LLANSOL NA IMPRENSA PORTUGUESA
Tivémos ontem, sábado, mais um encontro na Letra E, desta vez para analisar e comentar a presença e a recepção crítica de M. G. Llansol e da sua Obra na imprensa portuguesa desde a publicação do seu primeiro livro, Os Pregos na Erva, em 1962.
Helena Vieira, editora e investigadora em Comunicação Social, fez uma síntese da evolução dessa fortuna crítica, salientou as vicissitudes e os momentos altos dessa presença nos jornais, com destaque para os anos sessenta e o primeiro livro de Llansol, muito comentado pela crítica da época; os anos entre 1984 e 1986, com o aparecimento quase simultâneo de Na Casa de Julho e Agosto e Causa Amante, e com a polémica desencadeada em torno de Um Falcão no Punho e do Grande Prémio de Romance da Associação Portuguesa de Escritores, que o júri, muito dividido, acabou por atribuir a um livro de António Lobo Antunes; finalmente, ainda em 1991, o ano com mais artigos, reportagens e críticas em que Llansol é tema (perto de setenta), uma vez mais em torno de um livro candidato ao Grande Prémio, que acabou porb receber nesse ano pela primeira vez: Um Beijo Dado Mais Tarde. A partir dos anos oitenta, de acordo com a análise de Helena Vieira, baseada nos cerca de seiscentos recortes de jornais que temos no nosso arquivo, Llansol passou a ser um caso incontornável na cena crítica portuguesa, e continuou a dividir as opiniões. Helena Vieira salientou as intenções dos críticos e os efeitos sobre os leitores de um certo tipo de adjectivação que se generalizou, e que acabou por criar na opinião pública uma imagem algo simplificada, e ambígua de Llansol e da sua Obra, muitas vezes etiquetada de «difícil», «estranha», «hermética», «inclassificável», «esotérica» (a própria Llansol o lembra quando, na carta a Eduardo Prado Coelho a propósito do Salon du Livre de Paris em 2000, escreve: «Serei sempre a esotérica de serviço»).
(Foto: Vina Santos)
Paula Morão, professora da Faculdade de Letras de Lisboa e uma das vozes que a partir dos anos oitenta foi acompanhando criticamente – no Expresso, no Jornal de Letras, no Letras & Letras, na revista Colóquio-Letras – os livros de Llansol que iam saindo, evocou algumas das razões (e das histórias de bastidores) para as polémicas em torno do seu nome por altura da atribuição dos prémios referidos, traçou paralelos com outros escritores portugueses e a sua imagem na crítica (entre outros, Rui Nunes, Irene Lisboa ou Maria Velho da Costa) e tentou situar um caso como o de Llansol no panorama crítico português e nas suas oscilações, desde João Gaspar Simões, figura controversa, mas um dos mais influentes e certeiros críticos regulares nos jornais portugueses. Também neste caso a própria Llansol se refere por vezes a Gaspar Simões nos seus cadernos, como foi lembrado por João Barrento, que leu uma passagem de um desses cadernos em que a ambivalência em relação a este crítico é evidente. Escreve M. G. Llansol em 28 de Março de 1979:
«O que torna Gaspar Simões intragável é o retorno constante à preocupação de que não pode enganar-se. Quanto ao que diz, diz melhor do que a maioria dos críticos portugueses que, com perseverança, não dizem nada (...) É estranho; enviei o meu último livro, O Livro das Comunidades, a João Gaspar Simões, e espero continuar a enviar-lhe outros livros; talvez a sua opinião me interesse mais do que eu julgo, talvez eu o demova e salve da sua infalibilidade (...) Apesar de tudo, ele reflecte com constância sobre a literatura.» (Caderno 1.06, pp. 261-262).
Em diálogo (fotos de Teresas Huertas)
Maria Gabriela Llansol comenta, aliás, com alguma frequência, sobretudo nos anos do exílio belga, o mundo literário, editorial e jornalístico português nos cadernos manuscritos,
lamentando o sil|encio a que é votada, a situação da literatura
portuguesa e o que vê já como uma certa mercantilização, a distância que medeia entre «as margens
da língua» em que escreve e as «páginas literárias» que lhe chegam de
Portugal, com o seu «pequeno comércio das relações e da cultura». Mais
tarde, quando regressa a Portugal, a sua presença na crítica é uma
constante sempre que sai um livro novo, e ela própria reconhece o papel
decisivo de alguns dos seus críticos para iluminar os seus livros.
Transcrevemos algumas dessas passagens, recolhidas por João Barrento nos
cadernos do tempo de Jodoigne e Herbais, tempo de espera, entre 1979 e
1984:
17
de Março de 1979, sábado
Fechado é o exílio das cartas e das referências. Votaram-me ao silêncio mais completo. É como se eu estivesse numa prisão, ou obrigada a manter-me em residência vigiada, sempre com o silêncio do que escrevo à volta, sempre com o silêncio com que escrevo. Assim, tudo ignoro do que escrevo, a não ser a necessidade de o fazer.
30 de Maio de 1979, quarta
Destituo-me da literatura e passo para o lado da língua; abandonei o meu papel equívoco de mundanamente e mudamente pedir reconhecimento, e constatei que, para lá do campo da literatura vigente, há o campo inundado da língua, sempre a evoluir na fenomenologia do tempo; não peço mais ser o que não poderei ser, pois tomei deliberadamente outro caminho em que escrever faz parte dos amores íntimos, intimamente.
1 de Dezembro de 1981
... A crítica literária tinha uma linguagem paralela à da literatura, fechava-se no mesmo labirinto, que era simples. Diziam ambas que existia o que todos sabiam que existia, e diziam-no do ponto de vista de uma forma que a realidade não merecera (...)
Eu, quando lia o Jornal de Letras e Artes, não me sentia
mais excluída do que antigamente. Mas agora havia um sinal que despontava: essa
exclusão era positiva desde que eu acedera, com a alma inteira em resposta, ao
que me tinha sido proposto. O que me tinha proposto ao longo da vida, tinha uma
origem desconhecida, mas não vaga.
28 de Dezembro de 1981
Chegou outro Jornal de Letras, Artes e Ideias, que
leio com uma certa tristeza. Creio ter-me afastado muito das possibilidades
reais da minha língua, hoje, onde estão as letras, as artes, as ideias, e as
margens por onde tão velhos títulos deviam evaporar-se, tornar-se_______
21 de Julho de 1984
A crítica literária:
Ver um livro por tal grelha é como... olhar um diamante às escuras. A crítica literária, ou é cega, ou em tal escuro nenhum diamante pode ter brilho.
Feliz o livro que vive – e não teve crítica literária – e só foi lido. Respirou amplamente a sua leitura, e expandiu-a numa vasta paisagem, atingindo, por vezes, as fontes dos olhos de quem lê.
27 de Abril de 1984
Eduardo Lourenço considera as Trilogias obras de um escritor de futuro / universal – escritor solitário em terra portuguesa.
Principiava a sentir-me velha e densa. Velha da passividade que sinto através dos jornais, além do meu envelhecimento próprio.
2 de Fevereiro de 1985, Mucifal
Crítica de A. Guerreiro a Na Casa de Julho e Agosto, sobre a qual medito profundamente. Vontade de recomeçar a escrever sem os desfalecimentos dos últimos tempos.
6 de Fevereiro de 1985
(num avulso do caderno 1.17, esboço de carta a Paula Morão)
Paula,
senti-me feliz por Na Casa de Julho e Agosto ter produzido efeitos de leitura e de análise, como a sua no Expresso. Pus-me a meditar através do que a Paula escrevera, e num instante pude atingir o livro, mais além, no seu belo texto.
Ao longo da sessão foi-se percebendo ainda como Maria Gabriela Llansol, na sua singularidade, foi funcionando ao longo dos anos como uma espécie de barómetro da crítica literária em Portugal. Na introdução ao caderno que, uma vez mais, distribuímos nesta sessão e que pode ser folheado em baixo, ou descarregado (com um conjunto de textos críticos representativos, entre 1962 e 2009, completando uma outra recolha, a do Caderno de Leituras editado pela Mariposa Azual em 2011), Helena Vieira conclui que «analisar a recepção jornalística desta Obra é também tentar desenhar o mapa desse campo, chamemos-lhe crítica literária, na última metade do século XX e princípios do século XXI». Nesse campo se desenham, quer «as grandes linhas de interpretação» (e também as de alguma recusa de interpretação), quer um «retrato da autora», ambas as coisas gerando, ou «o espanto desconcertado» (Gaspar Simões), ou «a admiração devota e confessa» (Eduardo Prado Coelho).
Leia alguns artigos aqui: