagem, pleno e vazio – o Nada que não é negação, nos exemplos trazidos por Tomás Maia como balizas da sua intervenção: o «livro sobre nada» que Flaubert quis escrever (e que resultaria nessa espécie de anti-enciclopédia fragmentária com o título Bouvard e Pécuchet) e os Textos para Nada de Samuel Beckett. No meio, e antes dos dois, um momento seminal e presente em várias das intervenções, incontornável referência, que é o primeiro Romantismo alemão e o lugar do fragmento nele – e também as possíveis ligações do fragmentarismo llansoliano a essa e outras fontes.
João Barrento explorou, a abrir a tarde, a relação (aporética, e por isso viva e vibrante) entre o arquivo, tal como Derrida o entende em Mal d'archive. Une impréssion freudienne (ou, na versão inglesa, que melhor lhe servia: Archive Fever: A Freudian Impression), e uma ideia muito particular de «arquivo» como universo fragmentário sem a lei do arconte, que subjaz aos modos de escrita e de vida de M. G. Llansol. O desenvolvimento levou à questão de saber em que medida um arquivo como o de Llansol, um imenso somatório de fragmentos de escrita, de imagens, de sons, de objectos, de mensagens, é hoje (foi sempre?) o grande espelho dessa exigência fragmentária das práticas de escrita da autora, animadas, como o arquivo, por um duplo princípio de autonomia (intensidade) e mútua iluminação (vontade relacional). A escrita de Maria Gabriela Llansol e o trabalho actual sobre o seu espólio seriam, assim, um laboratório de possibilidades em que cada peça/fragmento é uma mónada, e o conjunto (que ainda não descortinamos plenamente) uma constelação aberta.

Gonçalo M. Tavares, Tomás Maia, João Barrento


A manhã de domingo trouxe-nos ainda duas intervenções reveladoras e estimulantes sobre a escrita fragmentária de Llansol, duas propostas de leitura a partir de ângulos e de obras diferentes e complementares: os diários (incluindo os Livros de Horas póstumos) e as «linhagens» possíveis dessa escrita; e a reflexão sobre a escrita de Llansol e as estéticas que a atravessam e alimentam (particularmente visíveis em O Senhor de Herbais), com a consequente fuga a uma qualquer «poética» do fragmento nela. 
Na primeira comunicação, Isabel Cristina Mateus (professora da Universidade do Minho) inseriu os diários e os Livros de Horas numa tradição geralmente ignorada, mas a que será importante dar mais atenção, que é a da escrita fragmentária pré-moderna em Portugal, com os exemplos de Fialho de Almeida e Raul Brandão, e ainda do Livro do Desassossego, no seu registo onírico-biográfico ainda não modernista (simbolista e decadente) e já pré-pós-moderno.
Na segunda intervenção, Elisabete Marques (recentemente doutorada com uma tese sobre Maurice Blanchot e S. Beckett) seguiu um caminho mais analítico, fazendo um percurso interpretativo do qual resultou uma tese de fundo pertinente para o aprofundamento do que se chama comumente «a textualidade Llansol» – a de que existe uma relação determinante entre a imagem da cena fulgor llansoliana e a necessidade do fragmentário nesta escrita. E ainda, subjacente a um livro como O Senhor de Herbais, uma ideia que poderá ajudar a ler e entender de forma mais adequada o texto de Llansol: a de que nele se persegue uma estética (melhor, várias), que aí se alia naturalmente a uma ética, mas que dificilmente se poderá lê-lo à luz de uma qualquer poética, que não comporta essa dimensão ética (será talvez também por isto que Llansol dificilmente se poderá inserir numa genealogia modernista pura e dura).

Isabel Cristina Mateus, Maria Etelvina Santos, Elisabete Marques

*

O encerramento das Jornadas, como vem sendo habitual, fez-se com uma leitura gravada de textos de Maria Gabriela Llansol, desta vez uma selecção de fragmentos do Livro de Horas IV, lidos por Maria Etelvina Santos, Teresa Projecto, Helena Alves e Cândida Pargana, as quatro vozes femininas que neste momento se podem ouvir a partir do interior do Espaço Llansol, por onde semana a semana respiram o ar da Maria Gabriela e dão o seu contributo para a organização e classificação do «desmundo» fragmentário do arquivo que deixou. Deixamos aqui uma selecção dessa leitura:




1.10.14

LLANSOL NO FESTIVAL LITERÁRIO 
DA SERRA DA GARDUNHA

A Gardunha é uma referência da infância de Maria Gabriela Llansol, a paisagem próxima de onde lhe chegavam ecos nos Verões passados na «Casa da Estação» em Alpedrinha. Algumas passagens dos cadernos manuscritos e outros papéis evocam essa experiência: 
«Passei parte da minha infância sentada no degrau de uma porta, só a receber a noite. A Serra da Gardunha coroava o meu horizonte...», lemos num papel avulso, provavelmente de 1980. 
E num dos primeiros cadernos da Bélgica, em 1977:
«Quando dei por que tinha nascido vivia com um espírito de criança. A minha primeira recordação é de luz e de penumbra, e eu dentro desse círculo que clareia para os limites. Há uma pena profunda ligada ao compartimento de uma carruagem de Caminhos de Ferro. Estávamos em 1934, pois eu devia ter três anos. Fico sozinha sobre o banco, pode haver uma multidão de pessoas à minha volta, mesmo pessoas amadas como a minha criada Maria Amélia, mas a perda é irremediável: para que eu parta para o Verão de Alpedrinha, acabam de separar-me de minha mãe.»

 M. G. Llansol com seis anos, na Casa da Estação, em Alpedrinha

Aconteceu no último fim de semana, que também foi o das nossas Jornadas Llansolianas de Sintra (de que daremos conta num dos próximos dias), o Festival Literário da Gardunha, em vários lugares da Beira Baixa, entre eles Alpedrinha. Precisamente aí, no «Campo Base 6» do Festival, esteve a nossa companheira Hélia Correia, que evocou a Maria Gabriela e as viagens da sua infância por estas paragens, depois transformadas em escrita. Como noticia o Diário Digital de hoje, «Hélia Correia, um dos grandes nomes da novelística portuguesa, decidiu trocar as voltas à tertúlia, optando não por falar de viagens mas sim por recuperar as memórias de Maria Gabriela Llansol, que embora nascida em Lisboa, a dada altura viveu na Bélgica e foi nesse país que escreveu algumas das suas recordações sobre a sua passagem por Alpedrinha. Ou seja, a intervenção de Hélia Correia acabou por ser uma homenagem à escritora portuguesa que morreu em 2008 e ao local que recebeu a mesa redonda. [...] Lamentando que Maria Gabriela Llansol seja considerada uma escritora incompreendida e frequentemente esquecida, Hélia Correia lembrou que esta foi 'uma mulher que se libertou das coordenadas temporais' e que para compreender a sua escrita basta largar as amarras e deixar o pensamento fluir.»


 Alpedrinha em páginas dos Cadernos de M. G. Llansol