27.9.23

 «O AZUL NÃO TEM ORIGEM...»

Llansol e a tradição da Flor Azul


No próximo sábado, 7 de Outubro, pelas 17 horas, o Espaço Llansol veste-se de azul. Iremos falar do lugar do Azul na Obra de Maria Gabriela Llansol, inserindo-a numa tradição de dois séculos que ela também assimila, abrindo o tema do azul para diversos campos de sentido e simbologias. A presença da cor azul na sua Obra será dada a ver e ouvir num video de cerca de meia hora, com seis secções que inegram textos sesus, a sua voz a lê-los, imagens do seu universo e música adequada a cada secção:

0 - O lugar da Flor Azul

I - «O Azul anda comigo...»

II - «Eu sou uma coleccionadora de azul...»

III - «O azul do quarto»

IV - O Azul Imnperfeito, o Falcão e a «consciência azul»

V - O luto também pode ser azul

Teremos um desdobrável com os textos lidos no video, acompanhado de doze postais com poemas de «Poetas da Flor Azul», que também serão lidos na sessão.

18.9.23

BIOGRAFIA DA INFÂNCIA

Um projecto inacabado de Llansol

Retomámos as actividades públicas no passado sábado, com a sessão sobre «O Álbum do Bebé - Biografia da infância (Um projecto llansoliano)». Iniciámos a sessão com a projecção do video (de João Barrento) que faz a síntese deste projecto que Llansol esboça em 1969, no exílio da Bélgica, mas não conclui. O video pode ser visto clicando no seguinte link:

https://vimeo.com/manage/videos/865256930

O essencial da sessão foi depois ocupado pelos comentários da psicanalista e investigadora brasileira Janniny Kierniew (da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), que situaram o projecto numa dupla perspectiva: as leituras de literatura psicanalítica, linguística, semiológica feitas por Llansol nesses anos, e a própria Obra da autora, com referência a dois livros em que a matéria é retomada: Um Beijo Dado Mais Tarde (1990) e O Jogo da Liberdade da Alma (2003). Deixamos aqui algumas das considerações da nossa convidada, e imagens da habitual exposição com materiais do espólio relacionados com o tema.


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João Barrento e Janniny Kierniew


«Será que os objectos herdados podem ser os contornos das confidências incompletas?»: 

Llansol, o Álbum do Bebé e a psicanálise 

1.

A primeira vez que me confrontei com o Álbum do bebé foi em uma manhã de Primavera: toquei o álbum, senti sua textura, observei o leve fino papel que separa as páginas, notei que é um tecido de seda fino que desenha uma teia de aranha, tramas … Mantive a atenção em cada rosto impresso nas imagens, notei cada desenho da letra no papel; riscos que pedem a decifração de um gesto firme, que não recua diante da página. E saio a pensar que este objecto, o álbum, enquanto livro, havia passado pelas mãos de Llansol, pelas mãos do seu pai e pelas mãos de outras tantas pessoas que fizeram parte, ou não, da história de sua vida. Estava diante de um objecto herdado, que momentaneamente, naquele curto espaço de tempo, parecia materializar o que Walter Benjamin diz sobre o Angelus novus, ou o anjo da História: uma figura que tinha os olhos no passado, mas o corpo completamente voltado para o presente, e também para o futuro. Estava diante de um começo precioso, como todo o começo o é...

Decidi dar um título ao comentário de hoje, a partir de uma uma pergunta feita por Maria Gabriela Llansol no livro Um Beijo Dado Mais Tarde: «Será que os objectos herdados podem ser os contornos das confidências incompletas?» Um Beijo Dado Mais Tarde foi um livro escrito muito tempo depois do reencontro de Llansol com o Álbum do bebé e com as suas leituras de psicanálise e, também, da sua própria análise. É um livro que carrega consigo ressonâncias desses tempos, e que hoje serão uma espécie de guia, compondo palavras-bússolas luminosas pelo labirinto do desconhecido, ou pelo bosque das «confidências incompletas». 


2. 

Parto então, de alguns registos de Llansol: 


O primeiro, dos Escritos de Lacan, «A instância da letra no inconsciente e a razão desde Freud»: 


O segundo: uma reflexão de Llansol no caderno (2.02):


O terceiro: «escrever é dar existência às estruturas (escondidas) da linguagem»: 

 

O quarto: «Pretendo encontrar a relação entre o sujeito deste texto (o pai) e o significante (o filho) de modo a estabelecer aproximadamente o padrão da sociedade burguesa dos anos de 1931-34»:



3. 

Sabemos que a psicanálise emerge no início do século XX como resposta ao mal-estar produzido pelo modelo familiar burguês. Nada mais estruturado do que a família vitoriana do final do século XIX, quando Freud descobriu o sintoma neurótico e inventou a psicanálise. Esta foi a família que produziu o sofrimento neurótico que se manifestou por toda a Europa recém-industrializada. Temos, assim, a invenção da psicanálise como escuta e tentativa de resposta a este mal-estar. Ou seja, as modalidades de sofrimento abordadas pela psicanálise são indissociáveis de uma certa estrutura familiar. Pontuo, assim, que a psicanálise constrói-se banhada pelos estudos antropológicos, históricos, mitológicos e literários de forma a pensar e trabalhar com a cultura e seus desdobramentos. Estudos sociais e culturais que ajudam a perceber o sujeito como tal, mergulhando no caldo da cultura que o antecede. Um sujeito que pode constituir seu nome próprio, mas que por vezes é servo de um discurso. Llansol capta esse movimento (sujeito e cultura), percebe a sua relação com as origens da incomunicabilidade individual e social, tenta proceder à leitura de um álbum que dá notícia de uma família burguesa, capaz de inscrever a direcção do crescimento da criança. De uma forma ou de outra o que fica nos registos dos seus cadernos é o interesse pelo sintoma de uma época e de uma família. Temos assim, um olhar para as origens que estão sempre em relação com esse grande Outro (como diz Lacan – esse Outro maiúsculo, da cultura), uma constituição subjectiva que acontece a partir de uma inscrição que é anterior ao próprio sujeito. 

Em Um Beijo Dado Mais Tarde, Llansol escreve: «Eu ainda não nasci, e é essa a parte mais comovente e íntima desta linguagem. Estou a ouvir o que dizem, compondo com as mãos meus ouvidos e minha cabeça, próximo da concha improvisada onde dormem os amantes deste quarto. Não há um nem há outro, há um clarão que excede o brilho, e que une esta noite a um vestido.»

As origens. Raízes. O que é que vem do Outro, antes mesmo de eu nascer e que já me nomeia? Que me dá um lugar? Um clarão que excede o brilho? O que posso escutar com as mãos nos meus ouvidos e na minha cabeça, próximo da concha improvisada antes mesmo de nascer? Que linguagem do mundo – familiar e social – me constitui? 

Llansol anota: Projecto: análise de como a criança é falada e o seu sujeito subvertido



Ao ler Lacan, algumas anotações dos cadernos de Llansol nos levam a textos como a «A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud», «Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise» e «O estádio do espelho na formação do eu»… Não cabe aqui entrar na minúcia destes textos. O que importa como «urgente abertura» é colher as ligações da leitura do Álbum do bebé e os pressupostos da psicanálise, que nos levem ao que é articulado como noção alternativa de uma biografia, ou como, em Inquérito às Quatro Confidências, a escrita de uma signografia, um registo de sinais próprios para além de um nome. Em psicanálise, diríamos: «Prática da Letra». 

No texto «O estádio do espelho...», texto de 1936, Lacan retoma a cena do bebé que se vê diante de um espelho, o bebé que fica jubilado com a imagem que vê. O adulto mais próximo começa então a nomear essa imagem que é reflectida. Dá contornos simbólicos a essa criatura que está ali. Bordas possíveis de um discurso sobre seu nome próprio e seu ser e sua existência. É um pouco o que o Álbum do bebé regista: «fazer a história do sujeito, o seu filho, num livro que guarde a sua memória. Mas, com este processo, o que irá inscrever é a direcção obrigatória do seu crescimento». A criança se reconhece pelo olhar do outro. É quando o cuidador de uma criança olha para ela e a define pelo discurso (por exemplo: diz que a criança é brincalhona... ou chorona... ou muito calma... ou alta... ou baixa...) que capta uma imagem que a inscreve em uma cadeia de significação. Um significante, uma palavra que vai então gerar um significado. Este é o Álbum do bebé que Llansol viu, como se «inscrevesse uma direcção obrigatória no seu crescimento».

Como introduzir outros significantes e significações para si, como sair desse lugar determinado e determinista, alienado, escrevendo a sua própria signografia? Como se apropriar do nome herdado para inscrever um nome próprio? Tudo isto pode ser uma possível proposta llansoniana. 

Ainda uma anotação, a propósito da metáfora paterna. Na articulação com a linguística, Lacan recorre ao conceito de metáfora para descrever a operação de entrada da função do pai no universo do sujeito. A estrutura básica da metáfora é a da substituição significante: uma palavra por outra. Quando alguém utiliza uma metáfora, um significante substitui outro que permanece oculto, mas se mantém presente em sua conexão com o restante do discurso. A metáfora permite que conexões de sentido pré-estabelecidas sejam desatadas: fabrica novas significações, desamarra significados fixos e abre outros novos. Com a metáfora, o significante é arrancado de suas conexões lexicais habituais, gerando um campo de possibilidade de criação. O descolamento do sujeito em relação à significação inicial, operado pela metáfora paterna, permite que a cadeia significante se flexibilize e se amplie, abrindo a possibilidade de novas significações com toda a riqueza que caracteriza a estrutura metafórica. Dessa forma, dá-se ao sujeito seu pleno acesso ao simbólico, rompe-se a sua sujeição primordial, o que lhe confere o estatuto de sujeito do desejo. Llansol escreve, em Um Beijo Dado Mais Tarde: «É ponto de honra lutar pelo esplendor da língua [...] A voz de meu Pai tem de ser modificada. Pai nosso que estais no céu, seja feita, seja feita toda a verdade sobre a vossa figura... [...]. Esse Pai eterno, de olho fechado, que fingira não ver, não queria trazê-lo comigo. Mas ele era meu, por herança, legível em palavra sobre a face do testamento. Volto a repetir: como separar de mim este fruto? Onde encontrar o fio de melodia minúscula que me conduza à clareira onde outro Pai que não este queira ficar comigo?»

Para concluir estas breves reflexões, ainda uma consideração sobre o texto A instância da letra e a razão desde Freud, que Llansol lê e anota. Nessa altura do ensino de Lacan ele já havia explorado amplamente a tese de que o inconsciente é estruturado como linguagem (ideia iniciada já no texto de 1936, sobre o estádio do espelho) – com a definição de uma estrutura de discurso que implica o lugar de um agente que se dirige a um outro, a lógica do significante se estende para além da constituição do inconsciente individual e passa a ser concebida também como decisiva na composição do laço social. A linguagem ganha um estatuto fundamental. É pela via da escrita que se desempenha um papel fundamental na expressão e compreensão do inconsciente, servindo como um meio de representação simbólica daquilo que por vezes não se entende a priori ou fica na zona da incomunicabilidade – as confidências incompletas. É nesse texto também que Lacan aproxima a psicanálise da literatura, ampliando a ideia de uma zona de litoral, quase como o encontro de mar e areia, que deixa uma marca na superfície sem seja propriamente uma definição; é uma zona em que se molham e misturam. A linguagem é este universal do qual o sujeito é o singular. Em O Jogo da Liberdade da Alma lemos:


Para finalizar volto à questão inicial, que deu título à fala de hoje: Será que os objectos herdados podem ser os contornos das confidências incompletas? E lanço ainda outra questão: O que é que se herda? O que se pode herdar de um pai? Nesta outra passagem de O Jogo da Liberdade da Alma pode aflorar uma resposta:


Faço ainda uma referência a René Char, poeta francês, que dirá que «a nossa herança não é precedida por nenhum testamento», sugerindo que aquilo que herdamos nem sempre é nomeado. São contornos das confidências incompletas. Para ele, aquilo que herdamos não é, muitas vezes, nem nomeável nem apreensível de forma inequívoca. Porquê? Desde logo herdamos esquecimentos – e eles são tantos – em número semelhante às lembranças. É por isso que os álbuns também existem. Mas ao invés de serem livros que determinam uma direcção obrigatória no crescimento individual, Llansol parece dizer que eles podem funcionar como testemunho de uma narrativa que conta uma história, sem determiná-la. Um testemunho que é testamento e que possibilita, pelo olhar do outro, o encontro de caminhos para narrar-se, inventar um nome próprio, quiçá uma signografia. Com Llansol, é preciso lembrar: Descendemos de uma genealogia e, mesmo, de várias que se emaranham umas nas outras. 

Mas para além disso herdamos palavras e silêncios, confidências incompletas, e talvez, nessa brecha entre um passado e um futuro, na hesitação entre correr ou ficar, possamos nomear uma restante vida. 




9.9.23

 O SUFISMO EM LLANSOL

No próximo dias 15 de Setembro, entre as 10h e as 11h, o investigador Fabrizio Boscaglia falará, na Jornada de Trabalho sobre «O Orientalismo Português,» do Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras de Lisboa, sobre «O sufismo em Maria Gabriela Llansol», no âmbito da sua investigação sobre a presença de Ibn 'Arabî na Obra da autora (na sala B112.c, Edifício da Biblioteca).


«________ aprendi, com a linguagem dos grandes místicos,
que onde não há nada há muito para dizer.»
(M. G. Llansol, caderno 1.50, p. 67)


5.9.23

 UM OLHAR DE LLANSOL SOBRE A INFÂNCIA

Regressamos às sessões públicas do Espaço Llansol no próximo sábado, dia 16, pelas 17h, com a apresentação (também em video) de um «projecto» de M. G. Llansol por ela intitulado «O Álbum do Bebé, ou Biografia de uma infância». Estamos em 1969, Llansol faz análise com o psicanalista Goerts em Lovaina e lê muita literatura da área, de Freud a Lacan e à Escola de Paris. A análise da sua própria infância, e do lugar do pai nela (um tema presente em vários dos seus livros), é anotada ao longo de mais de 100 páginas de um dos cadernos do espólio.
O «projecto» será comentado pela psicanalista brasileira Janniny Kierniew (da Universidade do Rio Grande do Sul), actualmente investigadora em várias instituições portuguesas, entre elas o Espaço Llansol.

Teremos o habitual caderno sobre o projecto, e uma grande exposição de fotografias, do álbum paterno e de livros da biblioteca de Llansol.


2.9.23

O NOVO «LIVRO DE HORAS»:

REGRESSO DO EXÍLIO


Foi já distribuído, e dele faremos uma apresentação nas nossas Jornadas Llansolianas de Outubro, o nono volume dos «Livros de Horas» (Um Conjunto de Espirais. 1985-1990). Reproduzimos aqui o texto da contracapa, que fornece informação sobre mais este livro de inéditos de Maria Gabriela Llansol.