5.5.11

JOSÉ AUGUSTO MOURÃO

in memoriam

O José Augusto Mourão deixou-nos hoje, ao dealbar do dia. O José Augusto é alguém a quem o Espaço Llansol e a Obra de Maria Gabriela Llansol devem muito. Não apenas pelo que escreveu, mas também porque, sem a sua mediação por altura da formação do grupo de estudos llansolianos (o GELL), que nasceu em 2000, com a própria autora e Augusto Joaquim, alguns de nós, os que agora integram o Espaço Llansol, não teriam provavelmente chegado à intimidade da Maria Gabriela, nem seriam hoje os legatários do seu imenso espólio.
O José Augusto era um homem íntegro, rigoroso, parco de palavras mas generoso e profundo na discussão. Dividido, como disse um dia, «entre duas vidas», como dominicano e como universitário, foi mais nesta última qualidade que o conheci. Mas não deixei de me aproximar também um pouco da outra, durante o tempo em que as reuniões do GELL se faziam, num sábado do mês, no Convento Dominicano de Benfica. Aí, na discussão sempre muito viva, no confronto de ideias e na cordialidade do convívio o fui conhecendo melhor. E vi que havia nele a humildade de quem sabe e a intuição do não-saber, que distingue os melhores.
Solicitado por Maria João Seixas a terminar uma entrevista com uma «palavra de eleição», o José Augusto disse-a, e traçou com ela, como diria Llansol, o seu auto-retrato «grave e jubiloso». Disse simplesmente: «Alegria-triste».
Sobre a sua ligação a Maria Gabriela Llansol e ao seu texto escreveu um dia José Augusto Mourão (e lembro-me de ter ouvido essas palavras da sua boca, num dos nossos encontros):
«Sou um legente que escreve desde há uns anos já sobre Maria Gabriela Llansol com o sentimento de ter sempre vagueado por uma inextricável linha de costa, portanto sem ter a presunção de alguma vez ter chegado a um terminal de mundos, sabendo que das ruínas da biografia não se pode erguer uma estátua, temendo ademais, e como Témia, a impostura da língua, fiado apenas na 'cordialidade' do sentido (Tauler), no puro amor do 'há', na equivalência entre estética e ética, nada sabendo em definitivo, apenas entrevendo. Sabe-se que se é legente quando o júbilo de existir e o ler se tocam.»
(O Fulgor é Móvel, 189).
João Barrento

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(«Clareira de Parasceve», Serra de Sintra, Julho de 2001)

Zé Augusto,

Estava triste o pátio da Faculdade esta manhã.

Agora, em casa, pensando em ti, no Augusto, na Maria Gabriela e na clareira de Parasceve, desejei ter as palavras certas, dizer-tas numa linguagem em que me possas ouvir. Abri o Ardente Texto Joshua, que selou muito do que nos uniu, e leio:

Ouço o ranger de uma janela a abrir-se. Tentam depois abrir outra janela, que range menos, e não abre.

Neste momento, passos breves atravessam o claustro

que é

um adro, com um cruzeiro ao centro, e cinco castanheiros dispersos.

(...) o caderno esta caído no chão, entreaberto.

Queria deixar contigo estas palavras...

Vina