«Passar da fase de estar consciente à de escrever requer um papel sempre à mão, e uma interrupção voluntária da vida quotidiana...»
«... só sinto consolação no acto de escrever – o fio de luz por onde me escapo às linhas tecidas sobre mim...»
«A estas partes ligadas, sempre em deslocação, chamo a escrita...»
(Maria Gabriela Llansol, Um Falcão no Punho [1985])
(No vídeo, João Barrento lê fragmentos do Caderno 43 do espólio, Setembro-Outubro de 1995. A música de fundo é o andante com moto das «Seis Bagatelas», op. 126, de Beethoven, interpretado no pianoforte por Jos van Immerseel).
8.12.08
LLANSOL: A LUZ DE LER #1
«Será por termos aprendido a ler através de romances que acabamos por dar a primazia à leitura sob o signo do contínuo?», pergunta José Afonso Furtado no livro O Papel e o Pixel. Do impresso ao digital: continuidades e transformações (S. Paulo, Escritório do Livro, 2006). A questão é de extrema pertinência para os livros de M. G. Llansol, e por maioria de razões também para os fragmentos que enchem as mais de dezassete mil páginas dos primeiros cadernos do espólio, que acabámos de digitalizar. Não apenas no que se refere às novas formas de leitura descontínua, mas «orgânica», que este Texto desde sempre veio propor (o problema é tratado à exaustão no livro recentemente publicado de Maria Etelvina Santos Como uma Pedra-pássaro que Voa. Llansol e o improvável da leitura, Lisboa, Mariposa Azual). Trata-se também de reconhecer a necessidade de encontrar modos diversos de fazer chegar esta escrita a leitores-ouvintes que, através de uma nova porta de entrada, poderão chegar aos livros, os que estão aí e os que hão-de vir, para entender melhor o que significa escrever com «palavras que anunciam a realidade», em vez de redundantemente a dizerem, por que razão «nesta ordem de ler, ler é nunca chegar ao fim de um livro» e como «uma frase, lida destacadamente, aproximada de outra que talvez já lhe correspondesse em silêncio, é uma alma crescendo». O digital e, nele, a leitura em voz alta enquadrada e acompanhada por elementos visuais e musicais, permitem criar facilmente ambientes propícios à fruição mais plena deste Texto. Chega-se mais naturalmente a "cenas fulgor audíveis" (Da Sebe ao Ser, 62), percebe-se eventualmente melhor que «ler é trazer a si, mas não cenas e imaginação. Trazer o real de outra vida que nos chame humanos.» («O pensamento de algumas imagens», A Restante Vida, 2ª ed., Relógio d'Água, 2002, 113). Na oralidade, a voz empresta um corpo ao texto, que ganha uma dimensão acrescida de materialidade sensível, e transforma a audição num momento particularmente vivo da «arte de alargar o mundo» que é toda a escrita de Llansol. O vídeo que se segue é o primeiro de uma série em que iremos dando a conhecer pequenos fragmentos dos cadernos inéditos de Maria Gabriela Llansol, lidos por membros do Espaço Llansol, antes da sua edição em livro.