UMA PORTA ENTREABERTA
Nas últimas Jornadas Llansolianas, em que evocámos os quarenta anos d' O Livro das Comunidades, tivemos o prazer de receber o poeta de Barcelona José Ángel Cilleruelo, que fez uma original reflexão poética a partir de escrita própria suscitada pela sua leitura de Maria Gabriela Llansol neste último ano. O resultado dessa verdadeira descoberta de uma «escrevente» que, segundo o poeta, tem lugar assegurado na história da literatura do século XX, foi um livro que nos trouxe (e que pode ser pedido ao Espaço Llansol [€ 8,00]), um belo conjunto de fragmentos poéticos – ou poemas em prosa fragmentários – que resultaram numa original e fascinante imitatio llansoliana. O título – Cruzar la puerta que quedó entornada [Atravessar a porta que ficou entreaberta] (Madrid, Editorial Polibea, na colecção de poesia «el levitador») – sugere, no seu registo enigmárico e ao mesmo tempo quotidiano, um primeiro olhar lançado a este universo tão particular que é o de M. G. Llansol, e que João Barrento, na introdução ao livro, relaciona nestes termos com o poeta catalão:
«Estamos
perante um Texto de uma singularidade radical, sem encenações, com o qual um
dia – com surpresa, mas sem espanto – se encontrou a escrita multiforme e livre
de José Ángel Cilleruelo. E constatamos que existe entre os dois uma espécie de
entrosamento natural, uma simbiose de palavra e de mundos que mutuamente se
respondem. Em particular numa mesma capacidade de levar as palavras até às
raízes de um quotidiano que a imaginação – visual e activa, criadora – reflecte
e transforma, fazendo 'acontecer' o mundo aparentemente estático e indiferente.
Não interpretando-o, mas prolongando-o, quase sem costuras nem cesuras. Numa
tapeçaria a quatro mãos, numa 'charla' cuja matéria e alimento é o pormenor
revelador e revelado na palavra nova, e cujo instrumento maior é a atenção. Numa dupla, e tantas vezes convergente, 'biografia de olhares'».
Deixamos aqui, no original, dois fragmentos do livro, da secção «Biografia de la mirada»: